“Não houve parte do meu reino que não tenha sido reivindicada por algum agressor, e um ano depois eu não tinha ideia de onde poderia dar à luz meu filho, uma vez que permanecer em Viena tornara-se impossível.” (Maria Teresa, recordando o ano de 1740) Três Homens em Conflito é um faroeste spaghetti dirigido pelo italiano Sergio Leone e lançado em 1966. Na minha modestíssima opinião, só não é o melhor filme de todos os tempos porque em Blade Runner (o melhor filme de todos os tempos) tem uma partida de xadrez. Se houvesse uma partida de xadrez em Três Homens em Conflito, aí haveria um empate técnico entre os dois filmes na primeira posição.
Mas eu divago. Voltando. O clímax de Três Homens em Conflito é a cena do cemitério, em que o Bom (Clint Eastwood), o Mau (Lee Van Cleef; meu pai queria me batizar com esse nome, mas minha mãe não deixou: jamais a perdoarei) e o Feio (Eli Wallach) se enfrentam em um “trielo”. É a maior cena de toda a história da sétima arte, um doutorado em cinema compactado em quatro minutos. Um "duelo a três" é algo complicadíssimo, pois você não sabe em quem atirar. Mas eu divago mais uma vez. Estou aqui pra falar de um wargame para três jogadores chamado Maria (2009).
Eu sou um sujeito que prefere jogos pra duas pessoas. Nove jogos do meu Top 10 são pra dois jogadores (o outro é solo). No meu estilo de jogo favorito, os wargames, são particularmente raríssimos os jogos pra três ou mais jogadores pros quais eu dou bola.
Maria é um deles. Há outros wargames renomados pra três jogadores (Triumph & Tragedy e Churchill, por exemplo), mas Maria tem peculiaridades que destacam o jogo entre seus pares.
Primeiro, um parágrafo de história (spoiler: será mais de um). Em 1713, o imperador Carlos VI da Áustria tinha um problema: não havia homens na Casa dos Habsburgo para sucedê-lo no trono. Pra sair dessa sinuca, ele promulgou a Sanção Pragmática, que permitia que o trono austríaco fosse assumido por mulheres – no caso, sua filha, Maria Teresa – e passou os anos seguintes tecendo acordos com as demais potências europeias da época para garantir que Maria fosse aceita como sua legítima herdeira.
Tudo parecia tranquilo quando Carlos VI finalmente foi comer grama pela raiz, em 1740. Maria assumiu o trono austríaco, na flor do seus 23 anos de idade. Mas aí começou a trairagem. “Uma pirralha governando a Áustria? Vou começar pegando a Silésia pra mim”, disse Frederico II da Prússia, que tinha acabado de assumir o trono, tinha pretensões de conquistador e não se sentia obrigado pelos acertos que seus antecessores haviam feito com Carlos VI. Como dizemos em Minas, Fred abriu a porteira, e na sequência Bavária, França e Saxônia também invadiram a Áustria pra tentar se aproveitar da juventude e inexperiência de Maria Teresa.
Pois bem. Maria é um “trielo”. Um dos jogadores, o “Bom”, assume o papel de Maria, controla as forças austríacas e tem a tarefa hercúlea de segurar as pontas na Áustria, batalhando em duas frentes: o norte, contra a invasão da Prússia e da Saxônia, e o oeste, contra a invasão da França e da Baviera (aliás, Maria Teresa era mãe de outra Maria, a Antonieta, que viria a se tornar a última rainha da França, diria a famosa frase “Que comam brioches”, viraria personagem de filme da Sofia Copolla e teria sua bela cabecinha decepada pela guilhotina na atual Place de la Concorde, em Paris, em outubro de 1793).
Mariiiiaaaaaaa, you've gotta see her...
Um segundo jogador, o “Mau”, representa Frederico, o Grande, militarmente mais poderoso, que com o apoio da Saxônia vem descendo pela Silésia e ameaça chegar até Viena, se Maria bobear.
Um terceiro jogador, finalmente, é o “Feio” – o rei francês Luís XV, que, embora tenha titubeado nos momentos iniciais do conflito, finalmente deu ouvido a seus conselheiros e lançou suas forças contra a Áustria, em aliança com a Baviera e a Espanha. Luís XV era avô de Luís XVI – último rei da França, que se casaria com a filha de Maria Teresa e, como a esposa, também teria sua cachola guilhotinada pelos revolucionários, nove meses antes da rainha. Que bagunça.
Eventualmente, França, Baviera, Prússia e Saxônia forjaram uma grande aliança contra a Áustria, e isso se reflete no jogo – essas potências são aliadas e nunca podem se atacar, embora sejam controladas por dois jogadores distintos.
“Marcius, fala do jogo, pelo amor de deus!” Ok, o jogo. Num belíssimo mapa que representa as regiões de Flandres e da Boêmia, as tropas das potências envolvidas no conflito se movimentam, conquistam cidades e fortalezas e, é claro, se enfrentam em duras batalhas. Um jogador comanda a Áustria, outro jogador comanda a França e a Baviera e um terceiro jogador comanda a Prússia, a Saxônia e o Exército Pragmático.
Eu ainda não falei do Exército Pragmático. Eles são aliados da Áustria, e reúnem forças de Hanover e da Grã-Bretanha. Nessa época, se a França estava em guerra contra alguém, os ingleses automaticamente apoiavam o outro lado. Eles se babavam de ódio uns pelos outros.
“I fart in your general direction. Your mother was a hamster and your father smelt of elderberries.”
O mesmo jogador que controla a Prússia e a Saxônia também controla o Exército Pragmático. Epa. Aqui você se pergunta: “peraí, o mesmo jogador controla forças amigas e inimigas da Áustria?” A resposta é sim. ESQUIZOFRENIA TOTAL. “Mas então como ele faz se o Exército Pragmático entrar em combate contra a Prússia? O mesmo jogador ataca e defende?” Não, porque o mapa é dividido em duas partes, e o Exército Pragmático fica restrito a Flandres e nunca pode entrar na Boêmia. Bem bolado!
Vamos entender então como se dança essa valsa. O jogador que controla a Áustria tem que se defender dos ataques da Prússia, da Saxônia, da França e da Baviera. A estratégia é resistir. Rocky Balboa. Se nenhum dos outros jogadores tiver atingido suas condições de vitória ao final de 12 turnos, vitória da Áustria.
VEM TRANQUILO
O jogador que controla a França e a Baviera tem que atacar a Áustria com um olho, e com o outro tem que segurar o avanço do Exército Pragmático pelo norte do território francês, ao mesmo tempo em que brinca de empurra-empurra com a Saxônia por posições valiosas (são potências aliadas, que não podem se atacar, mas deixar que a aliada Saxônia ganhe muito espaço não vai te ajudar a vencer).
Omelette du fromage...
Por fim, o jogador que controla a Prússia, a Saxônia e o Exército Pragmático tem que bater na Áustria com a Prússia, segurar a Baviera com a Saxônia e bater na França com o Exército Pragmático. Ufa.
Esquizofrenia em ação: lutando ao lado da Áustria em um mapa, mas contra Maria no outro
O jogo tem mecânicas sólidas, algumas inovadoras, com pequenas eurices aqui e ali (eurogamers costumam gostar de Maria). Os turnos têm uma fase política, em que as posições dos marcadores em uma trilha estilo “cabo de guerra” trazem diversos benefícios que se traduzem em pontos de vitória e em maior ou menor força militar no mapa.
A Saxônia pode virar casaca, a Rússia e a Itália influenciam os rumos da guerra: coisas da política
A Áustria controla duas tropas de hussardos, uns carinhas pentelhos que atrapalham as linhas de suprimento inimigas. Mas o mais legal é o combate. Cada jogador vai ter uma ou mais mãos de cartas (Frederico, por exemplo, gerencia três mãos, uma para cada potência que controla), que são basicamente cartas de baralho – isso mesmo: quatro de paus, sete de espadas, três de ouros, etc. O mapa é dividido em quadrantes, e cada quadrante é marcado com um naipe. O quadrante de onde sua unidade batalha determina que naipe você pode usar no combate. Assim, você vai tentar combater em cidades em que sua mão é forte, e tentar pegar o adversário em locais em que você desconfia que a mão dele esteja fraca (ele pode ter acabado de usar várias cartas de copas em um combate anterior, por exemplo). Esse gerenciamento de mão é um dos pontos altos do jogo.
Truco, ladrão
Esse, em linhas bem gerais, é Maria, uma valsa em forma de wargame ambientado na Europa do “despotismo esclarecido”, que todos conhecemos das nossas maravilhosas (eu gostava...) aulas de história do segundo grau.
Curti o conceito de um jogador jogar contra os outros 2. Sweet. E o peso disso ai? Por na mesa e jogar, ou telecurso 2000 de 10 hrs? Da pra sair se divertindo na primeira partida?
Curti o conceito de um jogador jogar contra os outros 2. Sweet. E o peso disso ai? Por na mesa e jogar, ou telecurso 2000 de 10 hrs? Da pra sair se divertindo na primeira partida?
Hum, não é pesado de regras como um wargame raiz ou um eurão hipster da escola portuguesa, mas também não é nenhum Dixit. Alguém com boa didática e que domine as regras pode te ensinar o modo básico do jogo (sem a fase política) em 15 minutos, com mais 2 horas de partida. No modo full, aí eu chutaria uns 30 minutos de regras com mais umas 3 a 4 horas de partida.
Maria é um jogo magnífico! Excelente post sobre esse excelente jogo. Parabéns marciusfabiani, conseguiu trazer a história do jogo e deixar todo mundo com água na boca para uma partida de Maria. Muito bom! Na próxima mesa de Maria eu estarei nela, já avisa o AcqWar logo!
Excelente texto, Marcius, citando cinema, história e boardgames ! Tenho o Maria também e o recomendo demais. Outro jogo interessante para 3 jogadores com essa característica do "trielo"é Churchill !