thprice::Amigo, que texto bom. Inicialmente após a leitura senti perturbado com aquela avalanche de verdades. Eu queria aproveitar para descrever minha história aqui. Eu comecei jogando Coup de um amigo no ano novo a uns 2 ou 3 anos atrás. Após este dia... eu me empolguei, já que era uma experiência totalmente diferente da minha última e remota memória com o War em uma partida épica, cruel em que eu cai após outros 2 em 2 horas de jogo... e, tive que aguardar depois, por mais de 4 horas sem vencedor no jogo. A partida terminou com um acordo de cavaleiros, onde quem tinha mais exércitos foi declarado vencedor por um aperto de mão.
Comparei as experiências e subtamente me envolvi com os board games. A última partida de War ou Banco Imobiliário foi há um pouco mais de uma década atrás mas, depois de Coup, quis ter a minha cópia. Para jogar com outros amigos e familiares. Comprei ele e aproveitei o site para comprar outro... depois disso comprei de várias formas mais um, dois,... , 9, 10, ..., expansões, por leilões por impulso, um desses leilões sem sentido chamei de oportunidade, e por vai. Teve uma vez que eu estava apertado financeiramente e comprei um jogo por leilão, venci o leilão, porém no outro dia tive um imprevisto que consumiu o dinheiro que eu não tinha e muita parte da reserva do mês que vinha. Graças ao vendedor compreensível, o leilão não foi concluído e eu tampouco fui negativado.
Hoje tenho mais de 30 base. Alguns não me orgulho, alguns ainda não joguei. Sendo realista, acho que alguns nem vou jogar.
Não lembro a ordem, mas veio muitos. Dos que eu joguei, vieram The Resistance, Takenoko, Blood Rage, Auztralia, Tikal (esse eu queria muuuito mesmo e fui paciente viu, nussa, que difícil conseguir a belíssima versão com pirâmides de resina a um preço bom), teve as surpresas como Broom Service que comprei numa super promoção por impulso (na verdade), mas valeu a pena e, também teve aqueles que foram embora depois de jogar. Foi difícil mas consegui me desfazer e vender.
Alguns comprei às cegas, sem conhecer, sem ler manual, comprei por ver lista, comprei por ver top, comprei por ver no canal x do youtuber y, sem saber o perfil do meu grupo familiar, pois afinal, nele sou eu quem compra todos os jogos. Deveria dividir, mas eu tenho o sentimento de posse então me declaro culpado. kkkkkkk
Um belo dia, veio a realidade, preciso vender, tinha 18 jogos e decidi vender, vendi o Takenoko, doei o The Resistance e comprei mais, mais do que a quantidade que eu vendi.
Hoje eu tenho uma coleção de 30 jogos base, reluto em chamar assim pois não quero colecionar papelão, plástico e afins, quero colecionar as histórias de quando jogamos.
Essa coleção vai aumentar, como queria o Viticulture, o jogo comprado mais caro da lista, afinal, tenho jogos que paguei 60 reais e só saíram da caixa para simulação e aprendizagem do manual... Esses jogos são caros demais, quem calcula sabe o quanto é. E além dele, está por vir o Dogs, não precisava, mas boletei o Dogs mais a expansão o sócio, não queria o Cardgame. Mas acabei boletando os 3 e eles estão por chegar. Me arrependo de ter comprado ele (salve Macri, gosto demais de você e do Xingu), quis muito ter Dogs na minha coleção a um tempo atrás, porém o lugar dele no time foi ocupado por outro board game e quando saiu o KS, pensei 4, 5, 6 vezes antes de comprar, revendo e revendo a lista. Boletei para não perder o desconto do dia do lançamento mas paguei no dia seguinte por impulso, ansiedade, por FOMO.
E no outro dia comprei o Cosmos, esse eu queria mesmo e estava no planejamento. Mas o planejamento era gastar quase 1k (Viticulture + Cosmos + Familia Dogs) no mês com jogo de tabuleiro? Não era.
E vendo recentemente minha recentes aquisições, mais da metade da minha coleção foi adquirida durante a quarentena. Super sensato comprar jogos e não poder reunir os amigos ou família.
Após pagar Dogs, já estava me sentindo mal por comprar algo que eu não precisava mais e após refletir no seu texto, o sentimento de realidade bateu na cara. Já vendi uns jogos e preciso vender de novo. Pois o prazer tem que ser jogar e não em comprar e deixar na estante.
Tenho a consciência dos últimos dois jogos que eu quero ter na coleção e, em contra partida, os jogos encostados estão só aguardando a quarentena passar para jogar a despedida deles.
Já li sobre o FOMO e sei que é uma doença séria que ataca as pessoas. Achava que era só as pessoas das redes sociais, hoje não mais.
P.S. - quase comprei o Kemet Blood And Sand sem precisar, e acho que não comprei mesmo com o preço super caro para mim, pq eu conseguir me conter e pensar que o Viticulture ia sair e aguardei o Cosmos kkkkkk
Muito obrigado por compartilhar sua história conosco, Thiago.
Esse tópico está ganhando uma repercussão muito maior do que eu inicialmente havia imaginado, o que é bom, pois estamos percebendo que não estamos sozinhos nesse mundo e isso ajuda a amenizar a aflição daquilo que nos incomoda tanto. A princípio era apenas para ser um desabafo pois eu mesmo luto diariamente contra esse mal e caio em tentação às vezes. Eu, por exemplo, comprei o Kemet Blood and Sand. Acho que a única coisa que aliviou um pouco o sentimento de culpa é porque eu havia vendido uns 3 jogos que pagaram por ele. Eu tenho o Kemet original e vou passá-lo adiante em breve para alguém que queira experimentar esse jogo, que é um excelente dudes on a map, e que não faz questão de ter uma montoeira adicional de plástico, como em sua versão Kickstarter. Mas eu "precisava" daquilo. "Você viu aquelas minuaturas?". Sendo que o próprio Kemet original joguei umas três vezes no muito. "Ah não, mas comprando a versão nova eu vou jogar muito mais". Me engana que eu gosto, minha ansiedade...
Jogos de tabuleiro são maravilhosos, eles proporcionam experiências únicas, histórias épicas, promovem interatividade, olho no olho e contato presencial numa era em que estamos cada vez mais isolado em função do progresso das tecnologias virtuais e como toda uma lógica de trabalho, consumo, entretenimento, comunicação, etc. se moldou em torno disso. Já estávamos cada vez mais isolados muito antes da pandemia. A pandemia foi só a gota d'água. O problema é quando essas experiências maravilhosas saem de controle e começamos a associar a representatividade contida nos jogos de maneira errada.
É como se cada jogo fosse um complemento da nossa personalidade, um anseio por aprovação de gente que nem conhecemos, uma tentativa silenciosa de fazer parte de algo maior do que nós mesmos, análogo a uma religião, é o nosso hobby, nossa tribo, o que nos define entre os muitos microuniversos que vivemos, é como nos destacamos na multidão entre outras peculiaridades que compõem nossa personalidade. A ironia é que o propósito disso tudo é até belo, queremos mais opções de entretenimento, novas experiências, novas histórias. O grande problema é que, em virtude da ansiedade que muitos de nós temos em abundância, estamos constantemente vivendo no futuro e ignorando o presente à nossa volta.
"Ah, mas vou jogar esse jogo, vai ser super legal, eu vi no review, é maravilhoso, meus amigos vão adorar...". Os jogos vão chegando e chegando, se empilhando ainda estamos olhando para aquela cenoura na ponta da vara de pescar mais à frente, sem nunca alcançá-la de fato. As promessas oferecidas pelas propagandas são muito mais sedutoras e seu efeito é muito mais rápido. Sentar, abrir aquela caixa fechada há meses, pegar o manual, ler, aprender o jogo, dominar o jogo, ensinar, evoluir com o jogo... tudo isso chega a ser trabalhoso demais, muito burocrático. Comprar uma nova promessa é mais fácil.
Tudo que eu falo é por experiência própria, só estou colocando meus próprios sentimentos em palavras. Muitos aqui se identificam e acham pesado, passam a mão na consciência, refletem... que bom, esse é o primeiro passo.
Eu tenho alguns jogos que eu joguei algumas dezenas de vezes, outros eu joguei algumas centenas de vezes, Dominion, meu deckbuilder favorito, na internet já joguei mais de mil partidas, pessoalmente por volta de umas 50. Às vezes eu vejo uns reviews por aqui e me questiono "essa pessoa jogou o mesmo jogo que eu?". A gente vive num frenesi tamanho em prol do consumo incontrolável alimentado pelas mais diversas mídias que até quem tem que te convencer a comprar determinado jogo muitas vezes não tem tempo de explorá-lo de fato porque, depois desse, já tem outros três na fila que a editora tá pedindo para o reviewer falar cheiroso e etc.
Até o dia que eu comecei a ignorar todos esses conteúdos.
"Mas Luis, como eu vou saber que jogo comprar se eu não pesquisar?".
"Bom, você eu não sei, mas eu tinha 80 jogos, dos quais mais da metade deles se eu joguei 1 vez foi muito"
Eu tinha um mar de jogos, por que só olhava para o horizonte.
Eu comecei a
jogar meus jogos. Parecia que eu tinha redescoberto o fogo. Aquele sentimento estranho de quem chega à seguinte conclusão:
"
Nossa, e não é que esse jogo que eu tinha parado na minha estante há mais de um ano não era bom mesmo?!"
Não existe unanimidade. Bom e ruim somos nós que determinamos. O jogo pode ser bom para o mundo inteiro, mas você não é obrigado a abaixar a cabeça e concordar com a multidão. É melhor ficar sozinho, contra a corrente e estar ciente de suas convicções do que se juntar à massa sem fazer ideia do que está fazendo, mas "tudo bem, quanto mais gente concordando, mais verdadeiro me parece".
Meu ex professor de Física IV costumava contar uma história. Diz a lenda que na Segunda Guerra os cientistas do eixo queriam desmoralizar o Einstein, que era judeu. Eles então criaram um postulado intitulado "100 cientistas contra Einstein", que tentava refutar sua famosa teoria de relatividade.
Einstein, um cara muito à frente de nosso tempo respondeu com uma simples frase:
"
Se eles estivessem certos, só precisariam de um cientista".
Há um par de meses atrás eu tinha 80 jogos na coleção. Hoje eu tenho 37. Quanto mais eu diminuo, mais eu aprecio os jogos que ainda tenho. Não tenho nada contra quem tem muitos jogos, centenas, milhares. Admiro quem consegue se dedicar ativamente dessa forma, mas tempo é uma commoditie muito preciosa.
Tente fazer o exercício contrário: ao invés de procurar por novos jogos, leia e consuma conteúdos sobre os jogos que você já tem. Tente se convencer de que você realmente gosta daqueles jogos, caso o contrário, ao invés de fazer uma listas dos jogos que entram, pense em fazer uma lista dos jogos que ficam.