GabrielAlmeida::
Já que eu falei um monte de abobrinha e também não respondi à pergunta do OP, aqui vai:
Entrei no hobby também com Munchkin, lá por 2012. O primeiro jogo que me explodiu a cabeça foi Terra Mystica, em seu lançamento mesmo, e passei anos sendo um eurogamer ávido até conhecer os 18XX, que fizeram com que meu gosto por BGs se voltasse para jogos com forte interação. Hoje não consigo jogar um jogo do Feld ou mesmo do Rosenberg.
E, só pra te cutucar, pra mim tema em BG é 100% dispensável a partir do momento em que as regras estão consolidadas na cabeça dos jogadores. Serve só mesmo para aprender o jogo.
Cadê o iuribuscacio hein?
Caro
GabrielAlmeida
Meu camarada, eu até comecei a escrever comentando o tópico, mas acabei apagando porque eu acho essa discussão profunda e demorada demais, e tenho dúvidas a respeito da minha capacidade de discorrer a respeito. No entanto, não posso simplesmente ignorar o chamado de tão ilustre pessoa.
Eu sou um profundo admirador (conhecedor nem tanto) das chamadas "belas artes", em especial a pintura até o século XIX e alguma coisa de arte moderna. Cubismo, Surrealismo e Fauvismo e acho legais, mas tirar foto de lata de sopa e dizer que é arte, que me perdoem os admiradores do Andy Warhol, mas eu acho o fim da picada. O mesmo se aplica à escultura. Uma coisa é você ver uma peça de mármore que foi trabalhada para adquirir uma forma, outra coisa muito diferente é o sujeito pegar um monte de barbante colorido entrelaçar e apresentar, ou colocar uma privada em cima de um pedestal e dizer que isso é arte.
Sei que esse é um pensamento antigo, e que muita gente vai dizer ultrapassado. Mas mesmo artistas mais modernos como Picasso e Dalí sabia desenhar e pintar para caramba. Por isso, a utilização de formas geométricas ou imagens digamos assim "sem pé nem cabeça" no bom sentido é claro (quem sou para criticar esses dois mestres) não era resultado do fato deles não saberem pintar, mas sim de adotar um estilo próprio. Portanto, mesmo os impressionistas sabiam pintar para caramba, e os borrões que se vê em quadros de Monet, Gaugin e VanGogh (este pós-impressionista), que conversam mais com o abstrato do que as obras de Renoir, Manet, Degas, por mais desfocados digamos assim, demonstram alguma coisa discernível. Quando se olha para o célevbre "Impressão, Nascer do Sol", a pessoa entende que aquela obra retrata barcos navegando durante a alvorada. Se a pintura não tivesse nome algum, ainda assim essa seria a ideia que ele quer passar. Talvez houvesse dúvida se o momento fosse a alvorada ou o crepúsculo, mas o conceito por trás da obra é claríssimo. Desse modo, mesmo esse tipo de arte sendo obviamente subjetiva, ainda há alguma objetividade por trás.
Em meados do século XX, houve uma mudança na ideia de arte, que abandonou a pouca objetividade que ela ainda possuía e passou a ser exclusivamente subjetiva. Não importa mais a ideia que o artista gostaria de transmitir, mas apenas as sensações e sentimentos que a obra despertava nas pessoas. Com isso, tudo passou a ser arte. Ficaram famosos alguns experimentos em que se colocava macacos ou cachorros para pintar, e depois tais quadros eram expostos e as pessoas extraíam interpretações dessas obras como se o autor fosse um ser humano supersensível, quando na verdade o "artista" era um animal. O grande problema dessa abrangência às raias do absurdo em que tudo é arte, é que se quase tudo é arte, em termos práticos, nada acaba sendo arte. É aquela velha história, se todo mundo é especial, então na verdade ninguém é.
O mesmo se aplica à música. Até o início dos anos 90, não tinha jeito, ou o sujeito sabia cantar ou tocar um instrumento e aí gravava, ou não sabia e aí não gravava. Com o desenvolvimento da tecnologia, a importância do talento foi sendo cada vez minimizada, e hoje a atitude e o engajamento nas redes sociais conta muito mais do que saber cantar ou tocar. Antigamente, o artista entrava no estúdio e tinha que virar a noite cantando ou tocando a mesma música até ficar o mais perfeito possível. Hoje o sujeito entra no estúdio passa a música uma vez e o Autotune, e assemelhados fazem todo o resto. Antigamente bandas eletrônicas como o Kraftwerk fazia música com sons sintetizados diferentes, que não eram oriundo de instrumentos. Hoje o computador substitui uma orquestra inteira. Nós chegamos ao cúmulo de tratarmos DJs, que não são músicos, pelo menos conforme a definição comum da palavra, como se fossem grandes artistas, quando o que eles fazem é tocar músicas de outras pessoas, ou quando muito produzem músicas sem saber tocar nenhum instrumento. Não tenho nada contra o Alok, e sei que ele produz algumas músicas, mas não vejo sentido em tratar ele como um artista, se ele não toca, nem canta absolutamente nada.
Dito isso, nesse preâmbulo enorme, antes de dizer se board game é uma forma de arte ou não, primeiro seria necessário definir o que é arte, e só depois disso avaliar se o conceito se aplica aos jogos de tabuleiro ou não. Isso fica inviável, porque existem livros e mais livros, que se debruçam apenas sobre essa questão: o que é arte?
Todavia, para não deixar o comentário sem uma resposta, eu acho que essa questão board games são uma forma de arte ou não, isso vai depender muito de como a pessoa encara o jogo. Se a pessoa vê o jogo apenas como um suporte físico para um conjunto de regras, mecanismos, objetivos e condições de vitória, então fica realmente difícil enxergar um board game como forma de arte. Mas se a visão da pessoa engloba outros elementos como o projeto gráfico, o tabuleiro, as imagens das cartas as miniaturas aí eu acho difícil não enxergar arte no board game. Jogar Stone Age com aquele tabuleiro fenomenal, jogar Azul ou Sagrada com aqueles mosaicos belíssimos de azulejos e dados, jogar board games com miniaturas fenomenais como Blood Rage, Rising Sun, Lords of Hellas ou Lords of Ragnarok e não sentir que se está diante de arte, eu particularmente não vejo como isso seria possível.
O mesmo se aplica a jogos narrativos. A contação de histórias eu enxergo como uma forma de arte, e certamente um das mais antigas. O RPG, uma das maiores invenções em termos de jogos, se não for a maior, permitiu que as pessoas deixassem de apenas assistir passivamente e tivessem a possibilidade de participar ativamente e vivenciar de forma mais efetivas as histórias. Ler a respeito da Batalha do Forte da Trombeta é uma coisa, mas tomar parte nessa batalha, para mim é simplesmente um sonho realizado. Considerando isso, eu vejo jogos muito imersivos, como Tainted Grail, e incontáveis outros jogos narrativos, como genuínas formas de arte dentro da contação de histórias.
Portanto, pelo menos para mim, ressalvado o entendimento contrário, com todas as vênias, considerando a minha visão integral dos board games, eu acho que eles são sim uma forma de arte.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio