Jogador do mês: Rui Santana





Estamos começando o que poderá se tornar uma série de entrevistas, inspirado no "Geek of the month" que existe no BGG. Esse prêmio foca em uma pessoa de destaque no mês, não só no aspecto dos jogos, mas também pessoal. O André do Jogando Mais (e outros também) fez uma série com os famosos autores respondendo três perguntas curtas sobre os jogos de tabuleiro, e este aqui será o inverso: uma entrevista aprofundada com os não-famosos e suas vidas! : ) Uma das intenções da entrevista é justamente fazer com que o entrevistado relembre das suas melhores experiências e momentos ao escrever, e que isso possa acender em nós também uma experiência de identificação ou uma inspiração para termos uma vida melhor.
 
Vou começar com o meu amigo Rui Santana e depois vemos outros jogadores para continuar. 
 
A ideia da série é focar PRIMEIRO mais no aspecto pessoal de um jogador, justamente algo que NÃO seja relacionado com os jogos de tabuleiro (e por isso imaginamos que haverá temas de acordo com cada entrevistado - no caso da entrevista de hoje, com o Rui, é a espiritualidade e o serviço voluntário dele, junto com a prática e estudo da medicina), e, na SEGUNDA parte, pegamos aquela pessoa única que acabamos de conhecer um pouco mais e vamos ver quais são os seus jogos favoritos, melhores partidas, insights sobre o mundo dos jogos de tabuleiro, etc.
 
Se você tiver vontade de escrever, entre em contato, por favor! Se não, vou convidando meus amigos e colegas. Você pode aproveitar as perguntas abaixo e, se quiser inventar uma pergunta, fique à vontade. Talvez possamos seguir que o entrevistado de hoje fica de entrevistar outra pessoa para o mês seguinte? Vamos ver!


LISTA COM TODOS OS JOGADORES DO MÊS: 
https://ludopedia.com.br/lista/21815/jogador-do-mes-serie-falando-sobre-os-jogadores-como-pessoas-e-seus-jogos
 
Pessoal
 
 
Dentre as suas experiências/vivências, conte algumas das a mais diferente de todas - algo que você sente que nenhum outro leitor tenha passado na vida.
 
Sou autista e tenho TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade). Na época não sabia. E comecei a pesquisar sobre evidências científicas da espiritualidade. Levantei tantas informações, que fundei um departamento de pesquisa numa sociedade da minha área. Hoje membros deste departamento pesquisam com seriedade os impactos positivos da espiritualidade na saúde e na dor crônica. Também fui como voluntário, com minha esposa, para uma missão na África, em 2019. Uma epidemia de sarampo em Ambovombé, Madagascar. Haviam 400 pessoas infectadas e uma criança morria por dia. Uma amiga minha que estava sozinha lá cuidando de tudo, enviou através da Fraternidade Sem Fronteiras, uma ONG humanitária, um pedido de socorro desesperado. Ela era a única pessoa lá. Atuava ao mesmo tempo como médica, enfermeira e técnica, pois não havia outros. Lutamos em missão lá. Fomos achando que iríamos ajudar. E saímos mais ajudados. Lembro do dia que joguei uma garrafa vazia de água mineral no lixo. Uma criança pegou, e levou. Ela encheu de soro caseiro e deu na boca do irmão, que estava muito grave. No dia seguinte, o irmão estava bem e brincando no campo. Meu “lixo” salvou uma vida. Aprendi muito sobre gratidão. E na época ainda estava tentando ter um filho, mas não conseguíamos. Nos últimos dias de missão, uma menina colocou as mãos na barriga de minha esposa e falou: “bebê Rui”. E na viagem de retorno, na Etiópia, minha esposa engravidou. Foi algo que nos marcou muito. Ao voltarmos, passamos a cuidar de algumas “Áfricas” dentro de nossa própria cidade. Entre outras coisas que faço atualmente, cuido de moradores de rua.
 
Que livro, viagem, esporte, ou qualquer outra coisa você recomendaria hoje aos leitores?
 
Minha 1ª recomendação: sejam felizes. A vida passa rápido. Curtam seus filhos. Sejam bons maridos e esposas. Busquem um caminho de fortalecimento espiritual, pois a própria ciência mostra vantagens pra quem tem fé, do ponto de vista de enfrentamento de problemas e de mais chances de evitar doenças graves.
Diriam também para não aumentarem as prateleiras da vergonha (jogos que temos e não jogamos). Em mim, somente gerou tristeza e ansiedade. Errei comprando muito mais jogos que posso jogar. E tento remediar vendendo, doando, presentando, e dizendo que não errem como eu errei.
Sobre esporte, indico que faça um. Qualquer um. A ciência comprova que qualquer um que vc faça, protege seu corpo, evita doenças graves e promove uma melhor qualidade de vida e envelhecimento. A ciência comprova que 2 a 3x na semana já melhoram sua vida. Não fique sedentário. Pode ser qualquer um. Preferencialmente um perto de casa e que te motive (reduz as chances de vc faltar).
Livro: sou apaixonado por ler as histórias que Lucas, Marcos, Mateus (que aparentemente era autista como eu) e João escreveram sobre Jesus.
E sobre série, indico The Chosen. A série mais linda que já vi na vida. Mesmo amigos não religiosos se emocionam com a forma como compreendem a mensagem simples da série. Assita os 4 primeiros episódios e tire suas conclusões. 
 
 
Dentre as coisas mais significativas da sua vida, qual você sente que foi a mais transformadora ou importante, que mais construiu você, etc?
 
O sequestro que sofri em 2018. 07/6/2018. Peço perdão, mas tentarei resumir. Um mês antes desta data, eu, minha esposa e nosso melhor amigo estávamos juntos. Eles oravam e falavam de um tal de Espírito Santo. E eu disse: “não conheço este tal de Espírito Santo, e não faz sentido para mim”. Achei que apanharia moralmente deles. Mas eles pararam e falaram: “quer que paremos tudo e oremos pra que você tenha uma experiência com ele?”. Minha boca disse: “sim”, mas meu coração dizia:”não tenho nada a perder”. Assim seguimos até que naquela noite, um mês depois (07/6/2018), eu defendi meu mestrado. E ao invés de colocar a palavra Obrigado no último slide, coloquei: “em tudo dai graças”, pois achei uma bela expressão escrita por Paulo de Tarso na 1ª carta que enviou aos Tessalonessenses. Porém na época, eu não era alguém religioso. Até fugia disso. Me encantei com a frase. Ela exigia um compromisso de Integridade. E eu queria à época viver em integridade, e não somente em retidão. Retidão é o que pensam sobre você. Integridade é o que você é quando ninguém está vendo. E eu queria na época, ser capaz de agradecer por tudo, mesmo coisas difíceis de viver. No dia da minha defesa, havia uma atéia na banca. E ao final da defesa me perguntou por que coloquei aquela frase (“em tudo dai graças 1 Ts 5.18). Eu respondi algo que não recordo. Ao terminar, estavam todas as pessoas chorando. Aquilo me marcou. Minha esposa resolveu voltar pra minha cidade aquela noite. Estávamos eu, ela, e meus pais. Seriam 100 km de estrada, às 22:40h. Ela dirigia. Meus pais dormiam atrás. E eu chorava. Não de tristeza, mas de felicidade. E não deixava minha esposa perceber, pois se ela perguntasse por que eu chorava, não saberia explicar que estava muito feliz. Eu dizia ao que na época era minha suposição de Deus: “se vc existe, e esta é a tal da experiência com o Espírito Santo, pago o preço que for para sentir isso novamente.” Neste exato momento que parei de falar, um carro bateu no fundo do nosso. E eu tive a “brilhante” idéia de parar numa BR às 23:20h para ver o que houve. Três homens saíram do carro de trás e anunciaram um assalto. Ficaram conosco 3 horas. Ameaçaram de morte várias vezes. Mas após 3 horas, do nada, nos enfileiraram num matagal. E um deles tirou o capuz, pediu perdão e nos abraçou. Disseram que viram Deus em nossa família e que ia deixar a gente ir vivo. Disseram ainda que podíamos pegar o que quiséssemos de dentro do carro. Que só queriam alianças e celulares. E que acharíamos o carro no dia seguinte. Disseram ainda pra irmos direto à polícia denunciá-los, pois se eles fizessem qualquer maldade com o carro, seríamos cúmplices. E nos ensinaram o caminho de saída do mato que estávamos. 
Naquela noite meu cérebro bugou (como diz minha prima jovem). Pois meu sogro morreu 10 anos antes sequestrado e assassinado. Olhei pro céu e perguntei a Deus: “meu sogro morreu 10 anos antes. Sequestrado e assassinado. Não sou melhor que ele. Se voce existe, quero saber por que estou vivo e qual o sentido da minha vida”. Algumas coisas aconteceram. Passei a agradecer pelo sequestro e perdoei os sequestradores. E muito mais coisas aconteceram. E depois me tornei missionário. Este foi um dos dias mais impactantes em minha vida. Perdão se escrevi um texto longo, mas fiz o possível para contar somente o essencial. 

 
Quais são suas outras atividades? Por exemplo: tem algum esporte que praticou com mais afinco, algum recorde pessoal que possa compartilhar? Você é escritor, artista, etc?
 
Pratico jiu jitsu e musculação. Nunca me imaginei lutando jiu jitsu. Mas me apaixonei pela inteligência por trás da arte. Para mim que sou autista, foi algo muito estimulante.
Já fiz outros 3 anos de capoeira e um período de Muai thai. Mas o jiu jitsu é mais estimulante.
Musicalmente toco cajon, mas nunca tomei aulas. Considero um presente de Deus. Queria louvar a Deus com música, mas tentei vários instrumentos sem sucesso (violão, flauta, etc). Um dia, me pediram para sentar em um cajon e tocar. Parecia que já nasci sabendo. Quando toco, me desconecto do mundo. E entro em flow, seja orando ou tocando músicas diversas com amigos. Consigo tocar até metal no cajon, rs.
Como recorde, nada nos esportes. Sempre me destaquei por méritos acadêmicos. Hoje sou professor de instituições que amo, mas atribuo tudo isso ao que chamo de “graça de Deus”.
 
 
Conte algo sobre o seu nome
 
Apenas um nome comum, rs. Mas gosto do Santana, pois me lembra a mãe de Maria, Ana, que certamente foi uma mulher especial. A ciência comprova que metade do que somos vem de nossos pais. Então metade do que Maria (mãe de Jesus) foi, veio de Ana. Logo Ana deve ter sido uma mulher muito especial.
 
Você tem algum blog/etc pessoal/profissional seu que gostaria de compartilhar aqui?
 
Tenho um instagram, mas uso muito pouco. Sou autista, e fujo de redes sociais o máximo possível. Me causa ansiedade, rs.
 
 
Como você enxerga a sua própria espiritualidade e o mundo?
 
Acredito que Deus ama a todos. Independente do nome que damos a ele. Independente se somos bons ou ruins. E que ele tem uma predileção por cuidar de quem não está num caminho tão bom. Que ele nunca desiste de nós, mesmo quando desistimos dele, ou mesmo quando não acreditamos. E acima de tudo, acredito na força das últimas palavras de Jesus. Sabe aquela história dos filmes, que um cara coloca a arma na cabeça de outro e diz: “diga suas últimas palavras”? Últimas palavras marcam. E Jesus, quer alguém acredite nele apenas como homem que viveu um tempo aqui, ou como divindade, disse algo lindo nas “últimas palavras”. Ele disse: “amem uns aos outros como eu amei vocês”, aos seguidores dele. Meditei durante muito tempo, e finalmente acho que entendi. Eu pensava: “como amar num nível como o de um cara como Jesus?”, e não achava resposta. Até que um dia entendi.
É como se ele tivesse dito: “amem uns aos outros apesar dos defeitos de vocês”. Exemplo: ele poderia ter dito: Pedro, vc é orgulhoso, vaidoso e briguento. Ainda assim que te amei. Judas, você é ladrão, ainda assim eu te amei e deixei a bolsa de dinheiro do grupo com vc. Tomé, vc é cético, ainda assim eu te amei. Thiago e João, vcs são brigões (filhos do trovão), ansiosos e vaidosos, ainda assim eu os amei. É como se ele tivesse dito: “Poderia ter escolhido outros caras melhores, mas escolhi vocês. E os amei APESAR de tudo que era defeito em vocês.” Ali entendi o segredo de viver bem: “Amar as pessoas APESAR dos defeitos”. Faz sentido pra mim que talvez por isso Harvard tenha publicado no estudo prospectivo mais longo da história da humanidade, que o fator que mais impacta Felicidade chama-se: Relacionamento. A Psychology and Health, uma das revistas mais respeitadas de Psicologia em todo o mundo, diz que é impossível viver neste mundo sem magoar e sem magoado. Logo, se é impossível que magoemos e sejamos magoados nas relações; se o fator que mais impacta felicidade no mundo são os Relacionamentos; se precisamos amar os outros APESAR dos defeitos, concluí, através dos estudos sobre mágoa, que a chave de tudo está no perdão e na gratidão. Mas não dá pra explicar cientificamente agora, pois seria uma grande conversa a parte.
Desde o sequestro, acordo todos os dias e repito um ritual interno: agradeço que estou vivo, e pergunto a Deus como posso ser alguém menos inútil no dia de hoje. E me identifico com toda e qualquer pessoa que queira aprender junto um pouco mais sobre amar pessoas, independente da religião. Tenho Jesus como mestre, pois ele foi tão lindo, deixou tantas influências positivas, que até amigos ateus e agnósticos reconhecem que ele foi alguém que inspira. E faço parte de uma comunidade missionária chamada: Aprendendo a Ser Cristão, que acolhe todas as pessoas que queiram amar outras pessoas juntas, independente de religião, sexualidade, e outros fatores. Um grupo que apenas ama e acolhe, e aprende no amor de Jesus. Em 5 anos de existência, nunca houve uma briga por religião. Todos se respeitam. E focam no amor. Um amigo ex-ateu que frequentou disse uma vez: “este é o primeiro lugar que digo que sou ateu e não sou tratado com preconceito”, e “eu fazia um monte de perguntas ácidas pra vcs e vcs só me devolviam com amor, isso me constrangia”.
Leonardo da Vinci dizia que a simplicidade é o último estágio da sofisticação, e faz sentido pra mim, pois o amor é o que há de mais simples, e mais que bem materiais, nos ajuda a ser mais felizes, mesmo enfrentando dores e batalhas.
 
 
Tem algo que você gostaria de contar sobre você que não está nas perguntas?
 
Não. Mas queria estimular você que está lendo até aqui, a que se permita em algum momento (de preferência o quanto antes), participar de uma atividade voluntária que ajude pessoas. Mesmo que seja apenas uma vez no mês. Harvard e outros grupos provam que poucas coisas produzem tantos hormônios de felicidade como doar parte de seu tempo pra ajudar quem precisa. Somos mais felizes doando que recebendo. Duvida? Se permita participar por duas ou três vezes de algo assim e tire suas próprias conclusões. 
 
 
Jogos de tabuleiro