Kavita::Só lembrando que Ankh, que é do Lang, é temática negra e, graças, sem whitewashing!
Eu, enquanto homem preto, acho super pertinente essa discussão ser trazida pra dentro dos boardgames, já que poucas vezes me vi representado. Mas mais que discutir se o Eric Lang, dentro da máquina imperialista estadunidense, deve ou não criar boards com mais representatividade, a discussão deveria ser trazida pros criadores brasileiros, já que somos um país preto (e não essa falácia de país miscigenado) e no entanto, apesar de uma louvável iniciativa ou outra (como Quissama ou o RPG Kalimba), ainda somos muito pobres de jogos com temática afro-brasileira.
E devemos questionar sempre nossos gostos, porque eles são construídos, e mais do que isso, colonizados. Aprendemos desde crianças que vikings e cavaleiros são legais, mas o que sabemos dos heróis de África? Sabemos tudo do panteão grego, mas o que sabemos dos Orixás? O que sabemos dos guerreiros Massai, os caçadores de leões? De Zumbi dos Palmares e Dandara? Dos abolicionistas pretos, como Ricardo Gama?
Tudo isso daria pano pra maravilhosos boardgames, tanto quanto (ou mais) que qualquer temática do dominante.

Ps: considero Mombasa um crime. E não, ótimas mecânicas não o salvam de ser extremamente racista. Só a ilustração da caixa, racista e machista ao mesmo tempo, já merece total repúdio.

Acho que Mombasa retrata um momento histórico e a ilustração da caixa retrata um dos elementos daquele tempo. 

Não jogo Mombasa porque não quero jogar algo que retrate o tema dessa maneira, principalmente me colocando pra fazer coisas que eu nunca iria querer fazer e condeno, mas entendo quem se diverte com o jogo e gosta da mecânica.

Espero que um dia peguem Mombasa e mudem o tema mantendo as mecânicas, aí eu irei dar uma chance. Igual Five Tribes que tinha carta de muito mal gosto retratando a escravidão. Quem quer jogar e ficar olhando pra foto de um escravo e agir como se estivesse colecionando eles? Felizmente mudaram e posso apreciar o Five Tribes que é um jogaço.

Ótimo texto! 

Kavita::

Ps: considero Mombasa um crime. E não, ótimas mecânicas não o salvam de ser extremamente racista. Só a ilustração da caixa, racista e machista ao mesmo tempo, já merece total repúdio.

Esse tema do Mombasa é preconceito num nível assustador, quando vejo aquilo sempre fico em dúvida se não foi intencional, e como não havia um editor para olhar além das mecânicas.

Uma coisa parecida que está me deixando cabreiro é pensar como os designers brasileiros vão tratar a mecânica do workerplacement quando colocarem tema colonial ou império. Porque era escravo e índio aprisionado, né? O jogador para arranjar mais meeple vai adquirir escravo no cais?

jogamana::

Você foi nosso primeiro herói nas telonas. Nosso espelho. Nossa luta. Nosso respiro de esperança. Você foi e sempre será nosso rei e nossa inspiração. A comunidade preta está com o coração chorando, enquanto celebramos seu legado e a força que deixou em nós. Nossos ancestrais te abraçam por nós! – 29/8

Porque esse tipo de tópico nem deveria existir? Porque incomoda eu querer me sentir representado dentro do hobby que tanto gosto? Porque eu, enquanto preto, tenho que achar normal e não devo me incomodar com jogos como Mombasa ou Puerto Rico?
Esses dias em uma rede social uma adolescente perguntou se só ela se sentia incomodada de não ter tido uma boneca na infância que a representasse, e uma outra mulher só que branca respondeu na postagem: "Que diferença faz se a boneca é branca ou negra? A criança só quer saber de brincar." E sim, faz toda a diferença para uma criança preta ter uma boneca preta ou um herói preto. A mulher branca não entende porque ela sempre esteve representada nos filmes, nos jogos, nos livros, inclusive em suas bonecas. Vamos fazer um exercício simples? De cabeça, quais designers famosos pretos ou pretas você conhece sem ser o Eric Lang? Mais uma, quantos pretos tem nos seus grupos de jogatinas que possuem jogos? Contando todos os meus grupos de jogatina deve dar em torno de umas 30 pessoas, dessas somente eu e mais um preto possuímos jogos. E não é só aqui não caso alguém diga que isso é local, temos esse mesmo tipo de debate no BGG. Vá no Instagram por exemplo e procure por criadores de conteúdo pretos.
Sim, aqui é lugar para esse tipo de debate.

anjocaido::Sim, aqui é lugar para esse tipo de debate.

Minha maior crítica, é que na maioria das vezes não há debate (por ambos os lados), só há exposição, cada um na sua bolha. Perguntas são ignoradas, e propostas de solução nem são debatidas. A maioria nem está disposta a mudar de opinião só quer reafirmar suas crenças com frases de efeito. Pra mim se perde muito tempo criando um arcabouço teórico para taxar grupo X de rótulo Y em vez de se debater ações de fato.
Claro, vai ver eu sou só mais um preso na minha própria bolha e crenças sobre como esses temas devam ser conduzidos.

rivaben::Ótimo texto e reflexão. Precisamos de mais threads como essa por aqui!

Ficamos muito felizes com seu comentário e receptividade do texto!
Não queremos criar bolhas com pessoas que pensem tudo igual, queremos refletir, trocar e conectar mesmo, para expandir ainda nossa nossa consciência sobre o tema e, esperançosamente, gerar mudanças positivas no mundo
Obrigada pelo comentário!
Sigamos trocando!

isR34L::

jogamana::

Siga-nos também no instagram: @joga_mana

Será que é mesmo incoerente designers pretos fazendo jogos com temas europeus? Dentro da luta antirracista, não. E explico com dois pontos-chave do que lutamos:

1. Ter pessoas pretas em condições de equidade com as demais;
2. Ter descentralização de temas e mais representatividade.

No que diz respeito ao mundo dos jogos (e de forma bem resumida), seria equivalente a: ter mais designers pretos/as produzindo jogos & ter mais temas afro-centrados nos jogos.

Perceba: uma coisa não exclui nem depende da outra.

Justo, não há dependência, mas pergunto: é errado um designer branco fazer um jogo só com personagens brancos? Pergunto isso, até lembrando da polêmica no BGG sobre o Alma Matter:

https://boardgamegeek.com/thread/2477850/disappointed-alma-mater-has-no-characters-color-al

Onde a autora do post, mulher preta, afirma:

"In 2020, in my opinion, there should not be board games that come out with all white characters."
(Em 2020, na minha opinião, não devem existir lançamentos de boardgames em que todos os personagens são brancos)


Ela, por exemplo acaba discordando da visão de vocês, dando a entender que o item 2, nos dias de hoje, é pré-requisito. Na verdade ela até concorda com o autor da imagem do post, que diz que o Eric Lang acaba vacilando na escolha dos temas dos seus jogos. Qual a opinião de vocês?


Parabéns por trazer o tema para debate, vamos ver quanto tempo demora sem ser trancado.

hahaha Estamos na torcida para que não seja trancado mesmo. A troca dessa vez está mais aberta e respeitosa do que geralmente acontece com temas assim, então talvez o tópico consiga seguir firme e forte hehe

Respondendo teu questionamento (muito interessante, por sinal, pois me fez refletir ainda mais sobre o tema):
Eu não conhecia essa polêmica. Então, vou te responder me baseando no post inicial da Jennifer (que li agora para te responder melhor).
Bom, eu diria que ela concorda com o que colocamos no sentido de que para nós (JM e a luta antirracista de modo geral) tanto o item 1 quanto o 2 deveriam ser pré-requisitos. hehehe

A ideia é justamente essa: viver em um mundo em que essas duas coisas aconteçam. Ponto. Dá uma canseira esse lance de falta de diversidade, de tudo muito embranquecido sem ter uma real razão para tal. Então, pensando nisso, eu diria que não é errado um designer branco fazer jogo só com personagens brancos. Ele pode criar o jogo que quiser. Só que não vou também dizer que o cara está contribuindo para luta antirracista. Ele claramente não está. E tudo bem. Lutamos coisas distintas e vida que segue. Pessoas não brancas vão se sentir atraídas pelo jogo do rapaz? Provavelmente não ou se sim, não em relação a se verem representadas ali. Mas é isso, a gente vai atrás de inspiração e representação em outros jogos.

Sobre Lang, eu particularmente gosto mais da ideia de que ele faça o jogo que ele queira fazer. Sem ter qualquer TAG ou regra embutidas na sua criação que faça com que ele não exerça sua liberdade. Senão, vira aquele esquema de: mulher só pode fazer jogo com temática feminina, gente preta só faz jogo de temática africana. E essas caixinhas não são expansivas, ao meu ver. Agora, se seria incrível ter mais jogos com temática africana desenvolvido por ele (ou qualquer outro/a designer preto/a)? Meu amigo, vou te falar que até arrepio só de imaginar.

--Nanda

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Será que é mesmo incoerente designers pretos fazendo jogos com temas europeus? Dentro da luta antirracista, não. E explico com dois pontos-chave do que lutamos:

1. Ter pessoas pretas em condições de equidade com as demais;
2. Ter descentralização de temas e mais representatividade.

No que diz respeito ao mundo dos jogos (e de forma bem resumida), seria equivalente a: ter mais designers pretos/as produzindo jogos & ter mais temas afro-centrados nos jogos.

Perceba: uma coisa não exclui nem depende da outra.

Justo, não há dependência, mas pergunto: é errado um designer branco fazer um jogo só com personagens brancos? Pergunto isso, até lembrando da polêmica no BGG sobre o Alma Matter:

https://boardgamegeek.com/thread/2477850/disappointed-alma-mater-has-no-characters-color-al

Onde a autora do post, mulher preta, afirma:

"In 2020, in my opinion, there should not be board games that come out with all white characters."
(Em 2020, na minha opinião, não devem existir lançamentos de boardgames em que todos os personagens são brancos)


Ela, por exemplo acaba discordando da visão de vocês, dando a entender que o item 2, nos dias de hoje, é pré-requisito. Na verdade ela até concorda com o autor da imagem do post, que diz que o Eric Lang acaba vacilando na escolha dos temas dos seus jogos. Qual a opinião de vocês?


Parabéns por trazer o tema para debate, vamos ver quanto tempo demora sem ser trancado.

Eu acho que o Lang apenas escolhe temas que vendem mais. É triste, mas grande parte dos consumidores é adepta da visão eurocentrista e não se interessa por temas relacionados à luta negra. Enfim, capitalismo, o dinheiro comanda, infelizmente...
Acredito sinceramente que, se dependesse somente da vontade dele, se ele não pensasse na lucratividade, os temais não seriam eurocentristas. 
O que o mercado precisa, isso sim, é de mais jogos com temática negra, independente da cor do designer. Ninguém aguenta mais ver reis
, rainhas, nobres, brancos, nas capas dos jogos, muitas vezes escravagistas enrustidos ou imperialistas colonizadores. Ou jogos com nomes de cidades europeias ou capitais de ex-colônias, cujas riquezas na época foram exploradas da África, América ou Sudeste Asiático.
Nem tema viking (nórdico), que já deu o que tinha que dar.

Pensando na praticalidade do mundo dos bgames (em outras palavras, o que é mais rapidamente percebido entre nós na hora de jogar) é realmente essa ausência significativa de temas que não sejam eurocrentados que parece ser o que mais precisamos no hobby. 

Daí, para além disso, estamos também refletindo sobre os bastidores (quem está criando os jogos e em que condições) e a própria diversidade dos jogos em si. Que são outros pontos que convidamos também a refletir e levar em consideração.

Aí você trouxe um tema que vire e mexe eu fico pensando: até que ponto é verdade essa relação de vendas x diversidade? Eu de verdade não sei te dizer. Por um lado, concordo contigo quando penso no que é o mais tradicional e que vende mais. E via muitas empresas optando pelo padrão por ser algo mais conhecido mesmo. Vide o mundo embranquecido. Só que por outro lado, eu percebo uma mudança bem drástica de percepcão sobre essa falta de diversidade. E uma mudança está acontecendo. Vejo filme como Pantera Negra (primeiro herói preto da Marvel) - que provavelmente demorou para chegar por acharem que não ia vender - ser um dos filmes com a maior bilhereria do universo Marvel. Como assim não vende, né? 

Essas coisas me fazem pensar muito...até onde vai essa verdade de que diversidade não vende? Talvez ainda seja um terreno pouco explorado. E tudo está ainda sendo observado e entendido. Ou talvez, seja um discurso para proteger o padrão. Vai saber.

Nós da JogaMana, por aqui, fiicamos no nosso papel de continuar trazendo esse tema para gerar mais conscientização e despertar.
Obrigada pelo seu comentário!
Sigamos refletindo!

efaultattr=:
Particularmente sou apaixonado por distopias, temas medievais e pelo espaço. Também gosto de tema viking/nórdico. Talvez seja algo que já deu pra você, e eu entendo isso perfeitamente porque realmente foi muito explorado, mas são temas que eu gosto muito. Se eu fosse desenvolver jogos, muito provavelmente pensaria ou em desenvolver esses temas citados, ou em ganhar dinheiro porque ser designer pelo que eu vi não dá tanto dinheiro assim, e eu iria gostar de poder realizar os meus sonhos pessoais e dos meus familiares. Não acho isso triste.

Mas será que esses temas não são tão dominantes e vendidos porque são os únicos apresentados? Será que você nao possui esse gosto só porque o mercado não nos dá muitas outras oportunidades de conhecer outros temas e assim ampliar nossos territórios? É essa a perspectiva que a luta por diversidade tenta nos apresentar.
O hobby poderia ser muito melhor se pudéssemos ter em nossa coleção jogos de vikings, zumbis, colonização de Marte e sobre o Império do Mali. Preferir um ao outro está longe de ser racismo, mas apresentar temas só sob um ponto de vista indica uma cultura racista.
Lutar contra essa cultura implica em primeiro mostrar que ela existe, mostrar as maneiras como ela se manifesta e depois em remediar isso, inclusive com um pouco de sacrifício pessoal e, convenhamos, prestigiar um jogo sobre orixás em detrimento de um sobre vikings é um sofrimento pequeno se comparado com aquele das vítimas dessa cultura.