O texto também é curto, resumido, sobre algumas considerações que ensaiam o pensamento do que pode ser o realismo, como conceito, em jogos de tabuleiro.
Acredito que o realismo nos jogos de tabuleiro é fator determinante, ou ao menos importante, para influenciar ou criar comportamentos/princípios. Para mim é claro que o papel do realismo nos videogames é criar uma experiência envolvente e verossímil para o jogador. Gráficos realistas e mecânica de jogo podem ajudar a suspender a descrença do jogador e tornar o mundo do jogo mais tangível e realista. Em contextos de treinamento, como simulações de cabine para pilotos de avião, o realismo é fundamental para representar com precisão o ambiente do mundo real e ajudar o usuário a aprender e praticar habilidades importantes. No entanto, as abordagens ao realismo em videogames podem variar amplamente dependendo do gênero e do público-alvo do jogo. Alguns jogos, como os jogos de tiro militares realistas, podem buscar um alto grau de realismo na representação da violência e no comportamento dos personagens. Outros jogos, como jogos de fantasia ou de super-heróis, podem adotar uma abordagem mais estilizada ou exagerada do realismo, a fim de criar uma identidade visual distinta ou para apoiar a narrativa ou os temas do jogo.
Um desafio do realismo em videogames é que pode ser difícil, além de custoso, criar gráficos e mecânicas de jogo altamente realistas. Isto pode limitar os tipos de jogos que os desenvolvedores podem confeccionar e também pode criar uma divisão entre jogos com gráficos mais avançados e aqueles com gráficos mais simples, além de todo o desenho e produção de som. Outro desafio é que o realismo nem sempre é apropriado, especialmente quando se trata de representar a violência nos jogos. Por exemplo, ao mostrar violência em jogos para crianças, os criadores podem optar por utilizar representações de violência mais estilizadas ou abstratas, a fim de evitar conteúdos perturbadores ou inadequados. Além disso, alguns jogadores podem ser mais sensíveis a representações realistas de violência e preferir jogos com representações mais estilizadas ou abstratas.
Agora, proponho a reflexão sobre como funciona o realismo nos jogos de tabuleiro. É certo que os jogos de videogame, por terem uma imersão visual mais impactante no tangente à perspectiva e movimento das imagens, estabelecem uma experiência potencialmente mais imersiva. As imagens se movem por elas mesmas, com mudanças de perspectiva, movimentação de linhas convergentes, efeitos de profundidade entre planos, linha do horizonte; ponto de vista mais profundo; ponto e linhas de fuga visuais etc. Tudo isso aliado a ambientação sonora que interage em tempo real com a movimentação imagética. Em suma, o olho e ouvido humano captam cenários de imagens e sons em movimento como captam o mundo real, também constituído pela matéria audiovisual.
O que seria então um jogo de mesa realista, já que eles são analógicos e fornecem as informações na materialidade física e não digital? O aspecto da tateabilidade e interação concreta com seus componentes não parece, por si só, serem suficientes para uma imersão mais realista com aquele universo dentro da caixa de papelão.
A ideia que tento desenhar é que justamente por não ser digital, o jogo de tabuleiro possui elementos mais realísticos, mas no sentido do afeto. Há algo nesta fenomenologia que nos afeta mais profundamente porque utilizamos a faculdade da imaginação, em oposição à recepção visual de imagens. Você não clica em uma árvore e fica parado observando seu personagem colher maçãs feitas de pixels, você pega com as suas mãos as maçãzinhas de madeira que foram pegas enquanto você se aventurou pela floresta imaginada e diz “agora estou indo vender algumas maçãs no mercado”, então vai à feira, que só existe na mente fértil de todos os jogadores, escolhe um comerciante que você imagina, pela ilustração estática dele em um tile, que seja o mais generoso comprador. Todos os demais jogadores na mesa ficam atentos, torcendo para você não escolher o freguês que eles querem como seus compradores, observando os movimentos de suas mãos, ouvindo sua narrativa oral enquanto tece os parágrafos prosaicos de uma venda na feira. Todos estão neste momento imaginando.
Quem imagina, vive, experimenta, sente. E não precisa ser um espetacular jogo imaginativo de Ryan Laukart, nem um jogo de interpretação de papéis como Arkham Horror. Podem ser os constantes perigos que aparecem em Friday ou as diversas peças de roupa que você costura em Rococo.
O jogador engajado projeta-se no jogo e, na condição de coprodutor, pode assumir diferentes funções. Na função de possível personagem, o jogador imagina, fantasia, interage, narra, ou apenas observa a estória que se desenrola. É o jogador do jogo de mesa que através da imaginação, dá vida e vive, na ficção, situações que jamais imaginaria viver em seu cotidiano. O jogo de tabuleiro permite muito mais imaginação que qualquer jogo digital.
Como diria Umberto Eco, há duas maneiras de percorrer um bosque fictício. A primeira é experimentar um ou vários caminhos (a fim de sair do bosque o mais depressa possível, digamos, ou de chegar à casa da avó, do Pequeno Polegar ou de Joãozinho e Maria); a segunda é andar para ver como é o bosque e descobrir por que algumas trilhas são acessíveis e outras não. Quando percorremos estes bosques da ficção, experimentando vários caminhos, encontramos a imaginação, que nos permite imaginar, viver e sentir emoções e sentimentos tornando o que é jogado em uma experiência lúdica de vida, quase tornando real o que se sente na ficção lúdica. Essa atividade de imaginar como experiência não só individual, mas sobretudo coletiva, está presente também na vida do ser no mundo, como na cultura, artes, técnica e ciência. A todo momento, realizamos atividades que envolvem a imaginação, pois, por ser de natureza antecipatória, possibilita ir além do apreendido diretamente. Vigotski que diz que a imaginação é um fundamento de qualquer atividade criadora, que ela se manifesta igualmente em todos os aspectos da vida cultural, possibilitando a criação artística, científica e tecnológica.
É óbvio que a imaginação está ligada à realidade em que o jogador vive, em função do ato imaginativo se compor de elementos da realidade, isto é, toda atividade de imaginação recorre a um elemento da realidade, para assim criar algo novo a partir do já existente, como também, a experiência humana. Mas, pessoalmente acredito que o jogo se torna mais rico à medida que possibilita, a partir de elementos concretos, materiais, sinestésicos, manipuláveis, o engajamento no pacto que os jogadores fazem em se divertir a partir de uma narrativa. Quanto mais isso ocorre, mais material disponível para a imaginação terão. Além disso, há uma conjunção emocional entre realidade e imaginação, no qual o sentimento e a emoção se revelam.
A linguagem do jogo de mesa traz a experiência humana, de forma criativa e imaginária, envolvendo elementos tanto da vida real como fantasiosa em uma dinâmica do possível e impossível, nos permitindo transitar por vários caminhos que a ficção e a imaginação oferecem, experimentando e construindo sentidos. Seu ato de ficcionalizar elementos da realidade e da vida social do jogador, permite entrar em contato com outras maneiras de ver e se posicionar, pois projeta seu conhecimento de mundo e sua capacidade de recombiná-lo, mental e imaginativamente. Jogos que oportunizam a recombinação de realidades (a tal rejogabilidade) geralmente nos convidam a andar por caminhos diferentes pelo bosque fictício da imaginação.
O ponto mais alto para mim em jogos de tabuleiro é a identificação. Essa experiência do jogo de mesa estimula a minha fantasia e imaginação, permitindo-me identificar com as situações vividas pelos personagens que controlo, pelos itens que possuo, pelas ações que faço, pelos lugares que visito e a satisfazer meus desejos mais do que conscientes, mas sim inconscientes, provocando muita satisfação por poder além de tudo isso, saber que estou contribuindo para um caminho de vitória coletiva ou individual.
Ao jogar Pandemic, quero viver aquela estória, quero contribuir para mudar o curso de uma doença assustadora provocada por vírus que vai destruir a vida de muitas pessoas, quero ser auxiliado por colegas cientistas, quero me alegrar quando consigo deter a disseminação, quero me entristecer quando as coisas saírem do controle. Quando jogo This War of Mine quero desesperadamente mostrar às pessoas que a guerra não vale a pena, que devemos sobreviver e manter a nossa humanidade, embora o alto poder governamental nos oprima. Quando jogo Bloc by Bloc quero lutar contra a estrutura opressiva do estado, colocando todo o meu desejo de justiça em cubos de madeira pelas ruas de papelão. Quando jogo CO² quero criar demanda por energia sustentável, mas quero também viver os dilemas de estar trabalhando para as grandes incorporadoras. Quando jogo Black Orchestra eu quero convencer os meus compatriotas a esmagar Hitler com todas as minhas forças. Quando jogo Spirit Island, bem...depois escreverei um texto só para me aprofundar na experiência imaginativa que é essa obra-prima. Um jogo anticolonialista por si só já vale a experiência, mas a narrativa imersiva que se pode experimentar no engajamento com as mecânicas de Spirit Island é tão potente que deixarei um tópico só para ele depois!
Nenhum jogo de videogame até hoje me afetou tanto como estes citados e tantos outros.
Ian Carvalho.
(@_carvalhoian)