storum::
Eduardo, aproveitando o embalo, vc consegue me dizer com toda clareza que um jogo, do tipo The Witcher citado por vc teria condições de ser vendido por um valor menor que os 800 reais ? E o que vc me diz sobre esses " tais jogos caros que vc diz " (atendem apenas um nicho dos consumidores) ser o maior sucesso absoluto no financiamento da catarse (inclusive da América latina) e ainda tb em seu maior valor (versão deluxe) ?
evieira::
Vamos por partes:
1) É possível vender por menos? Provavelmente é. Tudo depende da margem que o fabricante está tirando. O custo de fabricação não impede que jogos encalhados sejam vendidos por menos do que custaram, por exemplo.
Eu sei que não é isso o que você quer dizer. O que você me pergunta é se, dadas as planilhas de custo normais dos outros jogos, se esse preço é condizente. Eu acredito que seja.
Mas, lembre-se, você não cobra mais barato possível, você cobra o máximo que acha que conseguirá ter pessoas suficientes pagando para escoar sua produção. É isso que a teoria econômica ensina.
Quando você bota um jogo para vender na ludopédia o menos importante é quanto você pagou. Você vai tentar ver quanto as pessoas estão disposta a pagar. As empresas fazem a mesma coisa.
2) O fato de ser recorde de financiamento coletivo no Brasil me diz muito pouco. Nosso mercado é muito pequeno. Esse financiamento coletivo está, nesse momento, com 1095 apoiadores. Isso é muito pouco perto de qualquer kickstarter lá de fora, que sai com 30 mil, 50 mil apoiadores.
3) O meu problema com esses jogos não está no seu preço e sim no seu custo-benefício. Eu tenho dificuldade em colocar esse tipo de jogo na mesa. Porque o setup demora, porque tem muita regra, porque jogadores mais casuais não se comprometem a jogar 3/4 horas o mesmo jogo, etc.
4) Para mim, alimentar demais o hype nesses jogos gera um ciclo vicioso das editoras buscarem a mesma atenção, lançando cada vez jogos maiores e mais caros. Daqui a pouco poderemos ter um estouro dessa bolha, com diversas empresas falindo sem saber o que aconteceu quando jogos custando mais de 1000 reais encalharem porque, SURPRESA os consumidores não deram conta de comprar seus produtos.
O que pensei em fazer foi dar uma alternativa àqueles que se incomodam com isso, tentando mostrar o valor de jogos que usam formas menos exuberantes de ganhar o jogador. Tentando dizer a essas pessoas que elas não precisam comprar um jogo de 1000 reais para se divertir, que existem alternativas.
Espero ter conseguido responder!
Sds,
Eduardo
Fabico::
Me admiraria o designer do jogo falar algo como "o preço é fruto do hype, a editora está cobrando caro, o custo de produção foi médio, etc."
Caros Evieira, Storum, e Fabico
Inicialmente eu quero parabenizar o Evieira, pelo excelente texto. Muitos mais do que um texto muito bem escrito, esse tópico é absolutamente necessário, nesse tempo de preços tão altos.
Quanto ao que disse o Storum, eu acho que em parte ele tem razão, porque realmente fica difícil avaliar o preço de um produto, sem todos os dados e custos envolvidos na produção, no marketing, na carga tributária, etc. Um exemplo de equívoco que as pessoas comentem, na minha opinião, é tentar avaliar o preço do jogo, pelo que ele custa no mercado internacional. As editoras não estão importando o jogo, mas sim produzindo, portanto, para elas o custo do jogo certamente é muito menor, do que o preço de mercado estrangeiro, em dólar. Desse modo, qualquer comparação nesses termos, me parece sem sentido.
Assim sendo, considerando o argumento do Storum, em tese (devido à falta de dados), não dá para avaliar corretamente se o preço do jogo está realmente dentro da normalidade, e a editora está fazendo o possível para produzi-lo e comercializá-lo dentro de parâmetros aceitáveis, ou se a editora está se aproveitando do hype, que ela mesma ajudou a criar, para extrair até o último centavo possível dos consumidores.
Até aí tudo bem, o problema é o Stone Age.
O Stone Age estava sendo comercializado, no mercado de usados, por um preço médio de R$ 500,00. Aí a Devir anunciou o reprint, e pouco tempo depois (pasmem companheiros!!!), o preço de relançamento do Stone Age corresponde aos mesmos R$ 500,00, que as pessoas estavam pagando nas cópias usadas. E olha que o Stone Age nem tem miniaturas.
Com todo o respeito ao Storum, mas não dá para acreditar numa coincidência dessas, de que o custo de produção, mais impostos, mais margem de lucro da editora, mais margem de lucro do lojista, entre outros custos, bate exatamente, com o valor que o jogo estava sendo vendido usado. É muito mais plausível, que a Devir tenha chegado a um custo total bem menor (vamos dar um palpite aqui de R$ 400,00, incluindo as margens de lucro), mas como as pessoas estavam pagando R$ 500,00, foi esse o preço final do jogo. Foi exatamente isso que disse o Evieira, quando citou a teoria econômica, no sentido de que uma empresa cobra por seu produto, o valor mais alto que consegue, e que seja capaz de viabilizar o escoamento de sua produção. Parece que foi exatamente isso que a Devir fez no caso do Stone Age. E se as editoras de board game estão cobrando o máximo que conseguem por seus produtos, sem dar nenhuma “colher de chá”, para seus consumidores, na forma de redução de preço, então os consumidores tem toda a razão de reclamar dos altos valores cobrados, mesmo que não tenham todos os dados, para uma análise mais detalhada.
Para resolver essa questão, seria interessante, que as editoras viessem a público, de forma transparente e o mais geral possível, e publicassem o valor real que custou a produção de um determinado jogo, indicando quanto custaram os componentes, quanto custou a caixa, quanto custou o marketing, qual o tamanho real da tiragem, quanto custou a tradução e localização, qual é a margem de lucro real da editora, do distribuidor e do lojista e etc. Evidentemente, a editora não poderá divulgar todos os custos, porque alguns dados devem ser sigilosos, inclusive por obrigações contratuais, como o valor da licença, ou dos royalties, mas boa parte das informações pode ser divulgada, basta a editora querer. Dessa forma, o público consumidor poderia realmente se convencer, de que a editora está produzindo aquele jogo, com o melhor preço que ela consegue, e que seja bom, tanto para ela, quanto para seus clientes. Só que isso é uma fantasia, que dificilmente vai se concretizar. Infelizmente, quando um ou outro membro de editora toca nesse assunto é sempre de forma bem genérica, do tipo “pagamos a gráfica em dólar ou em euro”, “a licença desse jogo é caríssima”, “o frete custa uma fortuna”, “a tributação no nosso país é exorbitante” (e ela realmente é, mas eu gostaria de saber o quanto ela é exorbitante em relação a um jogo específico), etc.
Quem já tem algum tempo de Ludopedia vai se lembrar de um antigo tópico, escrito pelo Antonio Pop da extinta Redbox, atual Buró, chamado “E esse preço aí?”, no qual ele mostra, em um exemplo fictício, como um jogo que custa apenas 20 USD, na Amazon, se transforma num board game nacional de R$ 160,00. O texto é de quatro anos atrás (maio de 2017), e o dólar estava a R$ 3,20, mas proporcionalmente dá para ter uma ideia. O problema é que esse é um exemplo fictício, e de quando o mercado de board games era bem menor, o que implica em uma tiragem menor (no exemplo foram 1.000 unidades), de modo que hoje o valor de um board game não iria quase triplicar (um jogo de 100 dólares, com a cotação a R$ 5,00 não é vendido a R$ 1.500,00). O que o público precisaria ver era um exemplo real, com valores de hoje em dia. Mas como eu disse antes, é muito improvável que isso aconteça, portanto nós vamos ter de continuar especulando se as editoras “metem a mão”, ou se as coisas não são bem assim.
Existe ainda outro fator, que torna as coisas ainda mais complicadas, que é o “Efeito Gloomhaven”.
Vejam bem que eu não estou falando mal do jogo não, e acredito que ele deva ter o seu valor, que ele deve agradar e muito aos seus diversos entusiastas, que ele entrega incontáveis horas de diversão na campanha, e coisa e tal. O “Efeito Gloomhaven” ao qual eu me refiro, diz respeito ao fato desse jogo ter sido, salvo engano, o primeiro board game produzido no país, a romper a barreira dos R$ 1.000,00. Porém, apesar de custar essa pequena fortuna, o jogo se esgotou em questão de horas. Eu presenciei uma loja, sequer conseguir colocar o jogo para vender, porque todas as cópias que ela recebeu da editora, se esgotaram já na pré-venda. Isso certamente acendeu a “volúpia econômica” das editoras, e mostrou a elas que o mercado estava disposto a pagar muito mais, pelos jogos, desde que eles tivessem miniaturas ou uma cacetada de componentes, dentro de uma caixa enorme, que ele ficasse lindo na mesa, mas principalmente desde que eles tivessem um hype poderoso ao seu redor.
Mais uma vez tudo bem, porque afinal de contas, tem mercado para todo mundo, desde o comprador de jogos festivos e familiares, até os apreciadores de jogos de proporções “pantagruélicas”, com 10 kg de componentes.
A princípio esses jogos de R$ 800,00, R$ 900,00, R$ 1.000,00, não me dizem muito respeito, porque eu acho esses valores muito caros, para um jogo de tabuleiro, por melhor e mais maravilhosos que eles sejam. Não é que de um modo geral eles não valham isso, eu inclusive imagino que para os apreciadores até devem valer, eles só não valem para mim. A menos que você já tenha um grupo de jogo certo, e que todos os integrantes curtam aquele cenário e aquela temática, e tenham disponibilidade para jogar com regularidade, eu sinceramente não vejo sentido em investir praticamente um salário mínimo em um jogo desses. Isso sem falar que, quando o sujeito tem família, manter um grupo de jogatina regular, que esse tipo de jogo necessita, fica muito mais difícil. Que me desculpem os inúmeros fãs do Twilight Imperium, mas um jogo que você joga uma ou duas vezes por ano (em dez anos você jogaria 12 ou 15 partidas, se conseguir), e cuja duração, por jogatina, pode chegar a 10, 11, 12 horas, isso para mim é completamente inviável. Se é para fazer do jogo um evento, de um domingo inteiro a cada semestre, então é muito melhor alugá-lo de um luderia, porque pelo menos ela ganha dinheiro com o jogo.
Não é que eu seja um jogador casual falando mal dos jogos mais pesados. Eu até gosto de um, ou outro, jogo mais complexo, mas apenas não me vejo conseguindo reunir regularmente as mesmas 4 ou 5 pessoas, em 15 partidas diferentes, para gastar 5 horas jogando o mesmo jogo, e tenho certeza que muita gente aqui no Ludopedia passa pela mesma situação. Obviamente todas essas colocações pressupõem um cenário sem uma pandemia global, porque atualmente só dá para jogar com o pessoal de casa ou no BGA e assemelhados. Por isso, para mim, é muito mais lógico investir em jogos mais baratos, mas que vão ver mesa com muito mais freqüência, como o Carcassonne, Catan, 7 Wonders, Ticket to Ride, Stone Age, Russian Railroads, Puerto Rico, Azul, King of Tokyo, Lords of Waterdeep, Terraforming Mars, Terra Mystica, Mansions of Madness, Takenoko, Marco Polo I e II, para ficar só em alguns, sem contar os diversos jogos festivos.
E é exatamente aí que entra o problema desses jogos top de linha e de preço, porque como sempre há de existir, dentro do mercado de board games, 1.000 indivíduos abastados o bastante ou desesperados o suficiente, para pagarem R$ 1.000,00 por esses jogos (sem sentir nada os primeiros, ou sacrificando as contas do final do mês, os segundos), eles vão acabar vendendo. Mas, com isso eles também vão puxar o preço dos demais jogos para cima, inflacionando totalmente o mercado, inclusive dos jogos que não são top de linha. Um exemplo que eu normalmente uso, porque eu acho que ele é emblemático, é o “It’s a Wonderful World”, que é um jogo de cartas com alguns cubinhos e um cartonado, mas que o custo médio é de expressivos R$ 350,00. Eu sei perfeitamente que um jogo de tabuleiro é muito mais do que “plástico e papel”. Mas, desconsiderando os componentes que não são tão caros, e considerando o que o jogo entrega, em termos de mecânica, tema, regras e diversão, não há a menor justificativa para a licença ser tão cara, a ponto do jogo custar o tanto que ele custa. E isso é apenas um exemplo, mas que indica uma tendência. Atualmente, os jogos familiares já estão saindo na faixa de R$ 300,00, e aqueles um pouco mais complexos na faixa de R$ 400,00 / R$ 500,00. O “Rallyman GT” está custando entre R$ 350,00 e R$ 400,00. O “Everdell” está custando R$ 450,00. O Stone Age está custando R$ 500,00. O “Ruínas Perdidas de Arnak” foi lançado por incríveis R$ 600,00. E estes são apenas alguns exemplos. O raciocínio das editoras certamente é: "Se o preço do “Nemesis”, apesar de todos os erros e defeitos, chegou a quase R$ 1.000,00, e as pessoas pagaram, e se o “Tainted Grail” sairá por R$ 850,00, e as pessoas estão dispostas a pagar, por que não cobrar R$ 400,00 ou R$ 500,00, pelos jogos mais casuais?". Nesse sentido, os jogos top de linha, de R$ 1.000,00 começam a me afetar, e muito.
Por fim, achei esse texto fenomenal, porque ele encerra uma grande verdade, ou seja, de que não é necessário gastar uma fortuna para ter jogos de excelente qualidade, muito elegantes e sofisticados, capazes de proporcionar várias noites de diversão com a família e amigos. Mais uma vez, meus parabéns Evieira.
Um forte abraço e boas jogatinas.
Iuri Buscácio
P.S. Só para não falar que eu não citei, porque caso contrário meu povo me mata, mas um dos jogos que mais fazia sucesso entre o meu pessoal, antes da pandemia, era o “Deception: Murder in Hong Kong”, principalmente porque antes de distribuir as cartas de personagem, todas as pessoas tinham de elaborar um crime com as cartas de pistas que elas receberam, e aí todo mundo queria ser o assassino ou o cúmplice. O difícil era fazer o pessoal passar para outro jogo.
P.P.S. Fabico, você como de costume sempre muito assertivo e acertado.