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Quem me conhece sabe que eu sou a pessoa que liga zero para tema de jogo. De verdade. O jogo pode ser absolutamente sobre qualquer coisa - se a matemática que rola por traz dele oferecer um puzzle suficientemente bom, nem tema ele precisa ter. Arte? Menos ainda. Nunca comprei um jogo por causa da arte. Sou a favor de substituir todas as miniaturas por cubos (ou, como eu chamo carinhosamente, “miniaturas do Bob Esponja em diversas cores”. Entretanto, eu não sou um completo alienado, e sei que as pessoas ligam muito para isso - algumas compram jogos exclusivamente por causa do tema/arte (quantos KickStarters não foram vendidos sem mesmo ter um conjunto de regras finalizados durante a campanha?).
Como lidar com isso? Especialmente em um jogo de cartas, que normalmente não tem tema nenhum? As pessoas não vêem problemas em jogar os clássicos mesmo sem tema - Poker, Truco, Uno continuam sendo jogados sem ninguém minimamente se questionar qual o tema por trás. Mas para jogos modernos, o tema é importante. E eu precisaria, de alguma forma, achar algum tema que fizesse sentido dentro da mecânica que eu havia criado.

Um jogo em que o tema é a modelagem de ameaças no desenvolvimento de software? Tem. E feito pela Microsoft.
Inicialmente, pensei em armadilhas, pois os jogadores precisariam evitar algumas condições. Me veio na cabeça algo de espião, de filmes de ação. Os jogadores seriam espiões que deveriam ir atrás de… coisas que espiões normalmente buscam- maletas, cofres, pen drives, notebooks. Esses seriam os “naipes” do baralho. As missões seriam armadilhas - lasers, alarmes, seguranças armados, cães de guarda - aquelas coisas todas que tem nos filmes. O nome do jogo? Algo bem criativo. The Trap. Ou talvez Traps. Para mim, já estava bem além do que eu conseguiria pensar normalmente, e absolutamente satisfatório.
Em um dos playtests com o pessoal de fora, Martin “Shobu”, um grande entusiasta de jogos de cartas (especialmente jogos clássicos chineses), sugere na brincadeira: “Ao invés de traps (armadilhas), coloque mousetraps (ratoeiras). e queijos no lugar dos naipes. Eu, como francês, iria adorar”.
Eu não entendo de temas de jogos, arte ou miniatura. Mas adoro ideias - se meio bizarras, gosto ainda mais. E sei que muitas ideias geniais surgem em brincadeiras completamente despretensiosas. E isso era uma ideia muito, muito boa. Ao invés de espiões, seríamos ratos em busca de queijos. Ao invés de jogar um “3 azul” ou um “8 verde* sem graça, a pessoa iria jogar um delicioso “3 de Brie” ou um saboroso “8 de Gorgonzola”.
Mas.. ratoeiras? Não me parecia muito atraente. Entretanto, há um elemento que cumpre a mesma função, e é um dos elementos mais apelativos quando você quer vender qualquer coisa - inclusive boardgames, já que a correlação positiva entre boardgamers e seus apreciadores é muito, muito alta.
O gato. Gatos simpáticos, talvez levemente ameaçadores, querendo capturar os jogadores que, astutamente, os evitavam. Ou, se forem realmente corajosos, os enfrenta, de forma a desnorteá-los e conseguir ainda mais queijos (e pontos).
Vem pegar o 8 de Gorgonzola, vem...
E assim surge um tema completamente original (acho que é o primeiro jogo com queijos como naipes) e com um motor vendedor completamente clichê (o gato). Ficou redondinho, além de oferecer algo para aquelas pessoas que compram o jogo somente pelo tema. Quem vai resistir a felinos tão charmosos?
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