Quando alguém despretensiosamente te faz a seguinte pergunta: "qual é o seu time?", uma série de pressuposições são automaticamente construídas. A mais óbvia delas é que muito provavelmente se trata de um time de futebol. Seguindo a linha de raciocínio, assumindo que a premissa anterior esteja de fato correta, essa lógica nos leva a crer que, dado o contexto, nós necessariamente "temos" ter um time (de futebol) do coração.
Por que agimos e pensamos dessa forma? Uns poderiam falar que está na nossa cultura, outros ousariam ir ainda mais longe: "está no nosso DNA". Só se for no seu, cara pálida, você provavelmente não é meu parente. Eu não gosto de futebol. Nada contra quem goste, mas particularmente não tenho paciência de ficar 90+ minutos assistindo a um jogo. Para alguns, você nem sente o tempo passar. Para mim, uma verdadeira eternidade. Por outro lado, certamente muitos "de fora" do nosso hobby não entenderiam alguém que fica 4+ horas manipulando pecinhas de plástico e madeira numa placa colorida de papelão.
Tempos atrás, de tanto ouvir que eu era esquisito por não ter um time de futebol, acabei optando por dizer que sou botafoguense, apenas para me livrar da situação de ter que esclarecer o jovem desinformado que nem todo mundo nesse país gosta de futebol e, por isso, não necessariamente "tem um time". Falar que sou botafoguense era muito mais fácil, isso me economizava uns bons minutos de oratória. O leitor mais entendido do assunto talvez esteja se questionando "por que não um time mais popular?". A grande verdade é que ninguém se importa com o Botafogo, logo esse era o time perfeito para mim, dado que eu não me importo com futebol. É possível que um botafoguense legítimo no recinto tenha se sentido ofendido com essa declaração.
Brasileiro é muito noveleiro, já tem toda uma trama desenhada na cabeça dele a partir de um rótulo (a ironia da coisa é que eu acabei de estabelecer um rótulo para os brasileiros aqui com essa declaração). Se eu falo que eu torço para o time x, automaticamente eu sou colocado na gavetinha x e o indivíduo já tem um dossiê sobre a minha pessoa, sendo que eu literalmente só falei uma palavra. O mesmo vale para signos (para quem acredita nessas coisas (até o acreditar ou não consiste em um rótulo por si só)), religião, política, etc.. O fato é que não somos noveleiros. Somos na verdade muito mais do que isso, somos clubistas.
Esse texto não é sobre futebol, jovens, é sobre clubismo. Permita-me reconstruir o questionamento que abriu este texto. Qual é o seu time? Euro ou Ameritrash? Melhorou? Que tal... Uwe ou Feld? Gaia Project ou Terra Mystica? Birmingham ou Lancashire? Qual dos três Azuis? Eu poderia ficar horas aqui tecendo perguntas do gênero. Aposto que mentalmente você já tem uma resposta consolidada para essas perguntas. Por que isso acontece?
A resposta é simples e o desenrolar é complexo: somos seres sociais.
Queremos inconscientemente fazer parte de algo maior do que nós mesmos. É mais forte do que nós, trata-se de um instinto de sobrevivência. Há muito tempo atrás, esse mecanismo foi utilizado para que sobrevivêssemos aos desafios impostos pela natureza; hoje o fazemos para que sobrevivamos a nós mesmos, à pressão dos pares.
Por que praticamente todo mundo quer o Top 10 e quase ninguém liga para o "Top" 362? O que faz com que você olhe para um jogo sem nunca tê-lo jogado de fato como se ele fosse a oitava maravilha do mundo moderno e o jogo lá embaixo você olha com certo nojinho e desconfiança? Vamos mais longe, por que você fica incomodado quando alguém fala mal do seu jogo? Por outro lado, por que você fica feliz quando vê o seu jogo lá em cima no ranking? Ou ainda, será que muito provavelmente você já não comprou o jogo porque ele já estava no topo para começo de conversa?
Não me entenda mal, rankings são um mal necessário para a manutenção do nosso hobby em larga escala.
Milhares de novos jogos são publicados todos os anos. Não há tempo hábil de se consumir tudo isso. Um dia não tem tantas horas, um ano não tem tantos dias. Tempo é o seu bem mais precioso. Precisamos de um filtro. O problema, meus caros, é que por muitas vezes não temos o filtro do filtro.
Quantas vezes você comprou o jogo do momento, sendo que, no íntimo do seu ser, você nem gostou de verdade do jogo tanto assim, mas você não se permite falar para o restante do mundo que você pensa o contrário? Então você se "esforça" para gostar do jogo. É que nem vinho, você que bebeu errado. O vinho nunca tem culpa de nada. É tanta gente falando que é bom que você até acredita, não é mesmo? Já ouvi isso em algum lugar em meados da década de 40...
Quantas vezes, por acaso, você jogou um jogo desconhecido e pensou "nossa, esse jogo merecia estar muito mais lá em cima no ranking!"?
Ranking é uma métrica para algo completamente subjetivo e manipulável. É recíproco: manipulamos e somos manipulados pelo ranking. Manipulamos os rankings com nossas ínfimas contribuições de gotículas em meio ao oceano. Notas altas para o meu time jogo do coração, e notas abissais para o time do adversário aquele jogo que eu não gosto tanto assim, que eu não acho que mereça uma posição de destaque no ranking. Quem gosta desse jogo está errado! Eis aqui o meu selo de descontentamento!
Não há nada de errado em dar uma nota alta ou baixa para um jogo. O problema é que muitas vezes nos esquecemos da intencionalidade por trás das coisas. O que o jogo que está lá no topo tem a nos dizer? Apenas que um monte de gente se juntou e deu notas altas para ele. Essa é literalmente a única afirmação que podemos extrair desse dado com certeza. Se ele é realmente bom ou se ele é meramente fruto de um efeito manada, de um monte de gente que precisa projetar o seu ego escondendo suas inseguranças a partir da aprovação de seus pares em torno de uma métrica completamente artificial e subjetiva... bom, eu sinceramente não sei responder essa questão.
A única coisa que eu sei é que só vou verdadeiramente saber se eu gosto de um jogo se eu jogá-lo e for perfeitamente honesto comigo mesmo, deixando todos os filtros de lado. Não tem nada de errado em não gostar do jogo "que todo mundo gosta". Também não tem nada de errado em se juntar à multidão e fazer coro sobre o jogo que você genuinamente também gosta de jogar. Você não precisa ser hipster nem mainstream. Apenas seja você mesmo(a) e não uma consequência da pressão de seus pares.
Grande abraço,
Luis Perdomo