DrGrayrock::
Desde que eu comecei no hobby há mais de 15 anos que eu acompanho o crescimento tanto do mercado quanto do que o público em geral pede que o mercado lhe ofereça.
Em 2004/2005 você tinha jogos como Catan e Puerto Rico dominando o cenário com edições simples, pecinhas de madeira e caixas normais, até mesmo uma das grandes responsáveis pela mudança de paradigmas, a Fantasy Flight, tinha o Warcraft, the Boardgame e o Game of Thrones com pecinhas de madeira.
Obviamente esses são apenas algumas coisas que influenciaram, temos crises de combustível que impactaram demais nos preços de matérias primas e para nós brasileiros ainda tivemos a desvalorização crescente do nosso real em relação ao dólar e dito isso tudo fica a questão, tá certo cobrar 1000+ por um jogo???
Certo não tá, justo não tá, eu tenho pra mim que NENHUM jogo vale mil reais, mas aí o que fazer vou deixar de participar do hobby que eu gosto tanto?
Caro DrGrayrock e demais boardgamers
Cacá, como de costume você sempre muito lúcido e assertivo. Concordo com quase tudo, à exceção, da viabilidade de divisão dos custos dos jogos mais caros, com parceiros de jogatina. Não que a alternativa não seja boa, porque ela é, mas sim porque não vejo isso sendo viável, na realidade da grande maioria da nossa comunidade boardgamer. Naquelas priscas eras, da época pré-Galápagos (mais ou menos antes de 2009), isso fazia todo o sentido, porque quase ninguém jogava, ou sequer conhecia os jogos modernos (se hoje ainda são poucas as pessoas que conhecem board games, considerando a nossa população total, mesmo com as redes sociais tendo crescido exponencialmente, imagine 15 anos atrás). Então, até mesmo para jogar era preciso reunir aquela galerinha de três ou quatro aficionados, que acabava por constituir um grupo de jogo longevo. Aliado a isso havia o fato dos jogos serem muito mais caros do que hoje. Se atualmente os board games já estão atingindo patamares absurdos de preço, imaginem em uma época em que praticamente todos os jogos tinham de ser importados, porque não se produzia quase nada por aqui. Então dividir o preço de um jogo caro pelo grupo era tranquilamente possível.
Hoje em dia, já existe uma produção nacional, pequena mas existe, e também já existem lojas e luderias onde comprar e alugar os jogos, o que os tornou mais acessíveis. Além disso, a quantidade de jogadores aumentou, apesar da comunidade boardgamer ainda ser muito pequena. Então em tese não existe mais aquela obrigatoriedade de jogar sempre com as mesmas pessoas. Isso sem falar nos problemas decorrentes, tais como, "o jogo vai ficar na casa de quem?", "se alguém quiser passar férias longe e resolver levar o jogo, como ficam os outros coproprietários?", "se alguém precisar se mudar e as pessoas não quiserem ou não conseguirem vender o jogo, nem quiserem ressarcir o sócio retirante da sociedade?". Muito mal comparando, eu penso que seria mais ou menos se quatro pessoas quisessem comprar um carro juntas e dividir o seu uso. Tenho minhas dúvidas se isso daria certo, hoje em dia.
Essa alta do preço dos board games também tem outro efeito muito nefasto, porque apesar do hobby estar crescendo, esse crescimento ainda é muito tíbio, e mantido esse ritmo, nós demoraremos muitas décadas para chegarmos a algum lugar, e se chegarmos. Na minha opinião, a expansão e fortalecimento do mercado, passa obrigatoriamente pela busca por alternativas que barateiem os custos, pela redução dos preços e aumento das tiragens. O problema é que o que se verifica hoje em dia, é que a produção nacional de board games segue na direção diametralmente oposta. Hoje está bem claro que as editoras não tem nenhum interesse em que o mercado de board games se expanda, ou por outra, uma editora até quer isso, mas desde que essa aposta e investimento parta das outras editoras, e ela só apareça para colher os frutos depois. Aí fica difícil. Com isso, as tiragens dos jogos nacionais parecem condenadas a permanecer para sempre nesse patamar de 1.000 a 2.000 unidades por jogo. É por conta disso, que quando uma pessoa se interessa por um KS, e quer participar, muitas vezes ela se depara com a desagradável surpresa do jogo não ser enviado para o Brasil, ou o envio custar três vezes o valor do jogo. Nós temos impostos demais, dificuldades de logística demais, burocracia demais e "malandragem" demais, para ainda por cima, nos darmos ao luxo de ser pequenos.
Como se não bastasse, o mercado nacional caminhar no sentido do aumento do preço dos jogos, parar piorar tudo, ainda tivemos uma pandemia global, que afetou a economia de diversos países, mas no nosso caso foi uma verdadeira catástrofe econômica. E uma situação normalmente já muito séria, foi agravada sobremaneira pela incapacidade dos nossos dirigentes, em adotar uma política única, e combater eficazmente a covid19, baseado em estratégias cientificamente comprovadas. Isso fez com que o valor da nossa moeda, que já não era lá grande coisa, despencasse ampliando ainda mais a distância em relação ao dólar, o que afetou toda a cadeia de produção. O resultado não poderia ser outro a não ser jogos mais caros e redução do poder de compra da sociedade brasileira. Com isso, eu vejo hoje em dia que as pessoas estão migrando, para os jogos festivos, e abandonando até mesmo os jogos família (que da faixa de preço de R$ 100,00 / R$ 200,00 passaram para R$ 300,00 / R$ 400,00, em poucos anos). Elas acabam fazendo isso não porque querem, mas porque sua condição socioeconômica as obriga a isso. Do mesmo modo, os recém chegados começam nos jogos festivos e ficam por aí mesmo, e muito de vez em quando, compram um ou outro jogo família, de preferencia em promoção.
Além disso, se verifica no cenário do board game uma certa distorção em relação ao valor percebido dos jogos. Isso porque os jogos mais caros demandam um investimento muito maior das editoras, e não apenas na produção, mas principalmente na divulgação e criação do hype ao redor do jogo, afinal de contas um jogo de R$ 1.000,00, não pode ser um fracasso de vendas de jeito nenhum. Isso faz com que eles tenham muito mais atenção da nossa, digamos assim, "mídia especializada", o que gera a noção de que esses jogos mais caros são melhores que os mais baratos. Nada poderia estar mais longe da verdade, porque jogos mais caros certamente propiciam maior complexidade e maior sofisticação de componentes, mas não necessariamente maior diversão. Quando eu olho para trás, nesses anos de hobby, e procuro recordar os momentos em que mais me diverti, curiosamente minha memória não retorna ao El Grande, ao Caylus, ao Village, ao Spirit Island e ao Puerto Rico, só para citar alguns dos jogos, que eu joguei bastante. Quando eu penso em jogatinas realmente divertidas, eu penso no Catan, no Deception: Murder in Hong Kong, no The Resistance, no Coup, no Love Letter, no King of Tokyo (esse até dado tem), no Dead Man's Draw, no 6 nimmt, e nenhum deles custa um salário mínimo.
Por fim, se a pessoa quiser jogos com milhares de componentes, caixas pantagruélicas de 10 kg, e miniaturas com detalhes impressionantes, aí não tem jeito, vai ter de morrer em uma grana, mas se ela quiser apenas se divertir, e jogar com os amigos, preferencialmente de forma despretensiosa, nesse caso não precisa gastar um salário mínimo em um jogo, basta dar uma chance aos jogos mais simples e mais baratos.
Um forte abraço e boas jogatinas.
Iuri Buscácio
P.S. Ilustríssimo Senhor Carlos Eduardo Couto, V.S.ª pode até ter alguma razão, mas ainda assim, atribuir ao meu querido Zombicide a culpa por todas as mazelas que assolam o nosso mercado nacional de board games, continua sendo uma grossa sacanagem... (rsrsrsrsrs)