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Imagem: Ark Nova
Uma pré-venda de board games é igual ao futebol, uma verdadeira caixinha de surpresas. O exemplo mais recente foi da Grok com o Ark Nova (e isso é para vocês verem que eu não desço o sarrafo apenas na Mosaico).
A editora anunciou a pré-venda do jogo, e próximo da data de entrega, resolveu adiar, aparentemente de forma indefinida, devidos a alguns “problemas misteriosos”. Sinceramente não participei dessa pré-venda (Deus me livre e guarde), e fiquei sabendo do problema através do tópico indignado do Klebermontarroyos (https://ludopedia.com.br/topico/66321/pre-venda-ou-fraude-consumerista?id_topico=66321&pagina=1). Segundo o tópico, a editora anunciou a pré-venda do jogo com a promessa de que chegaria antes do Natal, e confirmou isso durante todo o mês de dezembro. Quando chegou perto da data, a empresa anunciou que houve um imprevisto e a nova data seria 15 de fevereiro, ou seja, quase dois meses depois.
Outro que teve problemas com atrasos de entrega foi o camarada Paulo_Segundo, que, salvo engano, está de mudança para Portugal nesse início de ano, comprou um jogo meses atrás, nesse esquema pré-venda/financiamento coletivo, mas com a demora na entrega, provavelmente vai se mudar antes de receber o jogo. Com isso, ele terá de esperar um mensageiro, para poder jogar um jogo pelo qual pagou meses atrás. Pelo menos foi isso que ele relatou em um post algures.
Certamente esses não foram os primeiros, e infelizmente nem serão os últimos, dos problemas com pré-venda de board games. Basta uma rápida pesquisa nos tópicos a esse respeito, para ver quantas pessoas tiveram problemas com a compra antecipada de jogos e se arrependeram. Mas, independentemente disso, esses exemplos servem muito bem para ilustrar essa discussão sobre pré-venda de jogos.
O mercado de board games é realmente muito difícil para as empresas do setor (e parte da culpa disso é das próprias editoras, especialmente no quesito respeito e comunicação com o seu público consumidor). Com isso, algumas editoras mais modestas adotaram o formato de financiamento coletivo. Dessa maneira, elas conseguem se capitalizar e produzir o jogo, sem ter de “apostar até as calças”, em uma iniciativa que pode dar muito certo, ou muito errado.
Imagem: Tsukiji, o jogo em que o navio do frete naufragou na China, mesmo depois de já ter chegado ao Brasil.
O problema é que, ao longo dos anos, muitos financiamentos coletivos deram errado, por um motivo ou por outro. Basta lembrar a verdadeira “novela mexicana” que foi o caso da Ex-RedBox, atual Buró, com o financiamento coletivo do Tsukiji e do Ancient Terrible Things. Argentinos e alemães puderam comprar o jogo antes dos brasileiros, que bancaram o projeto, terem recebido as suas cópias. Em outros casos, as pessoas até receberam no final, mas a espera demorou anos, literalmente, como foi o caso do High Frontier 4 All, da Mosaico. E durante todo esse tempo, as pessoas ficam, praticamente sem notícia nenhuma de a quantas anda o projeto.
Não é à toa que muito se diz por aí que financiamento de board game, é igual consórcio, você paga, esquece, e um belo dia é contemplado. Dizem que chifre também é assim, mas essa é uma outra história.
Imagem: Ancient Terrible Things, o board game em que terrível mesmo foi o tempo que demorou para chegar
Claro que não é todo o financiamento coletivo que atrasa, e muitos deles dão certo. O Chaparral, por exemplo, foi um financiamento do qual eu participei e tive zero problema, e existem muitos outros exemplos como esse. Isso sem falar que o financiamento coletivo é uma oportunidade de comprar o jogo mais barato (muito embora isso não ocorra sempre), e também é uma forma de apoiar um projeto, e fazer com que aquele seu jogo querido seja lançado.
Imagem: Chaparral, um exemplo de financiamento bem feito
Porém, o fato é que com todos esses problemas de atraso, os financiamentos coletivos passaram a ser vistos com alguma desconfiança pela comunidade boardgamer. Assim sendo, muitas editoras resolveram adotar uma estratégia diferente, e entra em cena a chamada “pré-venda”. Uma pré-venda é uma ideia, a princípio, muito atraente para o consumidor. Primeiro porque a pessoa garante que conseguirá comprar a sua cópia, e segundo, porque diferentemente do financiamento coletivo, na pré-venda o jogo já está praticamente chegando na loja, então não será preciso esperar muito. E é justamente aí que mora o perigo.
No caso dessa primeira vantagem, a pré-venda não serve muito, porque diferentemente daquilo que ocorre com editoras que atuam apenas como atravessadoras, e trazem pouquíssimas cópias de jogos importados, dificilmente um jogo lançado nacionalmente se esgota no mesmo dia, ou até mesmo na mesma semana ou no mesmo mês. Até onde eu me lembro, isso só aconteceu com um único jogo, que foi o Gloomhaven. O jogo esgotou em algumas horas no mesmo dia do lançamento, e algumas lojas conseguiram vender todas as cópias que receberam, já na pré-venda. Inclusive, essa compulsão de comprar o jogo já na pré-venda, pelo medo de que o jogo se esgota tem o singelo nome de “Efeito Gloomhaven”.
Imagem: Gloomhaven, o jogo das “vendas relâmpago”
Na época, muitas pessoas até compraram várias cópias do jogo, que depois foram revendias, no Mercado de Usados, a “peso de ouro” (e olhe que o jogo era pesado), com lucros de quase 100%. Mas quem tentou o mesmo truque com o Descent: Lendas da Escuridão, quebrou a cara, e perdeu dinheiro, porque o jogo flopou, e hoje está encalhado e sendo vendido quase a preço de custo, nas lojas. Desse modo, pode até ser que algum jogo posterior tenha se esgotado em algum tempo. Mas isso não aconteceu em questão de horas ou dias, como ocorreu com o Gloomhaven. Assim, nesse aspecto de garantir a compra, a pré-venda não se justifica, porque a maioria esmagadora dos jogos chega às lojas, e a pessoa terá toda a oportunidade de comprar, sem adiantar o dinheiro e nem ficar na expectativa da pré-venda, se o prazo de entrega será respeitado ou não.
No outro aspecto, que nem pode ser considerado uma “vantagem”, a ideia por trás da pré-venda, é de que a entrega do jogo será muito rápida, então a pessoa não terá de esperar muito. Infelizmente, nem sempre isso acontece, porque algumas pré-vendas atrasam bastante. E o que é pior, com a chegada dos jogos nas lojas, pode ocorrer das pessoas que compraram na pré-venda, acabarem pagando mais caro, do que quem comprou direto da prateleira, com as eventuais promoções. Isso é mais comum quando a chegada do jogo acontece próximo da Black Friday. E mesmo que não seja esse o caso, é o fim da picada, a pessoa pagar um preço por um jogo, que a princípio chegaria às lojas dali a um mês, o jogo demorar seis meses, e no fim, outra pessoa pagar exatamente a mesma coisa, sem ter ficado com um dinheiro (que não é pouco) empatado seis meses, esperando o jogo chegar.
Imagem: Descent: Lendas da Escuridão, quem comprou para revender se arrebentou
Mas esses não são nem os piores problemas. Quando se compra o jogo na pré-venda, ninguém sabe em que condições o jogo vai chegar. Pode ser que ele venha sem nenhum erro, mas também pode ocorrer dele chegar recheado de erros alguns inclusive grosseiros, como aconteceu com o Everdell. Na mesma toada, o Eclipse da MeepleBR, um dos jogos mais aguardados dos últimos tempos, chegou com parte do tiles com erro de impressão, e para variar a proposta da editora para solucionar o problema foram os famigerados adesivos. Isso para um jogo que custou R$ 1.200,00. Na mesma batida, o Mage Knight da Galápagos veio “completinho de fábrica”, aliás, tão completo que até mofo veio no jogo. Tudo bem que a Galápagos nunca foi uma empresa que primou pelo respeito aos consumidores, mas mandar mofo de brinde é muita covardia. Isso não se faz nem com um “argentino embriagado”, mesmo que ele tenha comprado o Tsukiji antes dos brasileiros.
Imagem: Mage Knight, mofo “direto da fábrica”
Evidentemente, uma pessoa tem todo o direito de achar que é satisfatório, usar adesivos para consertar as falhas do Eclipse, um jogo que custou um salário mínimo. Do mesmo modo, também se pode tranquilamente achar até mesmo que não era necessário consertar nada, com aquela velha história de “não atrapalha a jogabilidade”. Cada pessoa tem níveis de exigência diferentes. Pessoalmente, eu acho um isso um total absurdo, mas é aquilo, cada um tem o direito de fazer o que quiser com seu dinheiro, inclusive comprar jogos caríssimos com defeitos (Eclipse), ou com componentes mofados (Mage Knight).
Por esse motivo, participar da pré-venda de um board game no Brasil, é praticamente uma roleta russa. Nunca se sabe se a câmara do tambor do revolver estará vazia, ou se haverá uma bala dentro, com o seu nome gravado. Não dá para saber se o prazo será cumprido e se o jogo chegará em condições mínimas de uso, ou se será mais um jogo problemático, que fará a pessoa se arrepender amargamente de ter embarcado na pré-venda.
Imagem: Eclipse: O Segundo Despertar da Galáxia, jogo de R$ 1.200,00 consertado com adesivos, sem comentários
Infelizmente, as editoras nacionais de board games, principalmente as maiores, parecem estar cada vez mais com sérios problemas para lançar alguns jogos. Por outro lado é possível que elas não tenham problema algum e simplesmente lancem jogos com problemas não de forma proposital, mas simplesmente porque não querem gastar dinheiro com revisão, que é o mais provável. Independentemente disso, o fato é que o baixíssimo padrão de qualidade das editoras nacionais de board games afeta muito negativamente a credibilidade das empresas. E qualquer um que atue em gestão de empresas, e em ambientes corporativos, sabe que credibilidade é tudo, ou pelo menos deveria saber, e mais importante, realmente se importar com isso. Basta imaginar uma pessoa, como foi o caso do klebermontarroyos, que comprou um jogo em pré-venda, para dar de presente no Natal, confiando na garantia da editora de que o jogo chegaria a tempo. Se, em cima da hora, ela descobrir que o jogo só chegará em fevereiro, dificilmente essa pessoa vai querer comprar algum outro jogo da empresa, seja em pré-venda ou no modo que for.
Por isso, o melhor a fazer, caso a pessoa não queira correr o risco de ter uma séria dor de cabeça, é não comprar em pré-venda, em hipótese alguma. É muito mais seguro segurar a ansiedade, esperar o jogo chegar, deixar que outros ansiosos comprem primeiro, para ver se o jogo veio mofado ou com erros grosseiros, e só depois comprar na loja. Em alguns casos, não em todos, mas em um número significativo, basta esperar alguns meses, que o preço do jogo cai bastante. Claro que pode ocorrer do jogo esgotar (e custar mais caro no mercado de usados), ou o preço continuar na mesma, e a espera não ter servido de nada, mas esse é um risco que, definitivamente, vale a pena correr.
Finalizando, o esquema de pré-venda era para ser uma coisa boa, mas do jeito que isso funciona no caso dos board games, a pré-venda só e boa para as editoras e ninguém mais. Desse modo, é melhor evitar qualquer pré-venda, mesmo correndo o pequeno risco do jogo se esgotar, para mandar um recado inequívoco, às editoras nacionais de board games, de que existe um limite para o tanto que elas podem judiar de seus apoiadores.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
P.S. Só "pra não dizer que eu não falei das flores", a pré-venda do Spirit Island, que inicialmente era da Ace Studio, mas que depois foi absorvida pela Grok, daqui a pouco vai fazer aniversário e nada do jogo...
Cara... é exatamente isso. Fui vítima da expectativa e crença de que, por ser pré-venda, a entrega não iria demorar. Jurava que o jogo estava próximo e as condutas das editoras foram todas direcionadas para nos levar a crer nisso... e eis a revolta maior. Sabiam que o jogo não chegaria em dezembro e, ainda assim, ficam mantendo o prazo só de fachada. Que ódio estou. É decepcionante e lamentável.