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  4. Colonização, Capitalismo e Marte, ou por que eu amo On Mars

Colonização, Capitalismo e Marte, ou por que eu amo On Mars

On Mars
  • avatar
    LLoKKa03/03/21 08:34
    avatar
    LLoKKa
    03/03/21 08:34
    12 mensagens MD

    Eurogame é um rótulo que nasceu com o Acquire lá nos anos 60, ou seja, lá quando tudo ainda era mato. A ideia de um board game onde a interação indireta, e não o conflito armado, seria o protagonista da história que se desenrolaria na mesa era inovadora e agradou vários públicos. Inclusive eu!
    Entre a criação do termo e o meu nascimento, se passaram mais de 30 anos. Bota aí mais uns 20 até eu adentrar profundamente no hobby mesmo. Bem, eu acho que não é absurdo dizer que na 1ª vez que eu ouvi o termo eurogame, antes de me explicarem, uma das associações que fiz ao termo foi ao, tão recorrente, tema de colonização e exploração de terras.

    Nascendo e vivendo nestas terras (ainda) colonizadas, depois de um tempo (e ainda hoje), essa temática passou a me incomodar. Não me entenda errado, eu adoro Puerto Rico, eu adoro Mombasa. Pelo jogo, não pelo tema. Sinceramente, eu consigo abstrair muito bem e me perder no gameplay. Em especial quando se pensa em eurogames como representações bem abstratas, fica até mais fácil fazer isso né?



    https://ludopedia-posts.nyc3.cdn.digitaloceanspaces.com/a4d9e_kfcw0w.jpg
    Puerto Rico é tão bom que tem até derivados


    Pois então, quem me conhece ou acompanha o CorujaCast, sabe que eu não curto muito Terraforming Mars. A perspectiva do jogo é que representamos empresas que têm a missão de terraformar e, sim, colonizar o planeta vermelho. É muito importante salientar as cartas com diversos eventos que a gente joga e que o nosso objetivo é muitas vezes realizar etapas de terraformação antes dos outros: colocar um lago ali pra atrapalhar a outra pessoa, elevar a temperatura para ganhar tal bônus... Tacar um asteroide no planeta.

    Eu acho Terraforming Mars um jogo “okay”, que é melhorado pelas expansões. É tudo sobre uma disputa capitalista em cima de uma nova oportunidade de lucro. Mas essa temática traz tudo de errado da temática de colonização pro nosso futuro. Isso me incomoda profundamente. 



    https://ludopedia-posts.nyc3.cdn.digitaloceanspaces.com/c7a65_kfcw0w.jpg
    Tacar um meteoro para atrapalhar o competidor a terraformar? Pode.

    Se esse for o modelo pelo qual iremos seguir em frente, claramente a raça humana falhou como espécie e como sociedade. É como se não tivéssemos aprendido nada com a nossa história. E de novo, eu consigo abstrair e jogar o joguinho, sem problemas, apesar de nesse caso ser sobre uma ideia de futuro e me incomodar mais do que sobre o passado sujo da nossa história.

    Vamos para o Vital Lacerda agora. Os jogos do Vital Lacerda têm sempre um “push and pull” entre os jogadores, onde um vai fazer uma ação que vai permitir ao outro jogador fazer outra coisa e por ai vai. Eles funcionam num esquema de ação única e ações executivas, onde você acaba fazendo um pouquinho a cada turno e passando pro próximo jogador aproveitar as oportunidades que você criou e, por consequência, criar oportunidades para o próximo jogador.

    https://ludopedia-posts.nyc3.cdn.digitaloceanspaces.com/cb612_kfcw0w.jpg
    Olha que obra de arte!


    Não é que os jogos do Vital Lacerda não tenham competição ou “block”, muito pelo contrário, aliás. Mas sim uma competição que é mais do que a soma de suas partes. É algo sobre oportunidades e de estar disposto a cooperar para que possam prosperar. Isso é mostrado perfeitamente em CO2 onde, se a cooperação não acontece, todos perdem.

    On Mars desnuda essa ideia de cooperação totalmente! Para que seja possível a convivência em Marte, é necessário que façamos viagens entre a Terra e o planeta vermelho. É necessário que resolvamos variados e diversos problemas para a ocupação marciana, desde o oxigênio, até a energia, até os alojamentos para as pessoas. Isso tudo precisa de cientistas especialistas em cada campo para que tudo funcione de maneira mais eficiente. É imprescindível que alguém evolua e faça pesquisas em cada uma das áreas necessárias de evolução para que, não apenas ele, mas todos os jogadores se utilizem da tecnologia para que possam contribuir com a convivência em Marte.



    https://ludopedia-posts.nyc3.cdn.digitaloceanspaces.com/9fcfc_kfcw0w.png
    Um futuro que mostra uma relação mais humana com o planeta vermelho


    De novo, é a cooperação que vence o jogo. É o interesse mútuo que é o protagonista de On Mars. É você tentar otimizar as viagens entre a Terra e Marte. Não é o interesse privado e competitivo que vai fazer a futura sociedade marciana ir pra frente. Isso me lembra ainda 2 obras de ficção: The Expanse (série de livros e série da amazon) e também do filme “The Martian” com o Matt Damon - ouvinte assíduo do nosso podcast, diga-se de passagem – onde, em ambos os casos, não é o interesse privado e o desejo de riqueza privilegiada que move os nossos espíritos através do cosmos.

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    Comentários:

  • Raphael Lohan
    80 mensagens MD
    avatar
    Raphael Lohan03/03/21 12:28
    Raphael Lohan » 03/03/21 12:28

    Parabéns pelo texto. Adoro ler este tipo de resenha sobre nossos jogos de tabuleiro. Porém discordo um pouco da sua opinião.

    Em uma sociedade capitalista ninguém lucra sozinho. Todo mercado é um jogo de oportunidades em que, como vc abordou sobre os jogos do Vital, uma oportunidade para um puxa uma oportunidade para outro e assim vai. Garantia de livre mercado e competição entre empresas maximiza ainda mais esse jogo de oportunidades.
    Claro que tudo tem desvios e faz parte da nosso responsabilidade como sociedade civil a fiscalização e a mitigação destes desvios.

    Falando um pouco mais de board games agora, o Terraforming Mars também é um jogo de oportunidades e "um pouco cooperativo". Entender o jogo do adversário te dá a possibilidade de se aproveitar do jogo do amiguinho e no final terraformar Marte com bem mais eficiência. Por exemplo, se seu adversário está colocando lindos tiles de floresta no tabuleiro, pode ser uma excelente estratégia aproveitar está oportunidade para encher o planeta com vários tipos de animaizinhos. No final do jogo, apesar de quem ganhe mais dinheiro ou PV, teremos mais um planeta para morar e avançar nossa civilização sempre!

    Mais uma vez, apesar de eu discordar um pouco, parabéns pelo texto!

    8
  • Guy de Lombard
    458 mensagens MD
    avatar
    Guy de Lombard 03/03/21 14:04
    Guy de Lombard » 03/03/21 14:04

    Raphael Lohan::Parabéns pelo texto. Adoro ler este tipo de resenha sobre nossos jogos de tabuleiro. Porém discordo um pouco da sua opinião.

    Em uma sociedade capitalista ninguém lucra sozinho. Todo mercado é um jogo de oportunidades em que, como vc abordou sobre os jogos do Vital, uma oportunidade para um puxa uma oportunidade para outro e assim vai. Garantia de livre mercado e competição entre empresas maximiza ainda mais esse jogo de oportunidades.
    Claro que tudo tem desvios e faz parte da nosso responsabilidade como sociedade civil a fiscalização e a mitigação destes desvios.

    Falando um pouco mais de board games agora, o Terraforming Mars também é um jogo de oportunidades e "um pouco cooperativo". Entender o jogo do adversário te dá a possibilidade de se aproveitar do jogo do amiguinho e no final terraformar Marte com bem mais eficiência. Por exemplo, se seu adversário está colocando lindos tiles de floresta no tabuleiro, pode ser uma excelente estratégia aproveitar está oportunidade para encher o planeta com vários tipos de animaizinhos. No final do jogo, apesar de quem ganhe mais dinheiro ou PV, teremos mais um planeta para morar e avançar nossa civilização sempre!

    Mais uma vez, apesar de eu discordar um pouco, parabéns pelo texto!

    Acho que a questão é de ênfase. Uma abordagem enfatiza a necessidade de cooperação para salvaguardar o futuro e até a existência da espécie humana (quando colocamos em perspectiva a obra do Lacerda, especialmente os jogos abordados aqui), a outra enfatiza a ideia de super exploração de recursos e de vale tudo corporativo, o que tem levado a economia ao precipício e a humanidade à possibilidade real de extinção.
    Obviamente nenhum jogo (ou obra artística, ou ideologia, ou mesmo conceito) pode dar conta de explicar toda a realidade, mas dar ênfase a algum aspecto dela pode levar a uma reflexão a respeito do assunto. Acredito, talvez como o autor do texto, que atualmente seja melhor refletir sobre cooperação e degradação ambiental do que sobre livre comércio, até porque este último tem uma gama muito maior de defensores em diversos espaços políticos.

    6
  • Riosney
    53 mensagens MD
    avatar
    Riosney03/03/21 16:03
    Riosney » 03/03/21 16:03

    Gostei do texto desse ponto de vista.
    Vi que foi lançado a pouco tempo e não encontro.
    No meu caso eu busco jogos solos.
    Uma curiosidade, quando o On Mars foi lançado quanto custava e hoje quanto vale pagar por um usado?

    0
  • Gabriel Dionisi
    2 mensagens MD
    avatar
    Gabriel Dionisi03/03/21 17:48
    Gabriel Dionisi » 03/03/21 17:48

    Fantástico o texto e a análise. Parabéns.

    1
  • Guy de Lombard
    458 mensagens MD
    avatar
    Guy de Lombard 03/03/21 18:12
    Guy de Lombard » 03/03/21 18:12

    Riosney::Gostei do texto desse ponto de vista.
    Vi que foi lançado a pouco tempo e não encontro.
    No meu caso eu busco jogos solos.
    Uma curiosidade, quando o On Mars foi lançado quanto custava e hoje quanto vale pagar por um usado?

    Ele não foi lançado de fato, a editora apenas importou a versão gringa do jogo sob demanda. Foram cópias limitadissimas a um preço de quase R$ 900

    2
  • Faribero
    84 mensagens MD
    avatar
    Faribero04/03/21 08:54
    Faribero » 04/03/21 08:54

    Adoro jogos de colonização e exploração. Adoro escravizar meeples, sejam eles azuis, verdes, vermelhos ou amarelos, fazendo-os trabalhar incessantemente em troca de um prato de comida ou nem isso. 

    Adoro ter no cantinho meu da mesa tudo o que puder de marcadores de recursos e dinheiro, deixando o oponente sem nada, amando vê-lo falir. 

    Ah se tenho um exército então. Que delícia bombardear tudo e mandar os meeples inimigos definitivamente para a cova (ou caixa do jogo).  

    E sim. Por mim extraio todo o titânio e aço de marte e deixo os marcianos sem nada. Que delícia!

    3
  • Raphael Lohan
    80 mensagens MD
    avatar
    Raphael Lohan04/03/21 12:36
    Raphael Lohan » 04/03/21 12:36

    Guy de Lombard ::
    Raphael Lohan::Parabéns pelo texto. Adoro ler este tipo de resenha sobre nossos jogos de tabuleiro. Porém discordo um pouco da sua opinião.

    Em uma sociedade capitalista ninguém lucra sozinho. Todo mercado é um jogo de oportunidades em que, como vc abordou sobre os jogos do Vital, uma oportunidade para um puxa uma oportunidade para outro e assim vai. Garantia de livre mercado e competição entre empresas maximiza ainda mais esse jogo de oportunidades.
    Claro que tudo tem desvios e faz parte da nosso responsabilidade como sociedade civil a fiscalização e a mitigação destes desvios.

    Falando um pouco mais de board games agora, o Terraforming Mars também é um jogo de oportunidades e "um pouco cooperativo". Entender o jogo do adversário te dá a possibilidade de se aproveitar do jogo do amiguinho e no final terraformar Marte com bem mais eficiência. Por exemplo, se seu adversário está colocando lindos tiles de floresta no tabuleiro, pode ser uma excelente estratégia aproveitar está oportunidade para encher o planeta com vários tipos de animaizinhos. No final do jogo, apesar de quem ganhe mais dinheiro ou PV, teremos mais um planeta para morar e avançar nossa civilização sempre!

    Mais uma vez, apesar de eu discordar um pouco, parabéns pelo texto!

    Acho que a questão é de ênfase. Uma abordagem enfatiza a necessidade de cooperação para salvaguardar o futuro e até a existência da espécie humana (quando colocamos em perspectiva a obra do Lacerda, especialmente os jogos abordados aqui), a outra enfatiza a ideia de super exploração de recursos e de vale tudo corporativo, o que tem levado a economia ao precipício e a humanidade à possibilidade real de extinção.
    Obviamente nenhum jogo (ou obra artística, ou ideologia, ou mesmo conceito) pode dar conta de explicar toda a realidade, mas dar ênfase a algum aspecto dela pode levar a uma reflexão a respeito do assunto. Acredito, talvez como o autor do texto, que atualmente seja melhor refletir sobre cooperação e degradação ambiental do que sobre livre comércio, até porque este último tem uma gama muito maior de defensores em diversos espaços políticos.

    Concordo na questão de ênfase e ponto de vista.
    Nunca joguei On Mars (infelizmente, diga-se de passagem), mas segundo o texto do tópico posso entender que nele o ponto de vista é pelos cientistas que fazem parte das empresas interagindo em solo marciano, para sobreviver e explorar as fronteiras marcianas. Já no Terraforming Mars temos o ponto de vista das corporações que investem e financiam todo esse desenvolvimento. 
    Do ponto de vista histórico, melhor empresas particulares colonizando marte do que reinos absolutistas como foi a colonização da América latina. Empresas privadas precisam dar explicações de seus atos à sociedade civil, reis absolutistas não.
    Excelente tópico de discussão. Abraço!

    2
  • Lpporto
    889 mensagens MD
    avatar
    Lpporto04/03/21 13:04
    Lpporto » 04/03/21 13:04

    O que eu tenho visto como conceito de design interativo mais a cara do euro game é o conceito de interação positiva. A interação positiva é o famoso levantar a bola. Isso não é novo é claro, Brass tinha isso 200 anos atrás. Mas a busca de uma interação, sem que eu precise destruir o castelinho de areia do amiguinho tem sido por aí.


    Como vc falou Puerto Rico tem isso. Vc vai na aba do cara. On Mars tem isso também. Tudo que você constroi abre novas possibilidades para os amigos. Carnegie é outro que vai nessa linha.


    Obvio que no final, pra jogador competitivo a gente acha maneira até de marcar a interação positiva né. Espera o cara tá zerado pra levantar a bola e deixar ele puto pq perdeu a oportunidade, essas coisas. No Brass então, ficava marcando a ordem de jogador pra fazer 4 ações seguidas e levantar a bola pra si mesmo. Mas pelo menos ninguém fica puto de que foi prejudicado. 


    Unico problema dessas levantadas é que, numa mesa competitiva, um elo fraco, pode jogar de levantador pro jogador seguinte. E aí, vc só vai assistir o jogo vendo o narrador gritando Giiiiiiiiiiiiiiibbbaaaaa!

    7
  • Diego Ni
    467 mensagens MD
    avatar
    Diego Ni04/03/21 16:20
    Diego Ni » 04/03/21 16:20

    Parabéns pelo texto e pela disposição em trazer uma discussão dessas pra cá.

    A primeira vez que eu me atinei pra essa crítica que vc faz a esses temas de jogos foi quando joguei Pulsar. Eu achei deprimente como quase sempre que um autor se dispõe e tem a liberdade pra imaginar um futuro possível, ele fica preso à lógica capitalista. Qualquer outra realidade é uma extrapolação de nossa própria, e muitas vezes isso é até glamourizado. Quanto mais você explorar, devastar e concentrar riqueza, mais incrível vc é. Consciente ou inconscientemente tratam esse sistema como se fosse algo natural.

    Pra quem se interessou pelo seu texto e gostaria de aprofundar, recomendo fortemente o livro Realismo Capitalista, do Mark Fisher.

    Sobre o jogo, nunca tinha despertado meu interesse até ler sua resenha :)

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