Ouvi o episódio só ontem (quase um ano depois do lançamento hahah), mas acho que ainda dá tempo de contribuir para a discussão lembrando de uma outra polêmica que não foi citada no podcast, tampouco nos comentários aqui, envolvendo o jogo Five Tribes (que é um dos meus favoritos, por sinal).
O Five Tribes é um jogo bem abstrato na minha opinião. Por mais que tenha um tema baseado nas histórias da "Mil e uma noites", a mecânica pouco lembra ou tenta simular esse tema. Funciona como uma espécie de Mancala: vc pega todos os meeples de um determinado tile e sai distribuindo esses meeples, um a um, nos tiles adjacentes. Dependendo do tipo de tile onde vc termina seu movimento e da cor do último meeple que vc deposita nele, vc tem direito a realizar determinadas ações.
Uma das ações possíveis, é visitar o mercado, onde vc pode comprar uma certa quantidade de cartas que representam mercadorias, como ouro, marfim, tecido, especiarias, etc. E é aí que entra a polêmica. Na versão original do jogo, uma das mercadorias que vc podia comprar no mercado era um escravo. Isso mesmo, havia uma carta que mostrava uma pessoa acorrentada, que vc podia adquirir como se tivesse pagando por trigo ou especiarias.

Essa carta causou muito incomodo em algumas pessoas, que disseram não conseguir se divertir num jogo onde vc era estimulado a comprar escravos para tornar suas ações mais eficientes. Os responsáveis pelo jogo se justificaram dizendo que a escravidão era algo muito presente nas lendas das "Mil e uma noites" e que a escolha se deu para manter o jogo fiel ao tema. Porém, esse posicionamento não adiantou muita coisa, e a empresa (Days of Wonder) acabou se vendo obrigada a fazer uma alteração no jogo. A carta do escravo foi substituída pela carta do Fakir nas novas edições, e para quem já havia comprado a versão original, era possível adquirir um pack avulso com as cartas de Fakir. Mecanicamente, o Fakir funciona exatamente da mesma forma que o escravo, porém, tematicamente, é como se vc fosse ao mercado comprar o serviço de um homem livre ao invés de adquirir um ser humano como propriedade.

Eu particularmente sou desses que tem pouquíssimo apego ao tema. Uso o tema apenas para aprender as regras, mas depois de 15 minutos de jogo, eu abstraio totalmente e tudo que eu vejo são apenas cubos, meeples, cores, ícones, etc, e minha cabeça passa a focar muito mais em pensar nas jogadas mais eficientes para maximizar minha pontuação, do que tentar construir uma historinha sobre as jogadas que eu estou fazendo. Portanto, mesmo sendo uma pessoa que jamais seria capaz de cometer um homicídio, roubo ou escravizar pessoas, eu conseguiria jogar tranquilamente um jogo onde meu personagem precisa matar o oponente, ou assaltar um banco, ou até mesmo comprar escravos. Mas entendo perfeitamente quem tem maior sensibilidade a algum desses temas. Acho que no final, a solução das cartas do Fakir funcionou muito bem e atendeu todos os lados.
Parabéns pelo excelente podcast!