Além de ser um bom jogo nacional, rápido e divertido, Cangaço é um ode à cultura nordestina. Ambientado entre o final do século XIX e o início do século XX, o jogo retrata cuidadosamente o sertão nordestino através da ação de cangaceiros e a interação estabelecida entre esses grupos e diversos personagens marcantes da história, cultura e fé nordestinas. Com uma produção caprichada, o card game fala através de padins e coronés, mascates e volantes, coioteiros e cabras, igrejas e acampamentos, tocaias e tiroteios. Enquanto o chefe lidera o seu bando de cangaceiros, Nossa Senhora Aparecida se compadece e ajuda aqueles que já se foram.

Entre coleção de componentes, draft de cartas e construção de padrões, Cangaço nos apresenta uma série de maravilhosas cartas de cordel, enquanto objetivos abertos no jogo: Xico Nonô e a Morte do Cangaceiro, Jerônimo Encontra e Mata o sete Peles, Dona Fifita e o Cangaceiro Zambeta, João Valente e o Diabo na Curva da Taquara, dentre outros. Não fosse o bastante, a caixa e todos os componentes de Cangaço são lindamente ilustrados com xilogravuras, comumente utilizadas em ilustrações da literatura de cordel.

Mesmo na academia, ainda não há consenso sobre a natureza do cangaço. Ainda assim, segundo o grande historiador Erick Hobsbawn, falar sobre o cangaço é falar sempre sobre pobreza e resistência às estruturas sociais e nisso, eu acredito que o jogo tenha sido fiel, retratando um movimento social ambivalente, permeado por lutas e insurgências, enfrentamentos, que espreita entre o bem e o mal, o banditismo e o heroísmo, o sagrado e o profano, a benevolência e a violência, a opulência e a pobreza, enfim, um reflexo do que somos e da nossa história e cultura nordestinas, sempre marcadas por profundas contradições, mas também de coragem, superação, identidade e originalidade incomparáveis.
Por: Linauro. Apaixonado por literatura, música e jogos, desde sempre. Descobriu nos jogos de tabuleiro uma desculpa perfeita para passar mais tempo com amigos e pessoas amadas.
Imagens: acervo pessoal.