Por muito tempo eu vivi em função do consumo de jogos de tabuleiro. Era o dia inteiro acessando Ludopédia, BGG, pesquisando mecânicas, designers, ouvindo podcasts. Olhava para aquele número de itens na coleção da Ludopédia como algo que só pode aumentar – seria um pecado mortal fazê-lo diminuir. Os principais efeitos disso foram não só a compra indiscriminada de jogos (muitas vezes com base apenas na capa, mecânica principal ou no designer), mas também a manutenção na coleção de jogos que eu sabia que eu nunca jogaria, que eu automaticamente sentia ódio só de olhar para a caixa, mas que eu não podia me desfazer porque não queria esvaziar a estante - aquele monumento que colocamos na sala, para que sempre que recebermos alguém em casa, jogador ou não, chame atenção. Isto chegou a um ponto em que eu aceitava trocar jogos, mas nunca vendê-los (mesmo que a venda significasse alguma outra compra imediata usando o valor da venda).

Eu sentia orgulho em ostentar isso aí. Hoje me dá uma leve vergonhinha ver tanto jogo acumulado, mas serve para ilustrar.
Porém, de 2020 para cá minha coleção reduziu de 200 “itens” para menos de 80 atualmente. E isso porque tenho uma preguiça descomunal de criar anúncio, tirar foto, responder pergunta, embalar, levar no correio. Minha intenção mesmo era reduzir para uns 20 itens.
Eu não deixei de gostar de jogar, embora deva admitir que meu tempo para consumi-los tenha reduzido nos últimos tempos principalmente por conta da paternidade. Entretanto, jogo desde 2012 mais ou menos, e o pós-pandemia certamente foi o momento da minha vida em que mais joguei (mesmo sendo numa frequência imensamente inferior à média daqueles mais ávidos deste fórum).
A virada de chave
Tudo mudou quando eu comecei a me perguntar “por que eu gosto de jogar?” e percebi que a resposta é “porque gosto de conversar”. E isso me abriu um novo olhar para os jogos, e do que de fato gosto neles:
a interação. Passei a perceber que jogos sem interação não me levam a nada porque não atacam o meu objetivo, que é estimular a conversa – tanto durante a partida quanto as posteriores, pela criação de memórias.
Entendendo isso, internalizei que o que busco nos jogos não é possuí-los, mas utilizá-los como ferramenta de criação de memórias* e de conversa. Mais que isso, entendi que tenho os jogos
como um meio para estabelecimento de comunicação, de forma lúdica, divertida e, principalmente, competitiva,
e não como um fim neles mesmos.
*Por esse mesmo motivo eu critico tanto os euros genéricos com nome de cidade, ou os duzentos mil jogos de worker placement todos iguais ou, por fim, aqueles jogos de salada de pontos que o jogador que joga querendo vencer e o jogador que faz jogadas aleatórias acabam com uma diferença pífia um ao outro na pontuação porque as decisões não importam de verdade. No fim das contas, estes tipos de jogos não estimulam, em pessoas como eu, conversas e memórias – mas um dia se me der na telha eu crio um outro tópico só macetando eles.
É também por isso que eu gosto tanto dos 18XX e dos Splotter, e tenho memórias detalhadas de tantas partidas, porque neles acontecem episódios únicos e memoráveis, por meio da interação entre os jogadores.
Momentos que ficam marcados na memória. O mesmo posso dizer de jogos como Space Empires ou Clash of Cultures. Eu tenho guardadas comigo diversas lembranças desses jogos, que com frequência são trazidas e discutidas quando encontro as pessoas que estavam lá.
No fim eu aprendi que, para construir memórias, eu não preciso ter um trilhão de jogos porque hoje eu sei exatamente o que busco neles. E, honestamente, eu não tenho uma quantidade de horas disponíveis por semana que me permitam rotacionar uma coleção com uma frequência que justifique ter mais de 20 jogos. Então qualquer coisa acima desse número (situação que infelizmente ainda vivo hoje), é apenas
ter, e não
jogar. Além de que eu tenho outros hobbies para ocupar meu limitado tempo livre, então para que vou acumular papelão na estante (que hoje não existe mais! Faço questão de não deixar meus jogos à mostra, até para juntar menos pó).
A vida é maior que colecionar jogos de tabuleiro.
Não escrevo isso para tentar convencer ninguém a deixar de comprar jogos (embora eu viva repetindo isso aqui hehehe) ou a vender suas coleções. É mais uma reflexão acerca da minha própria experiência para que, quem leia, pergunte-se o que ela busca nos jogos, por que ela joga, e por que ela precisa comprar o próximo jogo.