Fazer retrospectivas anuais de jogos é sempre uma fonte inesgotável de controvérsias. Nem tanto pelos jogos que você escolhe ou deixa de escolher (embora tenha gente que não consiga entender que é a SUA escolha, não a dela), mas porque o nosso hobby funciona como uma espécie de multiverso, onde a noção do tempo é relativista, dependendo de onde você vive, jogos diferentes chegam a você em um determinado momento.
Falando assim, parece muito complexo, mas não é o caso. A questão é que a grande maioria dos jogos ainda não tem um um “lançamento mundial” sendo oferecido aos 4 cantos do mundo ao mesmo tempo. A maioria dos jogos sai lá fora e, algum tempo depois (às vezes, muito tempo depois) acabam sendo lançados por aqui.
Então, ao falar dos "melhores jogos de 2022”, a sua opinião vai depender muito do acervo ao qual você tem acesso: você importa jogos ou tem amigos que importam? Ou você apenas joga jogos lançados no mercado nacional? E principalmente, que jogos você jogou, pois é praticamente impossível jogar tudo que é lançado em qualquer mercado.
No meu caso, eu tenho muito acesso a jogos importados, porque tenho muitos amigos aqui no Rio que importam jogos (além dos que eu mesmo compro quando viajo ou que importo mesmo).
Para montar a lista de 2022 eu levei em consideração jogos que eu joguei e que tenham aparecido em pelo menos uma dessas duas listas:
- Jogos lançados no Brasil em 2022 segundo a Ludopedia;
- Jogos que apareceram na edição “Best of 2022” da revista inglesa Tabletop Gaming (já que eu assino isto, tenho que dar algum uso a ela).
Top 10 2022
- 1- Scout – Esse incrível jogo de cartas é, para mim, o melhor de 2022. Ele usa a ideia de climbing do Tichu aliada a uma mecânica esquisita (você não pode organizar as cartas na mão, mas pode escolher se as utiliza de pé ou de “cabeça para baixo” – as cartas oferecem valores diferentes em cada ponta) mas que funciona de maneira brilhante. O jogo pode ser explicado em 5 minutos e oferece uma mistura de sorte e habilidade que encanta tanto a novatos quanto a jogadores cascudos. Infelizmente não deve vir para o Brasil devido às restrições colocadas pela editora e por isso ele é relativamente caro, mas ele com certeza honrará seu dinheiro em muitas idas a mesa.
Scout da Oink Games
- 2- Brian Boru – Este jogo é uma revisão das mesmas ideias que o autor colocou no King of Siam adaptadas para uma mecânica de vazas. O jogo é basicamente um controle de área onde os jogadores disputam os feudos da Irlanda através da disputa de territórios, diplomacia (na forma da negociação de casamentos dinásticos), submissão a Igreja e combate aos Vikings. Tudo isso é resolvido através das cartas jogadas. Quem vence a vaza ganha a batalha, e quem perde usa as ações auxiliares das cartas jogadas). Escolher quando ganhar e quando perder de acordo com o que os adversários estão buscando é primordial nesse jogo. Eu gosto muito de jogos de vaza e acho muito interessante a ideia de usá-las como mecanismo auxiliar num jogo maior. O jogo é relativamente rápido (1 hora e pouquinho) e sempre bem equilibrado.
Brian Boru anunciado pela Meeple BR
- 3- Carnegie – O melhor jogo meio-pesado entre os que joguei esse ano. Você basicamente precisa mimetizar a vida de Andrew Carnegie, gerenciando sua empresa na época de ouro do capitalismo americano, entre o final do século XIX e meados do século XX, determinando o foco das ações, expandindo suas operações e sua rede de comunicação no território americano, investindo em pesquisa e desenvolvimento e, por fim, usando seus ganhos em ações de filantropia. A visão positiva que o jogo dá ao seu homenageado talvez não seja muito bem-vista por alguns historiadores (tem um disclaimer no manual sobre isso), mas o jogo em si é muito bom, tendo suas mecânicas muito bem amarradas e aquela tensão de tentar evitar que os adversários se aproveitem demais de suas escolhas, fazendo as vezes escolhas menos óbvias. Se tem algum defeito, é que fica um pouco folgado demais em 2 jogadores. Em 4 pessoas, é excelente.

Carnegie lançado no Brasil pela Mosaico
- 4- Witchstone – Reiner Knizia encontra a escola italiana nesse bom jogo de salada de pontos e combos gigantescos. O jogo possui apenas 12 turnos, em cada um deles você coloca uma peça no caldeirão e, de acordo com as combinações que sejam realizadas nesse momento, ações cada vez mais poderosas geram reações em cadeia, avançando seu jogo nas suas diversas engrenagens. Muito gostoso de jogar, com aquela ponta de malícia que só o Doutor consegue trazer aos seus jogos.
Witchstone lançado no Brasil pela Conclave
- 5- Cascadia – O vencedor do Spiel des Jahres é um bom jogo mas sua verdadeira natureza só aparece quando você o joga na versão solo e tenta resolver os 15 cenários propostos pelos autores. Se no multiplayer o jogo na verdade é bem casual, permitindo que todo mundo se sinta bem com o que está construindo, no solo, cada cenário requer uma técnica diferente e um bom planejamento para se ter chance de vencer ao final da partida. Eu fiz um detonado dos 15 cenários e para concluí-lo eu joguei mais de 50 partidas, tornando Cascadia o jogo que mais joguei esse ano.
Cascadia lançado no Brasil pela Grok Games
- 6- Ark Nova – Vim a conhecer esse jogo apenas na semana passada, sob enorme expectativa, uma vez que o Tom Vasel o colocou como o seu novo Top 1 ano passado. E embora eu não tenha achado isso tudo, o jogo é realmente bom. É um jogo de tableau de cartas com um mecanismo bem legal de seleção de ação, um controle variável de fim de rodada e um mecanismo diferente de pontuação, te obrigando a andar bem em duas trilhas e pontuar a diferença entre elas. O que me incomodou foi o downtime (bastante) e o tempo de partida (não muito). Não é o melhor do ano, não aposenta o TFM, mas é uma boa adição ao catálogo!
Ark Nova lançado pela Grok Games
- 7- Pax Pamir – É difícil definir esse jogo. É uma espécie de controle de área, mas as facções em jogo não são representadas pelos jogadores, mas sim utilizadas por eles em um conflito pela dominação do que hoje chamamos de Afeganistão. Mecanicamente é um card game onde a presença no tabuleiro e os espiões colocados sobre suas cartas e dos adversários promovem uma rede de alianças e traições na busca pela sobrevivência em um ambiente inóspito. Ficar muito leal a uma facção traz vantagens, mas pode tornar muito custoso mudar de lado em um mundo onde nenhuma aliança dura muito. Excelente jogo de intriga política, extremamente bem pesquisado e uma experiência bem diferente da rotina de construir infraestrutura e ganhar pontinho dos euros habituais.
Pax Pamir lançado no Brasil pela Galápagos
- 8- Foundations of Rome – Esse ganha o "prêmio ostentação" em 2022. É basicamente um jogo de Tile Placement (colocação de peças), com o tema do desenvolvimento de cidades romanas na era clássica em um grid que lembra muito o Acquire. O jogo em si é legal, mas o seu diferencial é que ao invés de tiles, você utiliza miniaturas de prédios em 3d, que, uma vez pintadas, ficam espetaculares na mesa. A caixa e o preço tornam o jogo proibitivo, eu ouvi falar que teria um KS para trazê-lo ao Brasil, mas não sei como ficou isso.
Foundations of Rome financiamento coletivo feito pela Across The Board com previsão de entrega em 2023
- 9- Bitoku – Mais colorido que um desfile produzido pelo Milton Cunha, Bitoku foi o grande lançamento na Essen Spiel do ano passado e chegou aqui esse ano pela Devir. No jogo, você basicamente está manipulando os espíritos da floresta de forma a ser escolhido como o grande espírito que protege a mesma. A principal mecânica é o uso de cartas que liberam dados que são usados em 4 trilhas de ações, onde eles precisam ter uma determinada força para prosseguir, sendo que esta pode ser aumentada com recursos. Há uma espécie de “corridinha” nessas trilhas e quem chega primeiro escolhe o melhor prêmio. O jogo é um saladão de pontos que parece muito complexo à primeira vista, mas que se torna bem mais simples depois que você entende os conceitos principais do jogo e como eles se relacionam. O tema me parece muito louco, mas um amigo que entende de cultura japonesa diz que ele faz sentido.
Bitoku lançado no Brasil pela Devir
- 10- Ankh – O 3º jogo da Trilogia Mítica de Eric Lang é na verdade um conto sobre a transição entre o politeísmo e o monoteísmo. Os jogadores representam deuses do Antigo Egito e lutam pela fé das pessoas naquelas terras. À medida que o tempo passa, algumas entidades que perdem fé começam a se juntarem numa entidade nova. Esse conceito é a grande novidade do jogo, o merge. A ideia é que os jogadores que ficam para trás se fundem em um único novo jogador, colaborando para uma vitória conjunta. A ideia é boa porque resolve um problema comum de jogos controle de área: jogadores que estão na mesa, mas que não tem chance nenhuma de vencer. É uma coisa que vai alterar o seu planejamento sobre quem ajudar ou atrapalhar visando evitar ou causar um merge que gere uma dupla muito poderosa. Muitos jogadores não gostaram da ideia, e o jogo oferece cenários sem essa mecânica. Eu pessoalmente gostei, pois mantém todo mundo envolvido até o final.
Ankh lançado no Brasil pela Galápagos
Menções Honrosas:
- Ultimate Railroads – Eu adoro o Russian Railroads, considero-o um dos melhores jogos de alocação de trabalhadores do mercado. Quando vi que lançaram essa caixa no Brasil, fiquei muito interessado em comprá-la, pois ela traz praticamente tudo que foi lançado em relação a esse jogo. Três coisas me desanimaram um pouco: o fato do jogo estar no BGA, o alto preço da caixa e (uma vez que já tenho o jogo original) e, principalmente, o fato de que eu não gostei muito da Asian Railroads, a nova versão do jogo, que é a grande novidade da caixa.

Ultimate Railroads lançado pela Devir
- Golem - Não é muito o meu estilo, pois não é aquele jogo que te enche de opções de ação, e você precisa calcular o que é melhor a cada rodada. Eu prefiro jogos com o espaço de ação mais restrito, pois eu prefiro prestar atenção ao que está acontecendo no jogo do que ficar queimando minha mufa calculando dezenas de possibilidades. Ainda assim, é um jogo muito bem feito, típico da escola italiana, com um tabuleiro individual onde tudo pode ser evoluído e um tabuleiro central cheio de opções a explorar. Embora eu já tenha ouvido falar da história que gerou o tema, eu acho que ele ficou implementado de uma forma genérica demais, até mesmo para os padrões rasos da escola italiana. Pelo menos na lenda mais famosa (a do Golem de Praga, que é a utilizada no jogo), era um Golem só e já foi o suficiente para dar problema, imagine uma fábrica de golens, com busca de produtividade, PDCA e o escambau…

Golem lançado no Brasil pela Galápagos
Decepções:
- Canvas – Uma decepção. O jogo é bem produzido, a ideia é boa, mas o que se espera em um jogo onde se está montando quadros, é que as telas importem. O jogo não está nem aí para isso, você pode meter duas cartas com figuras na mesma área sem problema nenhum, o que vale é a pontuação da carta. Na minha opinião, se era para ser um jogo abstrato, deveria ser um pouquinho menos causal. O jogo acaba muito rápido, quando começa a ficar interessante, termina. Sei que tem muita gente que gostou, mas eu não sou uma delas.
Canvas lançado no Brasil pela Galápagos
- 7 Wonders Architects – Eu percebi que o 7 Wonders original não era um jogo simples de ensinar para leigos quando eu expliquei o jogo para uma prima de minha esposa e ela travou sem saber escolher uma carta, então, eu via com bons olhos uma versão mais simplificada do 7 Wonders. Porém, os designers simplificaram tanto que o jogo deixou de ter graça, na minha opinião. Com 3-4 pessoas ele ainda é interessante, pois tem alguma estratégia no que pegar ou deixar para os adversários, mas com mais gente isso é totalmente diluído porque alguém do outro lado da mesa pode estar ganhando o jogo sem praticamente nada que você possa fazer contra isso.
7 Wonders Arquitetos lançado no Brasil pela Galápagos
Algumas observações:
a) Alguém talvez repare uma certa prevalência de jogos de carta ou pelo menos que utilizam cartas como um aspecto importante do jogo. Não é coincidência, eu realmente tenho uma certa predileção por jogos de cartas.
b) Normalmente eu tenho dificuldade em escolher o número 1 da lista, mas esse ano isso foi a parte mais fácil, Scout realmente sobra na turma.
c) Decidi não incluir jogos de KS nessa lista, mas eu joguei um que achei bem interessante: Wonderland 's War. É um joguinho de controle de área com os personagens de Alice no País das Maravilhas que está muito bonito e que, caso apareça por aqui, merece atenção.
Mais uma vez, agradeço ao Paulo, Karine e toda equipe do Covil por me acolher aqui, receber meus textos, me convidar para programas e permitir que eu possa dividir minhas ideias com vocês. Agradeço também a todos que me prestigiam lendo o que eu escrevo e aqueles que participam, mandando mensagens ou comentando algo quando por acaso me encontram nas luderias da vida! Espero ver todos vocês na Covil Con!
Boas Festas e um ótimo 2023!
PS.: Já tinha terminado de escrever quando o Paulo me deu o presente de dizer que agora eu terei uma coluna própria aqui no site, ao invés de publicar no "Fala, Covileiro"! Fiquei muito feliz com essa promoção!
Não sei se vai dar tempo de preparar a arte para essa edição, mas o nome da coluna será "Fora da Caixa". A ideia é refletir o fato de que eu sempre tento fazer um texto que sai um pouco do review habitual dos jogos, tangenciando outros assuntos, mas tambem o fato de que o jogo só serve para alguma coisa quando ele sai da caixa! Na caixa, o jogo nada mais é do que um enfeite de estante!
Eduardo Vieira é analista de sistemas, e participa do Hobby desde 2018, mas vem tentando descontar o tempo perdido! É casado, mora no Rio de Janeiro e vive reclamando que não tem parceiros para jogar tudo que compra!