O game designer italiano Daniele Tascini, autor de jogos de sucesso como Tzolk’in e Teotihuacan, teve seus contratos com as editoras Board & Dice e Hans im Glück encerrados devido ao uso de termo racista em uma discussão ocorrida originalmente no Facebook sobre a cor da pele dos Orcs e como sua descrição e natureza frequentemente refletem um estereótipo racial negro.
Postagem original de Daniele Tascini e ao lado a tradução em inglês postada no Twitter por Jay Bell.
Efka Bladukas é apontado como inicialmente a pessoa que trouxe a questão do Facebook para o Twitter e que acabou gerando uma série de manifestações de desaprovação a declaração acima exibida por diversos membros da comunidade, desde populares criadores de conteúdo até outros game designers.
Em sua defesa, Daniele Tascini na postagem que fez em seu perfil no Facebook alega que houve um erro na tradução de suas palavras do italiano para o inglês. Segundo ele, a palavra utilizada originalmente não teria a mesma conotação racista que o seu correspondente em inglês e que seu uso foi retirado do devido contexto. Apesar de usar o termo desculpas por várias vezes, o que fez em sua declaração foi tentar justificar, sem reconhecer, o erro.
A declaração completa pode ser conferida no perfil de Daniele Tascini no Facebook.
O tweet original de Efka Bladukas levanta justamente a questão apontada por Daniele Tascini e pede para que outros italianos esclareçam isso. Apesar de alguns afirmarem que o game designer está correto e se trata realmente de uma tradução infeliz, muitos afirmaram que ambas as palavras possuem o mesmo teor racista.
Abaixo desse tweet vem o print do original em italiano escrito por Tascini e postado mais acima.
E aqui dou uma pausa no relato dos fatos para colocar a minha opinião pessoal usando exatamente a questão contextual. Acho que posso afirmar sem risco de exagero de minha parte que a maioria das pessoas não-brancas já ouviram essas ditas “brincadeiras” vindas de “amigos” brancos em relação a sua raça. A questão poderia facilmente ser ampliada para incluir mulheres e pessoas LGBT também. A “desculpa” é sempre a mesma, não importa o idioma, toda vez é dito que essas pessoas não se ofendem. Por que essa aparente necessidade de se agarrar ao uso de termos ofensivos?
Jay Bell, apontado junto com Efka Bladukas como tendo trazido a questão do Facebook para o Twitter, traz algo muito interessante em seu tweet sobre o caso que é o link de uma entrevista recente dada por Daniele Tascini comentando sobre Inclusão em Jogos de Tabuleiro no site Fustella Rotante. Entrevista em que o game designer italiano faz diversas declarações contrárias e ataca um artigo escrito sobre a questão pela game designer Elizabeth Hargrave, autora de Wingspan.
O tweet de Jay Bell mencionando a entrevista ao site italiano Fustella Rotante.
Estou dando grande destaque a essa entrevista, pois ela nos aponta que não se trata de um deslize infeliz cometido por Daniele Tascini, mas indica toda uma estrutura de pensamento que dá suporte e leva a esse tipo de declaração. Não é um caso isolado. O pior de tudo, e talvez o mais triste, é que não raro eu vejo esses ideais sendo propagados por uma série de pessoas no nosso meio.
Trecho traduzido de uma das declarações feitas por Tascini para dar apenas um exemplo.
Diante do ocorrido a reação da editora polonesa Board & Dice foi o encerramento imediato do contrato com Daniele Tascini. Isso tem efeito sobre projetos em andamento e futuros, não atingindo os títulos já lançados. Sobre o pedido de desculpas, a editora se manifestou como sendo considerado insuficiente, apontando que não houve admissão do erro e sim uma tentativa de contextualização. Uma frase muito importante e que merece destaque usada no comunicado na editora é: “Palavras importam, mas ações importam mais”.
A íntegra do comunicado emitido pela Board & Dice.
Logo em seguida, foi a vez da editora alemã Hans im Glück informar o encerramento imediato de seu contrato com Daniele Tascini. Em comunicado publicado em seu site, temos mais uma vez a condenação do pedido de desculpas feito pelo game designer italiano, em que é apontado a falta de compreensão do dano causado, falando ainda sobre questões relativas a privilégio branco e racismo cotidiano.
Trecho do comunicado da Hans im Glück.
Diferente da Board & Dice que informa que está obrigada por contrato a apoiar os jogos já publicado, cancelando apenas os projetos não lançados, a Hans im Gluck informa o efeito de sua decisão mesmo sobre o que já foi lançado. Não haverá mais disponibilização dos jogos para as lojas.
No entanto, a editora solicita que não haja punição as lojas que já possuem os jogos em seus estoques, informando que todo e qualquer lucro advindo da venda dos jogos de Daniele Tascini por ela publicados será revertido para uma ou mais organizações que se dedicam ao tema do racismo.
O que aconteceu com Daniele Tascini é algo que até pouco tempo seria simplesmente inimaginável e isso é o mais importante de toda essa situação. As atitudes das editoras Board & Dice e Hans im Glück não vão resolver os problemas referentes a preconceito presentes no mercado de jogos. Porém, esses posicionamentos servem como apoio em uma luta tão difícil e colocam o dedo em uma ferida que muitos tentam fingir que não existe porque não os atinge.
É muito fácil estar em um lugar de privilégio tão elevado de poder refutar tudo o que é dito por minorias como mero “mimimi”. Dizer, assim como Daniele Tascini, que quem está de fora é que deve se esforçar para fazer parte. Justamente essas pessoas que nunca precisaram se esforçar para nada, não sabem o que é estar de fora, não sabem o que é não ser aceito. Pessoas para quem todas as portas estão sempre abertas.
Como dito mais acima, temos aqui uma questão muito maior que envolve uma mudança de uma estrutura de pensamento que sustenta o nosso hobby como elitista e excludente. Palavras e atitudes ofensivas não surgem do nada, elas vem dos ideais que temos, da nossa visão de mundo. Algo que só pode ser mudado quando nos dispomos a isso. Muito se fala que o mundo está chato hoje em dia. Se o conceito de chatice é não poder ser ofensivo sem sofrer as devidas consequências, então meu desejo é que fique cada vez mais chato.