RenanCito:: Excelente texto! Muito legal a metáfora de base com o surfe!
Na verdade, tudo messe hobby è meio assim, pelo menos no Brasil: queríamos que fosse mais popular, mas o mundo dos board games ainda é muito nichado.
Caro
RenanCito
Rapaz, inicialmente o brigado pelo elogio.
E no mais, a coisa é bem por aí, conforme você disse. E o pior é que pelo menos no caso dos jogos BR, nem precisaria ser, pelo menos na minha opinião leiga.
Você veja, como exemplo, o caso do Ticket to Ride, que é um jogo que tinha tudo para ser um "novo WAR", na preferência da família brasileira. Não tem um filisteu ou huno a quem eu não mostre o jogo, que não fique super entusiasmado, mas que broxe no mesmo instante quando eu digo o preço médio dele. Se a Grow ou a Estrela comprassem a licença do Ticket to Ride da "Days of Wonder" e substituíssem a Galápagos na produção (sei que a chance disso ocorrer é quase nula, mas é só um exemplo rapaziada), isso não adiantaria nada. Mesmo a Grow e a Estrela estando entre as maiorias marcas de brinquedo da América Latina, e mesmo ambas tendo fábricas enormes, salvo engano em São Bernardo do Campo e Manaus, mesmo ambas tendo décadas de expertise na produção de jogos, ainda assim elas teriam de fabricar o jogo na China.
Muita gente diz que fabricar na China é muito melhor, porque o custo de produção é muito mais baixo, e certamente deve ser assim, caso contrário, praticamente tudo não seria produzido lá. A questão é que para atingir esses "preços de banana" é necessário um volume de produção estratosférico, na casa de centenas de milhares de unidades. No caso do Ticket to Ride tudo bem, o jogo vende horrores no mundo todo, então certamente seria mais barato a Grow ou Estrela, mesmo tendo fábrica aqui, produzir o jogo na China. O problema é que os jogos BR, nem de longe vendem tanto quanto os medalhões do Board Game mundial (Zombicide, Catan, Carcassonne, Azul e assemelhados). Portanto, seria inviável produzir um jogo BR na China, simplesmente porque a encomenda não seria grande o suficiente a ponto de atingir esses custos de produção superbaixos.
Dessa maneira, como os jogos BR não têm essas mesmas exigências contratuais, eles poderiam muito bem ser produzidos aqui, sem pagar um frete internacional, nem os impostos escorchantes de importação. Algum tempo atrás a Estrela lançou o ótimo
Herdeiros do Khan, do Rodrigo Rego, mas com uma péssima qualidade das cartas, que eram destacáveis, com peões de ludo, e manual monocromático. Os componentes eram realmente horríveis, muito abaixo do esperado, porém o jogo custava menos de R$ 100,00, e com mais uns R$ 30,00, dava para dar uma bela guaribada no jogo, e ficar com um excelente jogo por apenas R$ 130,00. Só para se ter uma ideia o As Viagens de Marco Polo e o Marco Polo II, que tinham uma pegada semelhante, guardadas as devidas proporções, custavam mais de R$ 600,00.
Outro exemplo foi o Carnavalesco do canadense radicado no Brasil Ronald Halliday. O principal componente do jogo são dos "dados "purpurinados", que precisavam ser produzidos na China, para ficar igual às maiores marcas mundiais de board game, e por isso o jogo no financiamento do Catarse custava R$ 350,00. Eu questionei o fato do jogo estar sendo produzido na China, quando a Ludeka vendia exatamente o mesmo dado, com purpurina e tudo, por apenas R$ 0,50. E isso uma unidade, imagina quanto não haveria de desconto para 170, que era o número de dados do jogo. E isso contando que 170 dados são para uma única unidade do jogo. Para produzir em escala pequena digamos 500 unidades, seriam 8.500 dados, custando cada um, uma fração desses R$ 0,50. Só por esporte e sem me esforçar muito, eu resolvi fazer um orçamento, para ver quanto custaria produzir um jogo similar aqui, e mesmo cotando tudo, inclusive simulando impostos e jogando os percentuais de da editora do distribuidor e do lojista, o valor dele não chegava a R$ 110,00. Quando eu falei isso em um tópico aqui do Ludopedia só faltaram me bater, e isso em público, porque no privado minha santa mãezinha foi muito homenageada. O resultado disso, é que um jogo que se fosse mais barato (como poderia ter sido) e tivesse sido feito aqui no Brasil, poderia estar sendo produzido e vendendo até hoje, porque todo ano o país para por conta do Carnaval, então o tema nunca sairia de pauta. Ao invés disso, hoje quase ninguém lembra dele.
Só para deixar claro, eu não trabalho no setor de jogos, então a minha opinião é leiga, mas pelo pouco que eu sei, e que eu acompanho acho que as coisas são mais ou menos assim. Digo isso, porque daqui a pouco aparece alguém dizendo que eu não considerei a subida do dólar, a crise mundial do frete e a pandemia. No caso do dólar eu acho essa uma justificativa maravilhosa, porque sempre se fala na tal "memória de preço", que só funciona contra o consumidor. É assim, se o dólar sobe o preço sobre, porque o dólar subiu e a cotação é fundamental para a formação do preço do jogo, mas quando a cotação desce, miraculosamente ela deixar de ser importante ou influente, porque isso implicaria na redução do preço do jogo. As editoras são sempre muito azaradas, porque elas sempre pagam os contratos fechados justamente no dia em que a cotação do dólar está mais alta, e nunca quando ela está em queda. É mais ou menos como a história dos donos de posto de gasolina, que sempre sobem o preço do combustível na bomba, quando o barril de petróleo sobre, mas nunca abaixam os preços quando o preço do barril de petróleo desce, porque eles alegam que compraram o estoque na época da alta. Quando o estoque é renovado com o preço do barril de petróleo em queda, o preço do petróleo semanas/meses depois já subiu, então os donos de postos esquecem que compraram mais barato e sobem o preço sem dó nem piedade. E nisso o consumidor final sempre perde.
Por isso, nós que estamos no hobby e compomos a massa da comunidade boardgamer nacional também temos alguma responsabilidade pela situação em que as coisas estão. Infelizmente, muitas vezes o nosso desgraçado "complexo de vira-latas" nos impede de ver o quanto de coisa legal que se produz em board game aqui na "terra brasilis". Só para ficar em um exemplo, o Shem Phillips anunciou o KS do Esdras e Neemias, um euro de alocação de trabalhadores para lá de genérico, mas que muita gente vai correr atrás. Enquanto isso, um jogo excelente, também de alocação de trabalhadores, como o
Chaparral do Marcos Macri, tem de suar a camisa para ser financiado, mesmo custando muito abaixo da média dos jogos atuais.
Assim sendo, mesmo já tendo a minha cota de desilusão com financiamentos coletivos, e tendo desistido do formato, pelo menos em relação às editoras médias e grandes, ainda faço o possível para apoiar os projetos das pequenas editoras, porque acredito realmente que esse é um dos caminhos para fazer o nosso mercado nacional de jogos chegar a algum lugar. E acho que todo mundo deveria fazer o mesmo. O outro caminho são os jogos de carta ou carteados, especialmente os da Papergames, mas aí já é papo para outra pauta.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio