Do mesmo criador de Dominion? Sai pra lá!
Acho importante começar dizendo: embora admire a ideia. não gosto de Dominion, o jogo mais famoso do autor de Kingdom Builder (KB), Donald Vaccarino. Cheguei a jogar dúzias de vezes no passado e até me diverti, mas logo enjoei e passei a nutrir uma espécie de preconceito a jogos com mecânica de construção de baralhos por causa do jogo que a criou.
Dito isso, quando Kingdom Builder foi lançado, e mesmo depois de ganhar o tão cobiçado prêmio de jogo do ano de 2012 (Spiel des Jahres), não dei a mínima Na real, só conheci o jogo em meados de 2020, depois de alguma insistência de um amigo para uma partida no board game arena (BGA). Sorte a minha e vamos descobrir o porquê abaixo.
Só tenho tempo para uma única carta um único parágrafo (TL;DR)
O título da minha análise já diz tudo, certo? Eu não daria o nome de clássico a um jogo que não merecesse uma nota 10. O jogo é sensacional em sua simplicidade: rápido, repleto de alternativas estratégicas e muito divertido. Além disso, a caixa básica, mas especialmente a Big Box, proporciona uma variabilidade infinita em um jogo que pode ainda ser expandido por mais outras "n" expansões. Recomendo sempre. Nota 10.
Uma partida com a Big Box: combinações infinitas
"Tá bom, me conta o que essa carta faz"
Que delícia explicar este jogo (ainda mais depois de ter suado horrores para tentar dar sentido
na explicação do Bonfire).
Primeiro o tema (?): os jogadores representam empreendedores (?) que estão tentando construir o reino mais próximo em um mundo medieval longínquo qualquer.
Antes de começar a jogar, você vai preparar o setup: aleatoriamente sorteie quatro placas que formarão o tabuleiro. Estas placas contém algumas localidades específicas (oásis, fazenda, taverna, etc): separe as fichas correspondentes a estes locais. Sorteie 3 cartas de pontuação de final de jogo e dê uma carta de terreno para cada jogador.
Já deu para perceber que este setup vai garantir uma variedade infinita nas partidas? Vou falar mais disso no próximo tópico.
Aprender as regras de KB não leva 5 minutos: primeiro você mostra o tabuleiro repleto de hexágonos. Estes hexágonos possuem um tipo de terreno: pode ser floresta, gramado, campo de flores, deserto ou cânion. Existem também os rios e montanhas que, em tese, não podem conter as vilas dos jogadores.
No seu turno, você vai descartar a carta de terreno que tem na mão e construir 3 vilas em 3 hexágonos do tipo de terreno correspondente. Em qualquer lugar? A primeira vila do jogo, sim. As seguintes, tem que ser colocadas adjacentes a alguma que você já tem. Não possui mais nenhum terreno daquele tipo adjacente a uma vila sua? Então você pode começar a popular uma nova região.
Quando coloca uma vila adjacente a um local especial, você ganha a ficha daquele local e esta ficha vai te dar um poder especial no próximo turno (por exemplo: colocar uma vila a mais no deserto, construir no rio, etc.). Este poder pode ser usado antes ou depois de jogar sua carta.
Além dos locais especiais, ainda há hexágonos de castelo: não se pode construir sobre eles, mas se você construir adjacente a eles, vai ganhar 3 ouros (pontos de vitória) no final da partida.
Terminou de colocar as suas vilas e ativar o pode especial das suas fichas? Compre uma carta nova e a partida segue para o próximo a jogar.
Quando alguém não tiver mais vilas para colocar no tabuleiro (são 40 por jogador), completa-se o turno e verifica-se as 3 cartas de pontuação sorteadas no setup (por exemplo: 1 ponto para cada vila às margens de um rio, 4 pontos se você ligar um castelo a outro local especial, etc.) e os castelos os quais você possua adjacência. Ganha quem tiver mais pontos.
Fim.
O final de uma partida é sempre um prazer visual
A simplicidade de um gênio
KB é o euro estratégico de regras mais simples e diretas que você vai conhecer. Não tem segredo: é aquele jogo que você pode ficar 10 anos sem colocar na mesa e, quando colocar, não vai precisar de um minuto sequer para lembrar das regras (igualzinho os jogos do Lacerda, né?).
Sobre as qualidades, primeiro vou abordar a adaptabilidade ao número de jogadores: acho que KB funciona muito bem em 2, perfeitamente em 3 e bem em 4 (não testei em 5 e não recomendo). Prepare-se para alguns momentos de espera se jogar em 4 pessoas e, talvez, um pouco mais de caos e falta de controle na colação das suas peças (mesmo assim é divertido). Acho o jogo bem fluído, o que quer dizer que ele não é tão propício a analysis paralysis (AP). É totalmente imune a isso? Não. Principalmente no começo das partidas, é normal levar um tempo a mais planejando o que fazer já que a colocação inicial é muito importante.
Mesmo com estas pequenas esperas, acho o tempo de jogo perfeito: tenho terminado partidas em 2 jogadores em aproximadamente 20 minutos; acabo jogando 6 partidas seguidas sem nem perceber!
Porém, não é isso que o torna um clássico. Precisa de muito mais para isso, certo?
Ao meu ver, o grande brilho do KB está relacionado ao modo como as cartas de pontuação, os locais de bônus e a sua única carta se relacionam fortemente ao seu planejamento estratégico.
Ao iniciar uma partida, você precisa avaliar profundamente quais são as pontuações disponíveis e como você pode usar os locais de bônus para potencializar tais pontos. Nesta análise você também deve considerar o aspecto de posicionamento espacial das suas vilas, já que elas são limitadas e a regra de adjacência vai ditar o local onde suas próximas peças poderão ser colocadas.
Somado a tudo isso, temos a questão da carta em sua mão. Eu separei um tópico só para falar disso.
As cartas de pontuação: setup variável que altera muito a forma como você vai jogar a cada partida
"Ah, mas eu tenho uma carta só! Este jogo é pura sorte"
Um aspecto essencial do projeto de Vaccarino é a questão de você sempre ter apenas uma carta na sua mão. Assim, na sua vez, você não vai ter opção de escolher qual terreno ocupar: tem que ser aquele da carta e pronto.
KB recebeu inúmeras críticas justamente por causa disso. Várias pessoas disseram que o jogo acaba ficando a mercê da sorte ou que você não tem tantas decisões estratégicas para tomar.
Embora eu respeite as opiniões em contrário, escrevo para discordar fortemente delas. O fato de você ter apenas uma única opção por rodada desde o começo do jogo faz com que você precise avaliar de maneira integrada os três componentes que mencionei acima: quais pontos estão disponíveis? Quais locais de bônus me propiciam a melhor sinergia com esta pontuação? Qual local do tabuleiro me permite usar a minha carta de terreno de modo que eu não fique tão restrito e aproveite todo o potencial que tenho na minha posição do tabuleiro? São reflexões que você deve fazer a cada jogada, especialmente no começo da partida, já que, a partir do momento que você já possui vilas no tabuleiro, sempre que possível, as demais devem ser colocados adjacentes a ela.
Este timing do jogo também é interessante: se no começo você precisa se planejar para se conectar a locais de bônus e à menor quantidade possível de tipos de terrenos visando ampliar suas possibilidades de colocação, do meio para o final isso se inverte; quanto mais terrenos você tiver acesso, mais flexível sua estrutura se tornará e mais facilmente você conseguirá atingir os requisitos das pontuações.
Então quer dizer que você não fica a sujeito à sorte de comprar uma carta que não lhe será útil? Eu responderia que sim, a sorte tem o seu papel aqui, principalmente em se tratando de alguém em suas primeiras partidas ou ainda um jogador que não está fazendo uma análise correta destas variáveis que mencionei acima. Entretanto, a partir do momento que você passa a enxergar a restrição da única carta de forma integrada aos demais aspectos do jogo, ele se transforma em uma análise de risco em que você consegue mitigar muito este aspecto.
Uma partida no BGA: ótima forma de conhecer o jogo
O tema e a variedade estratégica
Uma outra crítica comum ao jogo é o fato de ele ser praticamente um jogo abstrato com variedade de setup (principalmente se considerarmos o big box). Eu concordo plenamente. O tema em KB é apenas um apoio ao aspecto visual e à singela explicação das regras, nada mais que isso. Contudo, isso não me incomoda nem um pouco, muito pelo contrário, até me agrada o fato de não haver um aprofundamento temático maior do que o necessário, algo que não combinaria com a simplicidade da explicação das regras.
Finalmente, um ponto muito positivo é a infinidade de configurações que cada partida pode ter: mesmo se considerarmos apenas a caixa base, já tem jogo diferente ali para muitas e muitas horas. Se olharmos para a big box e suas expansões, as possibilidade são infinitas - isso é também um ponto negativo já que, fazer o setup do jogo com todas as suas expansões pode se tornar uma tarefa um pouco irritante.
O que mais me chama atenção é que esta variedade não está limitada apenas a este ou aquele local estar disponível ou a uma pontuação diferente da última partida: a variedade realmente impacta na maneira como você vai jogar; em algumas partidas você vai focar em colocar mais vilas, em outra em movê-las ou bloquear seus adversários, e assim sucessivamente.
Clássico é clássico e vice-versa
Foi muito difícil escrever este texto. Senti muito medo de não conseguir passar a vocês o quanto este jogo é bom. Acredite, ele é extremamente gostoso de jogar, simples, divertido e estratégico. Não imagino minha coleção sem ele. Estou muito feliz de ter concordado em jogar uma partida no BGA com meu amigo Fabio Tola em uma tarde entediante durante a pandemia. Esta partida fez com que eu conhecesse uma obra-prima.
Veredito: um clássico.