Agricola é um marco na história dos board games. Lançado em 2007, este jogo tornou-se talvez um dos melhores exemplares da mecânica de alocação de trabalhadores, uma das mais populares do mundo, e consolidou uma legião de fãs apaixonados em todo o mundo. Foram lançadas expansões deste jogo e reimplementações de suas regras sob a forma de novos jogos (ex.: Agricola All Creatures Big and Small). Seu autor, Uwe Rosenberg, se notabilizou como um dos principais designers da indústria de board games, tendo lançado outros sucesso aclamados pelo público e pela crítica.

Gameplay
Em Agricola, o jogador tem o objetivo de estabelecer a melhor fazenda, que se caracterizará pelo maior número de trabalhadores, campos cultivados, produtos e animais, e, com isso a máxima pontuação possível. No início do jogo, o jogador possui dois trabalhadores e vários campos de ação no tabuleiro, onde eles poderão alocar estes trabalhadores de modo a consolidar suas fazendas através do cultivo de campos, construção de melhorias menores e maiores, ampliação e melhoria da casa, aquisição de novos trabalhadores, colheita e criação de animais, entre outras muitas possibilidades. Ao final dos rounds 4, 7, 9, 11, 13 e 14, sempre ocorrerá a fase de colheita, na o jogador colherá os produtos oriundos de suas plantações, alimentará seus trabalhadores e observará a reprodução de seus animais. Este é um momento particularmente tenso durante o jogo, pois a falha em conseguir alimentar seus trabalhadores fará com que o jogador pegue uma carta de mendigar, que terá grande impacto sobre a pontuação final.

Cada partida de Agricola dificilmente será parecida com outra, pois as ações disponíveis em todos os rounds, embora não variem muito, são definidas aleatoriamente pelo sorteio de cartas e aparecerão em sequências variáveis. O jogador tem acesso a cartas de ocupação e melhorias menores, que permitem a aquisição de habilidades e recursos especiais, que também são adquiridas de forma aleatória ou por meio de drafting de cartas entre os jogadores no modo multiplayer. Isto, todavia, não faz com que a sorte tenha um peso muito determinante no jogo. A aleatoriedade aqui tem apenas o papel de gerar diversidade e, a depender das cartas sorteadas, modular a dificuldade. Há bastante debate sobre as diferenças que cada uma destas cartas tem sobre o fluxo do jogo, algumas muito desequilibradas em relação a outras, mas isso é papo para outra ocasião.

Em sua versão solo, incluída no próprio manual do jogo, Agricola é um grande quebra-cabeças de otimização de recursos. Você não joga contra um dummy player, mas visa suplantar o seu melhor escore. Há um sistema de campanha que permite que você mantenha uma das cartas de ocupação previamente usadas, mantendo-a na mesa para os jogos subsequentes da série. Em cada um deles seu objetivo será aumentar ainda mais sua pontuação. No primeiro jogo da série o objetivo é atingir 50 pontos, aumentando para 55, 59, 62 e por aí em diante até o máximo de 67 pontos. Além disso, quão melhor for seu resultado na partida anterior, mais tranquila será sua vida na próxima, pois os pontos excedentes do jogo anterior ao objetivo inicial serão convertidos em comida para o próximo.

Componentes
Eu tenho a primeira versão da Z-Man games, com os cubinhos de recursos e sem os animeeples. As versões posteriores tem os animeeples, que, embora não tenham nenhuma função prática, são bem bacanas e dão um visual legal para a mesa. As cartas e tabuleiros tem uma arte muito evocativa do tema e são bem legais também, em geral com boa qualidade e gramatura. Nesse ponto não há nada para nos queixarmos.
Por haver grande quantidade de componentes, este jogo demanda organização. Utilize caixas organizadoras ou, se possível, confeccione seu próprio insert em papel pluma ou compre um em MDF. Isto modifica demais a experiência, pois facilita o setup e torna o jogo mais prazeroso. A gente consegue se concentrar no que de fato interessa que é jogar. No BGG há bons modelos e, em lojas especializadas, inclusive no Brasil, é possível comprar bons inserts.

Discussão
1) Decisões interessantes: Agricola não é um jogo para os de coração fraco. Não há um único caminho para a vitória, não há uma única estratégia vencedora. A variabilidade que as cartas de ação surgem e o sorteio das de melhoria menor e ocupação podem resultar na necessidade de repensar muito sua estratégia. A cada turno precisa-se tomar uma decisão que poderá ter impacto sobre o resultado final, de modo que ela precisa ser muito bem planejada. No modo multiplayer, quando você escolhe um campo de ação, você bloqueia outro jogador, o que não acontece no solo. Desse modo, uma parte da pressão é aliviada, mas não pense que isso será tranquilo. Alguns pontos precisam sempre ser contemplados, no entanto: comida, aquisição de novos trabalhadores e a implementação de um sistema de jogo que lhe permita aliviar a pressão e produzir recursos e animais em quantidade suficiente para suprir a necessidade de sua fazenda. Em Agricola, podemos nos tornar vítimas de nosso próprio sucesso se o planejamento não for bem feito, pois na medida em que crescemos acabamos não conseguindo realizar todas as ações necessárias e não conseguimos alimentar os nossos trabalhadores. Em suma, em Agricola, a cada turno você toma uma decisão muito interessante e com impacto sobre o desenrolar da partida.

2) Rejogabilidade: Acho a rejogabilidade muito boa, pois, como eu disse acima, a variabilidade imposta pela seleção dos campos de ação em cada turno, pelas cartas de ocupação e melhorias menores faz com que cada partida seja diferente da outra. Logicamente que a estrutura do jogo não variará muito e que alguns objetivos, como o de alimentar seus trabalhadores, sempre deverão ser cumpridos.

3) Dificuldade: Um dos pontos que acho fantástico em Agricola é o fato de que suas regras, em si, são aprendidas sem dificuldade por qualquer um. Não se trata de um jogo com regras intrincadas ou com um sistema de difícil compreensão. A questão fundamental aqui é estratégica, afinal, embora aprenda-se com facilidade, atingir a maestria é uma outra coisa. Você pode jogar este jogo por anos e ainda aprender coisas novas, tenha certeza. Agricola é um puzzle em si mesmo.

4) Tema e senso de aventura: Tema muito bem integrado, isto não há dúvida e é uma coisa rara para um eurogame tão tradicional. A arte evocativa e, nas versões mais recentes, os animeeples, melhoram muito a experiência. Senso de aventura não tanto, afinal, a agricultura no século XVII não era lá das mais emocionantes. O legal está nas decisões difíceis que o jogo impõe e elas são muitas.

Veredito final
Eu tenho uma relação conflituosa com Agricola e minha opinião já mudou várias vezes ao longo do tempo em que joguei este jogo. De maneira geral, tenho uma avaliação negativa de seu modo solo. Antes que algum leitor arme-se de paus e pedras e me trate como o Judas do mundo dos board games, deixe-me explicar o que quero dizer com isso.

Em primeiro lugar, não vejo Agricola como algo diferente de um quebra-cabeças de otimização de obtenção e gerenciamento de recursos em seu modo solo. Não há a sensação de um oponente real ou uma inteligência artificial contra a qual lutamos. Isto me incomoda um pouco, pois eu prefiro jogos solo nos quais temos ao menos a sensação da oposição. Em segundo lugar, eu não curto muito esse sistema de você vencer seu próprio resultado ou atingir uma pontuação definida pelo próprio jogo. Gosto de jogos nos quais você tem objetivos bem claros e que o resultado final é uma coisa mais binária: vencer ou perder. Em terceiro e último lugar, o real motivo pelo qual eu faço aqui um review ruim do modo solo desse jogo. Eu creio que ele figure entre um dos 10 melhores jogos de mesa já inventados e ele seja talvez a melhor prova de que Uwe Rosenberg é um dos grandes designers de nosso tempo. Vejo seu brilho no modo multiplayer, as incríveis e difíceis decisões que somos obrigados a tomar turno a turno, quer seja para otimizarmos nosso próprio sistema de gerenciamento e produção de recursos, quer seja para impedirmos nossos oponentes de conseguirem isso, e, infelizmente, não tenho esta mesma sensação no modo solo.

Em suma, Agricola é um jogo brilhante, mas com um modo solo, no máximo, razoável. Para um jogo deste porte, a gente esperaria um jogo solo arrasador, incrível, mas não é isso que temos. Fosse para outro jogo, talvez até eu dissesse que ele é um bom jogo solo, mas em se tratando deste aqui, eu esperava muito mais. A avaliação negativa se deve à frustração das expectativas iniciais em relação a ele. Por outro lado, vamos e venhamos, quem sou eu para fazer um review negativo de um jogo do Uwe? Esta é uma opinião inteiramente pessoal e altamente criticável. Não tenho a pretensão de aqui escrever uma tabula rasa.

Para quê seu modo solo é bom? Para você experimentar o jogo, testar diferentes estratégias e para adquirir um conhecimento geral de como ele funciona. Fazendo isso você ganha muita vantagem se quiser jogar o Agricola competitivamente com outros jogadores, pois é muito mais difícil atingir a pontuação alvo e melhorá-la do que vencer um outro oponente, sobretudo um jogador casual. O caminho para a máxima proficiência em Agricola passa, obrigatoriamente, pelo jogo solo, mas você só o verá atingir sua plenitude quando tiver oponentes reais.

Se curtiu este texto, vá lá no alto da página e inscreva-se na 1 Player Guild Brasil para acompanhar as próximas postagens em primeira mão. E lembre-se: TOGETHER WE GAME ALONE!