GabrielAlmeida::isR34L::GabrielAlmeida::Eu já tive essa visão em certo momento também. Hoje, na minha opinião, board games e video games são brinquedos, passatempos e, mais que qualquer coisa, produtos comerciais potencialmente rentáveis. Olha o que fizeram com Terraforming Mars, Azul e Zombicide. Arte é outra coisa.
Qual sua visão atual sobre o que é arte?
Para mim, que sou leigo no assunto, arte é algo diretamente ligado à estética e sensações provocadas por sua apreciação. Por este motivo, as artes clássicas (pintura, dança, teatro, escultura, música etc) são inquestionáveis. Eu questiono a classificação de jogos como arte por três motivos:
1. jogos não são (só) sobre estética, embora haja aspectos artísticos óbvios como o design gráfico e direção de arte, e menos óbvios como a narrativa de jogos legacy ou flavor texts de jogos como lords of waterdeep, por exemplo. No fim das contas, um jogo só existe a partir de suas mecânicas - senão não seria um jogo. Ele não é estático e feito para ser apreciado passivamente, como os outros formatos que citei anteriormente. Os jogadores são agentes e, no fim das contas, tudo se resume a operações matemáticas das mecânicas criadas pelo designer para atingir o resultado final binário de vitória ou derrota (por padrão). Como isso pode ser arte?
2. não vou aprofundar nisso, mas é o que citei anteriormente: via de regra, jogos são lançados como produtos comerciais. Sendo assim, o objetivo é o lucro. Ora, então arte não pode ser comercializada? É claro que pode. Inclusive acho ótimo que artistas consigam viver da venda da sua arte. Mas BG é um negócio caro, e editora nenhuma vai publicar algo que não seja lucrativo porque respeita a visão do artista. Este jogo será, então, modificado para adequar-se ao mercado ou então descartado. Logo, deixa de ser arte e torna-se somente um produto. Há exceções? Auto-publicações intocadas pela mão invisível do mercado? É claro. Justamente aquelas que validam a regra. Jogos-arte, podemos chamar assim? Não sou capaz de citar um exemplo.
3. Acredito que haja uma supervalorização (ou esvaziamento) da categoria de "arte". "Stefan Feld é um mestre das mecânicas, você já jogou Trajan? Aquele monte de mecânicas interligadas é arte pura!". Utiliza-se o termo para elevar o patamar daquilo que se pretende elogiar. Stefan Feld certamente possui domínio sobre a criação de mecânicas. Mas, voltando no ponto 1: qeu critério pode ser adotado para classificar mecânicas como arte? Se são operações matemáticas, puramente racionais, esvaziadas de estética e emoções (embora podemos achar lindo ou "genial" quando uma mecânica é bem trabalhada).
O que quero dizer é: jogos de tabuleiro são muito legais. São incríveis. Todos aqui amamos, senão o site já teria sido fechado. Mas precisamos forçar enquadrá-los como arte só para clamarmos nosso amor por eles? Que critérios colocam BGs como arte? Seria muito legal alguém estudado aparecer aqui no tópico para nos (me) iluminar.
Eu lembro que eu era bem relutante com a ideia do "tudo é arte", principalmente por causa de umas bizarrices da dita "Arte Moderna", o tempo passou, pensei melhor, e acho que "quase tudo" é arte de fato. E ai vai da escala da qualidade (e até certo ponto, eu diria que da pra ser objetivo quanto a isso diferença da crença popular). Fui aqui atrás de umas definições de dicionário sobre "Arte". Vou dar negrito nas que eu acho importante pra minha tese que vem a seguir, mas de fato esta ordenado por relevância ao meu ver (e do dicionário Oxford)
arte s.f. (sXIII) 1 habilidade ou disposição dirigida para a execução de uma finalidade prática ou teórica, realizada de forma consciente, controlada e racional 2 conjunto de meios e procedimentos através dos quais é possível a obtenção de finalidades práticas ou a produção de objetos; técnica 3 p.ext. (da acp. 1) o uso dessa habilidade nos diversos campos do pensamento e do conhecimento humano 4 p.ext. (das acp. 1 e 2) o uso dessas habilidades nos diversos campos da experiência e da prática humana
5 p.ext. (das acp. 1 e 2) acervo de normas e conhecimentos indispensáveisao exercício correto de uma atividade, ofício ou profissão 6 p.met. ofício, profissão, esp. quando se trata de trabalho manual 7 p.met. tratado que encerra tais normas e conhecimentos ☞ inicial maiúsc. 8 perfeição, esmero técnico na elaboração (p.opos. à espontaneidade natural); requinte 9 capacidade especial; aptidão, jeito, dom 10 forma de agir; maneira, jeito 11 habilidade para fascinar, seduzir ou enganar; ardil, artimanha, astúcia 12 produção consciente de obras, formas ou objetos voltada para a concretização de um ideal de beleza e harmonia ou para a expressão da subjetividade humana
12.1 as artes plásticas
13 p.ext. talento, contribuição própria da inteligência e da sensibilidade de um artista 14 p.ext. tendência geral e/ou a totalidade das manifestações artísticas em determinada época, fase, lugar etc.
15 obra humana, de funções práticas ou mágicas, e posteriormente considerada bela, sugestiva 16 B infrm. travessura, traquinagem (tb. us. no pl.) 17 artesn manufatura ou indústria que ainda mantém tradições artesanais
18 gráf qualquer original, em fase de leiaute ou de arte-final, a ser impresso 19 jor editoria incumbida de preparar desenhos, selecionar e cortar fotos, cooperar com os diagramadores 20 psc armação ou aparelho utilizado em pescaria (mais us. no pl.) 21 pub conjunto das atividades relativas à apresentação gráfico-visual de anúncios, cartazes, logotipos etc. 22 pub setor ou grupo de profissionais em agência de publicidade responsáveis pela execução de rafes, leiautes, ilustrações, artes-finais etc. para a produção de anúncios, encartes, cartazes, letreiros, painéis etc.
Acho que tudo que é produzido pelo ser humano com a intenção de ser usado/apreciado por alguém (inclusive a si mesmo) é arte. Isso de fato, faz com que
quase tudo seja arte, menos alguma exceções como manutenção básica da vida tipo suar e urinar, que são literalmente descarte de lixo (lixo por si só não é útil/apreciável por definição) ou alguns atos isolados da manutenção da vida (até certo ponto) como beber água ou levantar da cadeira.
"Ah, mas e o cara que cagou num potinho e colocou no museu?"
Acho que é arte mesmo, péssima (tecnicamente pobre (facilmente replicável = critério objetivo) e que impressiona pouquíssimas pessoas (pouco útil/apreciável = critério objetivo)). De fato, existem critérios subjetivos,
"ah, era uma crítica aos conceitos modernos", e de fato talvez fosse, ai vai de cada um dar a importância que quer pra isso (eu não dou nesse caso), mas reconheço que exista espaço para subjetividade (e que inclusive abre espaço para algo tecnicamente simples ser um bom exemplo de arte).
Conclusão: em linhas gerais, se o humano fez, com o intuito de ser usado/apreciado é arte. Como tudo na vida, pode ser péssimo ou ótimo. E dependendo do extremo, pode até
parecer válido dizer que só a partir da linha X é arte, ou abaixo da linha Y não é, mas ai acho que é um conceito muito difuso e pouco prático.
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No contexto dos boardgames, o cara que bolou ai o design (mecânicas + apresentação) não é muito diferente do cozinheiro (sabor + textura + aroma + apresentação), ou de um pintor (textura + cor), ou um escritor (mecânicas [língua escolhida]). Dito isso, em cima dos teus pontos:
1. Baseado nas definições de dicionário, ser passivo ou não não me parece um bom critério para enquadrar algo como arte. Isso geraria linhas cinzas onde ferramentas não podem ser arte, pois precisam ser "usadas", e tradicionalmente Ferreiros/Oleiros são comumente chamados de mestres Artesãos. Até mesmo essas "artes passivas", precisam mover as faculdades mentais para serem apreciadas (saber como/o-que ver/ouvir). E muitas artes, são físicas mesmo, então o tato está ali, é algo ativo.
2. Pax Pamir foi "self-published", os jogos do Phil Eklund certamente não são comerciais per si (tanto que é que rolou toda a polêmica das notas de roda pé), mas ainda assim um "design industrial", poderia ser melhor do que o "verdadeiro Indie" (afinal, se eu lançar um jogo hoje, provavelmente seria uma bosta em varias categorias xD).
3. Esse é um bom ponto, mas minha discordância é que eu vejo da forma contrária: o termo Arte tem um fim (como o dicionário descreve), super valorizamos isso para dizer que só "algumas coisas são arte", na verdade existem várias, e a maioria é mediocre (por definição matemática), e poucas se sobressaem. Seria como se eu chegasse agora, e quisesse dizer que "só algumas coisas são consideradas comida", por que tá muito vulgar o uso do termo,
"quem disse que arroz com ovo é comida", "como um prato sem considerar apresentação pode ser chamado de comida"?
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Bom papo.