Nesse mês, 2 jogos meus estão chegando às lojas: Camisa 12, pela Dijon Jogos, e Herdeiros do Khan, parceria com o Lucas RIbeiro, pela Estrela.
Coincidentemente, ambos têm como uma das principais mecânicas os poderes variáveis: cada jogador tem uma habilidade única que só ele vai poder usar ao longo da partida.
Por isso, resolvi requentar aqui um texto que escrevi em 2017 com algumas ideias sobre como desenvolver poderes variáveis.
Vejo 4 bons motivos para incluir poderes variáveis a um jogo:
- Faz o jogador se sentir único e poderoso
- Adiciona uma camada de estratégia ao jogo
- Ajuda a inserir o jogador no universo temático do jogo
- Pode aumentar a rejogabilidade
Mas como criar poderes variáveis de fato interessantes? Depois de um bocado de análise, me arrisco aqui a fazer 5 recomendações para quem quer incorporá-los seu jogo:
1. Crie poderes muito fortes
Lembro do burburinho que foi quando Marco Polo foi lançado. Os personagens tinham poderes transtornados de tão fortes. Você olha pro seu personagem e pensa – parece roubado. Mas todos são. Isso gera uma expectativa e uma excitação que poucas mecânicas podem alcançar.
Tenho ouvido muito esse comentário durante a
Copa Camisa 12, que está sendo disputada por vários criadores de conteúdo brasileiros: cada time, olhado individualmente, tem um poder que parece quebrar o jogo, mas como todos são assim, o jogo fica equilbrado.
No Khan, isso é ainda mais evidente. Os poderes dos herdeiros são tão fortes, que se você jogar uma partida sem eles, o ritmo de jogo muda, e a partida fica mais arrastada. Eles são fundamentais para que a experiência de jogo tenha a fluidez necessária.
Por isso, minha sugestão é não se restringir na hora de criar seus poderes. Quanto mais alucinados, mais empolgados vão ficar os jogadores.
Os 5 herdeiros do Khan
2. Crie poderes que quebrem as regras do jogo de forma inusitada
Todo poder especial nada mais é do que uma quebra na regra do jogo. Alguns dos deuses de Santorini têm poderes que permitem que você construa mais uma vez, ou ande mais uma vez. Num jogo em que seu turno consiste em andar 1 e construir 1, são poderes absolutamente esperados. Ainda que sejam muito fortes (a eficiência do seu turno aumenta em 50%!), são pouco atraentes para os jogadores.
Mas há várias formas de quebrar as regras de forma surpreendente, e Santorini não economiza na criatividade. Tem deus que permite até matar os peões do outro jogador. É um twist que ninguém espera.
No Khan, cada herdeiro tem uma habilidade que reforça um dos aspectos do jogo: um permite mais flexibilidade para andar, outro para atacar, outro para comprar upgrades ou colocar yurts. Mas cada um faz isso de um jeito diferente, os poderes não se relacionam.
Já no Camisa 12, há toda sorte de poderes inusitados: desde peão extra no rondel até empílhar peças de torcida, passando por ocupar mais espaço no estádio.
Quanto mais surpreendente for o poder, mais interessado o jogador vai ficar.
3. Não se preocupe tanto com equilíbrio perfeito
Terra Mystica é um dos jogos mais celebrados do mundo e no entanto uma das facções é sensivelmente melhor do que as demais. E ainda assim, o jogo continua sendo o vício que é.
Se sua preocupação for criar um jogo perfeitamente equilibrado, é bem capaz de os poderes ficarem sem graça. Pois para atingir o equilíbrio pleno, é preciso que as variáveis alteradas pelos poderes possam ser totalmente comparáveis. E isso pode acabar gerando poderes especiais chatos, que são apenas incrementos de eficiência.
Não é difícil conseguir um balanceamento perfeito, mas pra chegar nisso, os poderes acabarão sendo pequenas variações da mesma coisa.
4. Crie poderes temáticos
No Camisa 12, cada torcida tem um poder que está diretamente relacionado à personalidade do time. A torcida do “Expresso da Vitória” tende a virar placares adversos com mais facilidade. A seleção da Argentina pode usar a “Mano de Diós”, e o Soberano potencializa suas cartas de pênalti graças ao seu “goleiro artilheiro”. Isso mexe com a paixão do torcedor e faz ele se identificar ainda mais com o time.
Os herdeiros com que jogamos foram de fato pretendentes ao comando do Império Mongol. Seus poderem têm a ver com sua personalidade: mais agressivos, mais diplomáticos, etc.
Quanto mais o poder ajudar o jogador a se identificar com o time/personagem/raça com que está jogando, mais sugado para dentro do universo do jogo ele estará.
Camisa 12: os 24 times do jogo base
5. Crie poderes modulares
A rejogabilidade criada pelos poderes variáveis é limitada ao número de poderes criados. Após jogar com todos eles, a mecânica não gera mais novidade.
Small World escapa dessa sinuca ao criar poderes modulares: 2 deles são reunidos aleatoriamente para criar combinações bizarras: gigantes voadores, goblins diplomatas, fadas do mundo subterrâneo, e por aí vai. O número de possibilidades se multiplica. Scythe faz o mesmo ao juntar o tabuleiro da raça com o tabuleiro base.
Mas a modularidade pode vir de outras formas. No Khan,cada um ganha uma carta de objetivo de fim de jogo que, unida ao poder, ajuda a definir a estratégia da partida. No Camisa 12, o poder do seu adversário também gera modularidade, pois você vai precisar adaptar sua estratégia não apenas a otimizar o seu poder, mas também reagir ao dele.
O importante é que ao menos 2 elementos se combinem para gerar uma situação inicial de jogo única.
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E você, concorda com essas recomendações? Quer acrescentar mais alguma? Dê sua opinião!