Procure um a seção de notas e comentários sobre um jogo qualquer no BGG e o que você verá será algo parecido com isso aqui (traduções de minha lavra logo após o texto original):

Um exercício de AP sobre mitigar a chance de ganhar pontos negativos, enquanto força os adversários a levar uma traulitada. Opções que se reduzem a cada jogada… Jogo do Ano? Hum. Michael Kiesling já fez alguns bons jogos, mas esse não é um deles. 

Um jogo complexo para 2 pessoas. Eu sempre acho que estou perdendo, mesmo que não esteja. Eu gosto de lutar contra esse sentimento e tentar conseguir fazer as melhores jogadas, mas eu acho que  nunca conseguirei. Esse sentimento diminui com mais jogadores, assim como sua profundidade estratégica. Nota 6 para 2 jogadores e 7 para 3 ou 4.  

Azul foi um jogo que eu achava que não ia ser do meu estilo. Uma noite, porém, alguns amigos trouxeram uma cópia para a jogatina e eu finalmente o experimentei. Meu Deus, que surpresa! Simples, excelente sensação táctil (com as peças) que esconde a maldade tática absurda. Jogamos 3 vezes e eu gostei tanto que no dia seguinte saí para comprar minha própria caixa. Minha mãe também adorou. Azul é um jogo que dificilmente sairá da minha coleção. 

Isso acontece com praticamente qualquer jogo que você pesquise. Até mesmo os top 10 do BGG tem os seus críticos.

Vários motivos corroboram para isso mas, na minha opinião, o principal é que diferentes pessoas buscam diferentes coisas nos jogos.

A atividade lúdica é bastante complexa, ela pode ser, em graus diferentes de intensidade: competitiva, desafiadora, imersiva, interativa e eventualmente, simplesmente divertida.
Todo mundo busca um pouco disso tudo nos jogos, mas aquilo que você busca mais provavelmente definirá o tipo de jogo que você tende a gostar mais. Sendo assim, vou analisar cinco dimensões que eu acho fazerem parte da experiência lúdica e relacioná-las a alguns tipos de jogos, dando alguns exemplos. 
  
Ao ler isso, talvez você se reconheça em mais de uma categoria e não há problema nisso. Eu me vejo um pouco em cada uma dessas categorias, mas algumas com certeza pesam mais do que outras. E também não estou sendo exaustivo, é possível que vocês enxerguem outras dimensões que eu não levei em consideração.

A ideia não é conseguir mapear toda a complexidade da atividade lúdica, mas abrir um debate sobre a mesma e com isso tentar contribuir para que tenhamos mais tolerância com o entendimento alheio sobre um determinado jogo.

Competição


Ninguém gosta de perder mas, se você gosta de board games e os joga regularmente, já deve ter percebido que perder é algo que acontece mais do que você gostaria. Sendo o grupo de jogadores típico formado por 4 pessoas e assumindo que todos estejam mais ou menos no mesmo nível, sua expectativa é ganhar 25% das vezes.

Se você é um jogador competitivo para quem o conceito de diversão ou de prazer está muito associado ao resultado a ser obtido, é provável que você queira se aprofundar no entendimento dos jogos, a elaborar melhor as estratégias e a pensar mais profundamente sobre os lances futuros do que alguém que esteja jogando apenas para se divertir ou para encontrar os amigos.

Uma questão bem polêmica para jogos competitivos é a influencia da sorte. Jogos que dependam muito de elementos aleatórios requerem uma forma de jogar muito diferente de jogos de informação completa e isso afeta tanto o tipo de jogador que eles atraem como também a forma como esses jogos são jogados em um cenário competitivo.
Existem aqui dois tipos de jogador: aqueles que gostam de administrar as probabilidades e de lidar com o risco fazendo escolhas que levam a um bom resultado na maior parte das vezes  e aqueles que mesmo que saibam fazer isso, simplesmente preferem que tudo seja o mais determinístico possível. Olhando o pessoal que costuma jogar comigo, eu percebo mais gente do segundo tipo do que do primeiro.

Em um jogo de duração longa, os designers evitam usar a sorte para resolver situações. Normalmente, a sorte aparece na forma como cartas ou peças são oferecidas para compra ou na forma de eventos, mas normalmente o jogo permite que os jogadores tenham alguma forma de lidar com isso. Se o jogo utilizar o acaso para decidir situações, normalmente existirão formas do jogador manipular os resultados (exemplo: as ferramentas do Stone Age). Já em jogos curtos, os designers permitem simplesmente que sorte seja mitigada aumentando o número de rodadas que compõem uma partida completa.

Para jogadores muito competitivos, um jogo longo que possa ser decidido por lances de sorte é normalmente considerado um design ruim. Realmente, faz pouco sentido perder muito tempo planejando tudo se no final tudo se resolve com uma carta milagrosa (pelo menos, pelo ponto de vista da competição, porem, nos jogos imersivos isso é bastante comum).

Concluindo, exemplos de jogos que agradam aos jogadores mais competitivos são aqueles em que a informação é completa (ou quase isso) e onde existe uma certa curva de aprendizado. Carcassone e Xadrez são ótimos exemplos de jogos com uma cena competitiva forte. Para jogadores de carteado dou como exemplo o Bridge e o Pôquer, onde jogar bem está muito ligado a saber fazer escolhas que possuem valor esperado positivo.


Desafio


Boa parte dos jogadores gostam de se sentir desafiados pelos jogos. Eles querem que o jogo lhes traga um problema que eles possam resolver.

A competição pode ser um desafio, mas existem outras formas de agradar esse tipo de jogador. Ele enxerga o jogo como um puzzle e a sua satisfação é resolver o problema da forma eficiente que ele puder.

A medida que este tipo de jogador se torna mais experiente em jogos de tabuleiro, ele passa a buscar desafios maiores. Ele quer jogos com mais elementos, mais regras, mais curva de aprendizado, mais situações que ele possa explorar. Para o jogador que busca o desafio, o peso do jogo nunca assusta, muito pelo contrário, é o seu principal atrativo.

Explicação de regras de uma hora? Sem problemas. O jogo tem 300 cartas diferentes, sem nenhuma repetição de efeito? Ótimo, vai trazer rejogabilidade!

Assim como o jogador competitivo, o jogador focado no desafio não costuma gostar sorte no jogo, mas a sua verdadeira kriptonita na verdade é a interação direta negativa, o famoso “take that”. Alguém pode vir aqui e desmontar meu castelinho? Nem pensar!

Se você é um jogador que é atraído pelo desafio, provavelmente você gosta dos euros tradicionais. Pode ser que você prefira jogos de peso médio como Agrícola e Castles of Burgundy, ou jogos mais pesados como Projeto Gaia e Through the Ages.

O jogo pode até ter alguma interação, mas o principal para você é bolar sua estratégia, executar o seu planejamento e fazer tudo o que pensou. Se a vitória vier junto com isso, melhor, mas a sua definição de sucesso é, basicamente, fazer o que você planejou. 


Imersão

Todo jogo é uma abstração. Por mais detalhado que seja, ele nunca refletirá totalmente a realidade. Nos jogos mais competitivos, o tema acaba sendo uma forma de apresentar o jogo de uma maneira lúdica do que a oferta de uma experiência imersiva.

Isso, porém, não é uma regra. Existem milhares de jogos onde o que o designer busca é dar vida ao tema. Seja para contar uma história ou representar um evento histórico, uma aventura épica, ou ou mesmo de uma saga intergalática, os jogos temáticos estão muito mais preocupados em garantir a ambientação do que, necessariamente, um jogo equilibrado e com iguais chances de vitória para todos.

Essa talvez seja a principal dicotomia dos board games. Jogadores competitivos não estão nem aí para o tema, tudo o que eles querem é ver as “mecânicas”, isto é, as costuras do jogo e desvendá-la, para encontrar as formas mais eficientes de pontuar. No final das contas, existe uma planilha do MS Excel por trás de qualquer jogo de tabuleiro!

Para conseguir a imersão e manter o suspense, jogos temáticos usam e abusam do acaso. Dados, eventos, cartas poderosas, tudo o que possa gerar turning points e histórias que serão lembradas por anos a fio. O preço disso é, na maior parte das vezes, uma dificuldade grande em manter o jogo controlado, o que normalmente afasta os jogadores mais competitivos.

É importante entender esse ponto: jogos narrativos estão muito mais preocupados em criar uma narrativa do que em oferecer um jogo “justo” aos participantes. Embora o jogo possua um resultado, vitória ou derrota, ele não é sobre isso.

Quem já jogou Robson Crusoé sabe que, a despeito de um meticuloso planejamento, tudo pode estar a perder se uma única carta ruim aparecer na hora errada. Eu mesmo já joguei partidas de Nêmesis onde venci fazendo pouquíssima coisa além de entrar no escape pod e partir enquanto meus colegas se ferravam com as “intrusoras”. A graça do jogo está na interação entre os jogadores, na possibilidade de traição, no inesperado e não necessariamente na sua capacidade estratégica e no resultado obtido.

Porém, existem exceções, jogos como o Twilight Imperium, conseguem realmente agregar o melhor de dois mundos. O TI4 em si é absurdamente temático, tem muito acaso causando peripécias na partida mas, como não é muito fácil pontuar e a curva de aprendizado é alta, ele consegue premiar o melhor jogador na maior parte das vezes.

Se você busca imersão, você vai gostar de jogos mais narrativos, como os jogos de Cthulhu ou fantasia da Fantasy Flight (Arkham Horror, Mansion of Madness, Lord of The Rings) ou jogos épicos como TI4 e Eclipse.

Nenhum desses jogos é muito simples de ser jogado e eu não aconselho que um iniciante tente jogá-los de cara, pois as curvas de aprendizado são altas e a experiência pode ser frustrante. Porém, eles realmente te envolvem na narrativa e podem oferecer uma experiência muito  diferente dos demais jogos, algo mais próximo dos RPGs ou dos vídeo games.

Atividade Social


Para muita gente, a coisa mais importante de um jogo é que ela junta pessoas em torno de uma mesa. Sob esse ponto de vista, o jogo não é um fim, mas um meio para se reunir com os amigos, fazer amizades novas, colocar o papo em dia, comer algo, etc.

É lógico que jogos muito pesados ou que demandem muito planejamento tornarão mais difícil essa interação social. Mas existem jogos que são projetados exatamente para esse tipo de situação, onde o que se quer é estimular a conversa e não reprimi-la.

Vamos começar pelos jogos clássicos : No texto em que falo sobre o jogo de buraco, eu conto a história de como ele foi criado: no Uruguai, um grupo de amigos que se reunia para jogar Bridge se incomodava com o fato de que jogo demandava muito raciocínio e acabava impedindo que a conversa fluísse. Então, eles desenvolveram um jogo mais simples, que podia ser jogado enquanto se conversava. Daí nasceu a Canastra, o Buraco e toda uma família de jogos baseados no Rummy que são jogados massivamente em toda América do Sul.

Nos jogos modernos, temos jogos como Dixit, Stella, Só Uma e o maior de todos eles, Codenames! Esse em si é tão bem feito que algumas pessoas podem sair e entrar do jogo durante a partida sem que o jogo seja grandemente prejudicado. Jogos que dependam de algum tipo de habilidade manual e que criam um único perdedor e não um vencedor também funcionam nessa situação, como o Jenga.

Quem busca jogos pela atividade social normalmente não está tão preocupado com o aspecto da competição ou do desafio. O importante é a experiência obtida, a conversa que o jogo trouxe à tona, o fato de todos terem rido e passado horas agradáveis. Nessa situação, todos vencem e o resultado é o que menos importa.

Passatempo



Por fim, muitas vezes, o que queremos é apenas ter uma atividade que nos ajude a matar o ócio. E nada como um joguinho que prenda a nossa atenção e que nos faça esquecer, ainda que por alguns momentos os problemas da vida.

Você marca férias na praia e eis que a previsão do tempo diz que teremos dois dias de chuva? O que fazer nesse período? Como entreter as crianças? Dá um tablet para cada uma delas e pronto? É lógico que existe uma resposta muito melhor: os jogos de tabuleiro!

Os jogos são excelentes passatempos. Vencida a barreira da explicação, você fica ali, num mundo paralelo, tentando resolver apenas o problema que está a sua frente. Será que o adversário vai pegar o item que eu quero? E se ele pegar, o que eu vou fazer? Ah, eu posso jogar para ser primeiro na rodada seguinte e aproveito para resolver esse outro problema aqui.
 
E nisso passaram-se duas horas. Acaba o jogo, contam-se os pontos, se você ganhou, você fica feliz, se perdeu, tenta entender o que podia fazer melhor, e quinze minutos depois, o resultado não importa muito mais.

Eu diria que todos nós começamos a gostar de jogos justamente por esse aspecto. É a partir do interesse criado pelo passatempo que começamos eventualmente a nos dedicar mais tempo a conhecer outros jogos, regras mais complexas e aos poucos tornamos isso um hobby. Porém, a maioria das pessoas jamais sai desse estágio.

Quem vê jogos de tabuleiro principalmente como um passatempo tenderá a preferir jogos mais simples. Quantas pessoas topam ouvir uma hora de explicação de regras para jogar uma partida de duas horas e meia se isso não é algo que faça parte de sua realidade?

Não por acaso, o grosso dos produtos que chegam ao mercado são desenvolvidos para esse tipo de pessoa. Jogos de regras simples, que podem ser ensinadas rapidamente e que podem ser jogadas por pessoas de qualquer idade. Podem ser  mais ou menos competitivos, não importa, mas precisam principalmente ser acessíveis: bons exemplos são o Azul, o Ticket to Ride, Alhambra, Viticulture, entre muitos outros.

Que jogador sou eu?

Dificilmente uma pessoa busca apenas uma dessas dimensões nos jogos. Normalmente, a gente busca um pouco de tudo, mas com ênfases diferentes.

Eu acho que sou um jogador bem equilibrado nessas dimensões, eu gosto de quase tudo, mas eu diria que o passatempo, o desafio e a atividade social são os três fatores principais para mim.

O pessoal que joga comigo tende muito para as dimensões do desafio e da competição. Então, as minhas partidas se concentram muito nos euros médios e pesados. Eu adoro jogar jogos mais simples, jogos de carta, mas eles acabam entrando apenas nos buracos destinados aos fillers, entre uma jogatina e outra, nunca como prato principal, ou então quando consigo jogar em família.

Praticamente não tenho chance de jogar os jogos imersivos, o que é uma pena. Tenho alguns exemplares, tento jogar sozinho as vezes, mas definitivamente o tempo que leva para aprender, montar tudo e ter que desmontar depois muitas vezes me desanima. Acabo vindo para o computador.

Há jogos para todos



Já escrevi em outra ocasião sobre o que acho do ranking da BGG. A minha principal questão não é discutir a qualidade dos jogos que são eleitos como os melhores ali. São todos excelentes jogos. A questão é: para quem?

O ranking do BGG é dominado por jogadores que buscam principalmente competição e desafio, pois esse é o padrão dominante entre os hobistas dedicados. Não é à toa que a maioria dos jogos que faz o top 100 são jogos de peso médio ou alto.

Isso é ótimo para quem busca esse tipo de experiência, mas pode ser desconcertante para quem busca outras coisas. Ser “mais complexo” não é sinônimo de ser “melhor”, embora muita gente no hobby ache que essas coisas são positivamente relacionadas.

A questão é que o nosso hobby é cheio de gente que tem opiniões definitivas sobre tudo. E elas podem simplesmente estragar o seu dia descascando o jogo que acabou de comprar dizendo que ele já foi superado por outro jogo, que ele é scriptado, que sem a expansão não é a mesma coisa ou que ele só funciona se for jogado por 4 pessoas que já sabem as regras e o joguem numa noite de lua cheia.

Quando você ouvir a opinião de alguém, procure se fixar no argumento e não no veredicto. Muitas vezes, o que para um é um defeito, para o outro é uma qualidade. E avalie o fato de que alguns jogos funcionam bem com algumas pessoas e mal com outras. Não existe um jogo que seja perfeito para toda e qualquer ocasião.

O que eu posso sugerir é que você não se importe tanto com a opinião alheia. Confie no seu próprio taco, se você gostou do jogo, ele é bom, pelo menos para você, nesse momento. Daqui a dez anos, 500 jogos depois, talvez não seja mais, mas isso é outro problema. Não queime etapas tentando ser um tipo de jogador que você não é!

E por fim, lembre-se sempre que os jogos são ferramentas para nos divertimos, seja a sós (no caso dos solos) ou em grupos. O principal do hobby são os amigos que fazemos através dele, as resenhas de que participamos, a noitadas que compartilhamos com entes queridos. É ótimo ter muitos jogos, mas se essa for a sua prioridade, a felicidade estará sempre na próxima encomenda a ser recebida e não no que você tem ao seu redor.

Será que vale a pena?