temmesa::Tenho visto diversos jogos lançados no Brasil que utilizam as mesmas mecânicas de outros jogos, e aqui saem com uma Skin nova e uma ou outras regras diferentes tipo:
Don Capollo = Bohnanza
Qu4to = Scout
Hello Kitty, um dia pra relaxar = King Up
Eu sei que em outros países não existe direito autoral para mecânicas. E aqui no Brasil até que ponto a pessoa pode responder por plágio em um jogo de tabuleiro? Ou só existe plágio se usar o mesmo nome, como a Estrela processando a Galapagos com o nome Detective?
Não quero menosprezar o trabalho dos autores dos jogos citados acima, só queria mais informações e onde encontrar artigos sobre direitos autorais a respeito de jogos.
Cara Equipe do
temmesa
Eu escrevi um artigo falando sobre essa questão de direitos autorais e jogos, que você pode acessar no seguinte link:
https://ludopedia.com.br/topico/71647/polemicas-ludicas-ias-criativas-direitos-autorais-e-plagio
Em tese não se pode registrar como direito autoral regras e mecânicas de jogo. A legislação que trata do assunto, no Brasil, é a Lei 9610/98, que no art. 8º estabelece as matérias às quais os direitos autorais não se aplicam. As mecânicas dos jogos estão listadas no inciso II:
Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:
I - as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;
II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;
III - os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções;
IV - os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais;
V - as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas;
VI - os nomes e títulos isolados;
VII - o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras.
Portanto, a mecânica você não pode registrar, mas a arte do jogo por exemplo, e as marcas relacionadas a ele sim. Assim sendo, na teoria dava para lançar um jogo chamado Central do Brasil, em que o jogador usa cartas coloridas para conquistar rotas de ferrovias ligando as principais capitais brasileiras, o que seria uma cópia claríssima do Ticket do Ride, mas não dá por exemplo para usar a mesma ilustração das cartas, porque essa arte tem direitos autorais envolvidos.
O processo da Hasbro contra a Estrela, envolve jogos como o Clue, o Monopoly, o Jogo da Vida, entre outros brinquedos. No caso do Detetive a Estrela, por enquanto, manteve os direitos do jogo, por conta de um registro feito em 1976 sobre a marca "Detetive" para jogos de tabuleiro, quando a Hasbro ainda nem tinha representação no nosso país. Além disso, é bom lembrar que a própria Estrela alterou o cenário do jogo, mudando dos cômodos de uma mansão vitoriana, para os locais de uma cidade, bem como a identidade dos personagens. Seguindo o mesmo raciocínio, a editora Pais & Filhos lançou o jogo Suspeitos, que é uma cópia do Detetive, mas com outras alterações no cenário.
Essa questão do registro da marca, inclusive é a discussão principal do recente processo movido pela Estrela contra a Calango Jogos, envolvendo o "Detetive" (Estrela) e o "Detective, o Jogo da Investigação Moderna" (Calango). A Estrela alega que um outro jogo chamado Detetive, mesmo que com "c", e mesmo não tendo nada a ver pode induzir o consumidor ao erro, o que é uma grande balela, pela disparidade de preço, público alvo e locais de venda. Isso para não falar que o registro de palavras de uso comum (Detetive) como marca não são tão restritivas como ocorre com palavras criadas como Gillette, Xerox, Nescafé, etc. Isso já envolve outra lei 9279/96 (lei de Propriedade Industrial). Se você quiser maiores esclarecimentos a respeito eu te indico o tópico Disputa Judicial entre Estrela e Galápagos que você encontra no link:
https://ludopedia.com.br/topico/78570/disputa-judicial-entre-galapagos-e-estrela?id_topico=78570&id_post=489011&pagina=1
Porém não se pode esquecer que a lei é interpretada por uma pessoa de carne e osso, que pode ter um entendimento diferente daquilo que outras pessoas têm a respeito do que diz a lei. Portanto, um juiz ou desembargador pode achar que apenas mudar o cenário de um jogo não é suficiente para afastar o plágio, ou pode achar que mesmo "Detetive" sendo uma palavra de uso comum, ela ainda pode ser registrada como uma marca. Cada caso é um caso.
No exterior existem três casos que ilustram bem isso, muito embora todos sejam dos EUA. A editora Ziko Games lançou o Legends of the Three Kingdoms que é uma cópia do Bang!, mudando o cenário do velho oeste para uma lenda chinesa. A Da Vinci Editrice (editora do Bang!) processo a Ziko Games, mas perdeu porque o tribunal entendeu que a cópia era suficientemente distinta. No segundo caso, envolvendo um vídeo game, a Xio Interactive lançou o Mino que é uma cópia descarada do Tetris, com alterações mínimas na arte das peças. A Tetris Holding LCC processo a Xio Interactive e ganhou, porque o juiz entendeu que a cópia é parecida demais com o jogo original. Por fim, a editora Cryptozoic lançou o HEX que é uma cópia do Magic The Gathering. A Wizard of the Coast (leia-se Hasbro) processou a Cryptozoic, e as partes chegaram a um acordo.
De modo geral, o que importa é que um jogo que copia outro, seja suficientemente único, pelo menos nos elementos periféricos, apesar do funcionamento geral ser o mesmo. Nesse caso, se houver um eventual processo por plágio, entra a opinião do julgador se a cópia é suficientemente única ou não.
Espero que isso tenha sido útil para tirar as suas dúvidas.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio