Eu primeiro ouvi falar do A Few Acres of Snow quando conheci o Mythotopia. Esses 2 jogos, mais o A Handful of Stars, dividiam entre si a mecânica básica de ser um controle de área com deckbuilding. E eu empolguei a princípio no Mythotopia, ainda mais que ele andou saindo numas promoções por tipo, 19 dólares na Miniatura Market na época, mas rapidamente eu vi problemas no jogo.
Mythotopia, tinha um mecanismos que eu achei genial de limitação de expansão/movimento e deckbuilding no controle de área, mas o final do jogo era tão brochante que ele se prolongava por demasia. Veja, em Mythotopia, terminar a partida é uma das ações que um jogador pode tomar, mas ela tem suas limitações: (1) que você precisava fazer essa ação como a sua 1a no round; e (2) que você tinha que ser capaz de vencer o jogo para tomar essa ação. Portanto, você tinha de alcançar a vitória em um round, segurar ele por toda rodada enquanto os outros 3 jogadores te atacavam por todos os lados e aí, na sua vez, se ainda tivesse vencendo, acabar com o jogo. Era quase impossível e o jogo demorava 45 minutos pra chegar no final e o final se prolongava por mais 45 a 60. Tanto que no BGG chovia maneiras alternativas para o jogo terminar. Por isso, nunca empolguei muito em jogar o Handful of Stars.
Mas o A Few Acres of Snow era diferente. Para muitos, era um jogo genial do Wallace. Era ele inclusive o precursor de tudo. Além disso, sendo ele um jogo exclusivo para 2 jogadores, ele não tinha aquele problema de Ataquem o Líder que o Mythotopia tinha. E por isso, desde então essa gema está na minha wishlist aguardando um momento que esse jogo esgotado pintasse em algum lugar. Essa espera terminou há poucos dias.
A Few Acres of Snow é um jogo relativamente simples de controle de área assimétrico que emula centenas de anos de conflito entre o exército Inglês e Francês na fronteira dos Estados Unidos e Canadá. E apesar de ser um wargame onde você batalha pelo controle de cidades chave nesse local, ele utiliza-se de conceitos de deckbuilding ainda inovadores para época(o jogo é de 2011) para dar uma cara mais euro para o wargame.
Na parte de controle de área o jogo inova muito pouco. Você ganha pontos no final do jogo por cidades que você domina e por cubos/discos (vilas e cidades) do adversário que você capturou durante o jogo. Ao contrário de Mythotopia ele tem uma condição de fim de jogo clara e que não se arrasta por muito tempo. Mas se no controle de área ele não tem nada demais, é na implementação do deckbuilding nessa guerra é que o jogo inova e tem mecanismos bem diferentes e interessantes.
Em Few Acres o seu turno consiste em fazer duas ações. Você usa cartas para isso e passa para o outro jogador que faz duas ações e por aí vai até alguém vencer o jogo. A ideia é que vocês disputem o controle das cidades no mapa e se possível tome cidades do adversário pois ao atacar uma cidade você captura o disco ou cubo dele que vale ponto no fim do jogo. O jogo termina se você tomar a capital do outro jogador, se tiver colocado todos seus cubos ou discos ou se tiver capturado o equivalente de 12 pontos em cubos ou discos do adversário. Tá, mas o que tem demais nisso aí? Vamos lá então.
No jogo, ao contrário de outros wargames ou controle de área onde você parte de um local para tomar outro, você precisa ter cartas que te permitam fazer a ação que quer. As cartas tem duas áreas, uma área principal onde diz de onde suas tropas partem e qual é o meio de transporte necessário para sair dela. Já na borda(parte debaixo) são recursos que você pode usar a carta como. Cada carta só pode ser usada como 1 coisa no turno. Se ela é uma localidade e embaixo tem 2 recursos você precisa decidir, vou usar ela como localidade para me movimentar, ou como recurso. E se for como recurso só pode ser 1 dos debaixo, e não todos. Vou mostrar a foto abaixo para exemplificar melhor.

Na 1a foto lá em cima, digamos que você tenha controle de Norfolk e queira colonizar Richmond. Você então joga a carta de Norfolk e nela diz que a conexão com Richmond é por barco. Você então joga a carta de Barco (Bateaux) e a carta da Philadelfia sendo utilizada como Settler/Colonizador, um dos símbolos que está embaixo. Assim você então pode expandir e tomar Norfolk.
Mas se uma cidade está tomada pelo adversário, aí você precisa guerrear por ela. No segundo exemplo, os Casaca Vermelhas partem de Boston de Navio, jogam a carta de NY como recurso navio (impresso no banner embaixo da foto) e joga sua infantaria para, nesse exemplo lhe dar 2 de força militar.
Entendeu como você fica super limitado as cartas que tem para expandir ou atacar um local e qual é a importância do deckbuilding no jogo? Isso traz ao jogo uma angustia absurda de simplesmente gastar turnos e turnos para expandir 1 única cidade no mapa, algo que provavelmente era o que esses exércitos passavam nessa região tomada pela neve. E quanto mais você enche seu deck de cartas melhores, mais você demora para ter uma carta de um local do mapa de onde você consegue partir com suas tropas. É uma eterna angústia onde o único lado bom é que seu adversário provavelmente está sentindo a mesma coisa.
O mais bacana aqui é que você consegue inclusive marcar o adversário de acordo com as cartas dele que já saiu. Se ele acabou de jogar uma carta de Boston, você sabe que ele não tem mais a carta de Boston na mão e está vulnerável para algumas defesas e contra-ataques ali, pois ela só volta para mão dele quando todo o deck girar.
O jogo também tem alguns tipos de ataque mais simples como Pilhagem e Emboscada onde você usa umas cartas de ataque diretamente que não precisa dessa sequência toda de carta. Para quem já jogou o Twilight Struggle seria algo equivalente aos Testes de Realinhamento no TS sabe. Uma maneira alternativa menos forte de pegar o local adversário.
O jogo também tem uma reserva de até 5 cartas. Você gasta uma ação para por uma carta na reserva e ela fica disponível para o futuro. Assim, como uma ação gratis você pode recuperar toda sua reserva para mão quando quiser. Isso garante que você não fique dependente a mão perfeita para fazer um ataque. Você pode adicionar por exemplo infantarias, barcos etc na reserva para fazer o ataque a partir do momento que a carta da localidade cai na sua mão.
A batalha também é resolvida de uma maneira interessante. É um cabo de guerra que, se você, no início do teu turno estiver vencendo, a batalha é terminada. Até lá, os dois lados podem ir jogando infantarias para trazer o cabo de guerra para o teu lado.
Agora, um jogo de 2011 não existe sem alguns problemas. O maior dele, e um dos motivos pelo qual Few Acres é muito famoso é o fato dele ser "quebrado". O jogo foi um sucesso absoluto quando lançado, tido como genial até que um jogador saiu em uma epopéia no BGG para provar ao Wallace que existia um script definido que sempre daria a vitória a um jogador. O chamado Halifax Hammer. E conseguiu. Então, saiba que, se você entrar na internet para saber o que é o Halifax Hammer e como utilizá-lo, o jogo provavelmente perderá a graça para você.
Já eu, como não pretendo jogar 1000 partidas dele, nem pretendo ficar lendo passo a passo de como jogar, me divirto bastante com ele sabendo que nas minhas sei lá, 7, 10 partidas, não será suficiente para que eu quebre o algorítimo sem ajuda da leitura. Basicamente eu jogo sem imprimir o passo a passo e por isso me divirto a vera. E se isso te incomoda horrores saiba que foi lançado uma revisão de regras (o chamado 2nd edition) que muda alguns conceitos de setup que resolvem o problema da Halifax Hammer, mas o Wallace diz que sempre poderão surgir outros.
No final, pra mim esse chamado problema do jogo foi muito bem descrito pelo Rafael Coelho do Lost Token. Se você jogar qualquer euro 1000x e planilhar todos os resultados, será que você não vai achar uma estratégia dominante em todos eles?
Outro problema do jogo é que com 2 player, e um setup fixo, ele pode acabar ficando sendo um pouco repetitivo com o tempo. Isso é verdade para mim em quase qualquer wargame 2 players. Um Twilight Struggle da vida para mim é exceção pela quantidade de cartas que saem em ordens diversas mas no final ainda existem coisas que se repetem sempre.
Acho que o maior mérito de A Few Acres of Snow no entanto é ter um mecanismo de wargame e disputa de área toda controlada por deckbuilding. Não há dados ou sorte além da ordem de compra de cartas. Os ataques e expansões são limitados pela sua mão e isso o torna menos agressivo do que outros wargames (mas ainda é um pouco agressivo). No final eu senti que ele fez para os wargames o que o Automobile fez para os jogos de corrida sabe. Um jogo que tirou os dados, a alta aleatoriedade e colocou um deckbuilding controlando o avanço dos carros.
A Few Acres não é um jogo imperdível hoje em dia. Não é uma obra de arte de Martin Wallace. Mas é sim um jogo que utiliza-se de conceitos muito interessantes e diferentes para fazer o que outros jogos já tentaram. E faz isso de forma muito bacana. E mais importante do que tudo isso: é um jogo divertido. Por ser um jogo de 10 anos atrás ele é mais simples nos mecanismos do que eu esperava, mas isso também faz com que ele seja mais direto e com menos firula e mais rápido, tando nos seus turnos quanto na partida como um todo. Ele não reinventa a roda, só deixa ela mais redonda e a faz girar muito bem.
O jogo está Out-of-print e eu passei anos atrás de um até conseguir jogar. Mas não se desespere. O jogo está presente grátis no site do Yucata para que você possa conhecê-lo se interessar.
LPP, o Red Meeple: Apesar de ser conhecido por ser Eurogamer e apreciador de jogos mais complexos, não dispensa uma partida de filler ou jogos divertidos e de curta duração. Começou com Catan, jogou muito Munchkin mas até hoje é conhecido por 2 coisas: jogar sempre de vermelho e ter escrito o Guia de Twilight Imperium.