É oficial: fui contratado pelo canal BGGII como correspondente estrangeiro, com a missão de enviar reportagens especiais periódicas sobre a experiência de viver fora da Eurolândia. Os termos do contrato são confidenciais, mas já fique registrado que as opiniões aqui expostas não correspondem à posição oficial do canal. Eles não são tão malucos assim.
Eu poderia começar esta série falando do Go, indiscutivelmente o maior jogo de tabuleiro de todos os tempos. Poderia falar de Paths of Glory, o segundo maior jogo de tabuleiro de todos os tempos. Mas não o farei. No futuro, quem sabe. Pra hoje, resolvi começar pelo desconhecido, pelo criminosamente desconhecido, pelo inexplicavelmente desconhecido Earth Reborn.
Apocalipse sem Estátua da Liberdade despedaçada não presta
Você quer tema? Então segura essa. Mais ou menos de 2030 em diante, três atores protagonizam a cena internacional: a China, que desenvolveu um novo combustível secreto altamente poluente chamado K-Mix; um grupo terrorista chamado Shadow Forces, financiado pelos países menos desenvolvidos; e um conglomerado empresarial formado pelo Greenpiece e pelo Coogle – isso mesmo, eu não escrevi errado. Qualquer semelhança com empresas reais é mera coincidência.
A tensão entre essa galera vai crescendo ao ponto de cientistas começarem a desenhar cenários de apocalipse. Os governos começam a se preparar pro pior, e várias cidades subterrâneas são criadas em antecipação à iminente hecatombe nuclear. Sim, o Greenpiece tem bomba atômica, a China tem bomba atômica, as Shadow Forces têm bomba atômica, meu tio Armando tem bomba atômica, todo mundo tem bomba atômica.
O bicho pega no dia 1º de maio de 2065. As Shadow Forces explodem meio mundo e espalham que foi o Greenpiece. A China e os EUA acreditam e explodem a outra metade do planeta em retaliação. KABUM.
Aí é lore, mininu
Lembra das cidades subterrâneas? Várias pessoas sobreviveram em mais ou menos 20 delas. Ao longo de 500 anos, isoladas umas das outras e sem acesso à superfície contaminada pela radiação, cada cidade desenvolve uma cultura própria. Algumas viram fortalezas militares com homens e mulheres altamente treinados e armados até os dentes; outras são governadas por ocultistas (sim) que fazem experimentos com cadáveres e bruxaria (sim) e acabam criando um exército de zumbis equipados com cérebros sintéticos programados com inteligência artificial (SIM!!!).
BRAINZ!!!
Lá pelas tantas, por volta de 500 anos depois do apocalipse, leituras da superfície indicam que pode ser que seja seguro sair. As primeiras equipes começam a enviar missões de reconhecimento. E aqui o jogo finalmente começa.
Um jogador controla uma equipe de militares casca-grossa de NORAD City, com direito a tenente latina peituda e androides estilo Robocop. O outro jogador comanda os Salemitas, cidade fundada em cima de um cemitério (lógico) que desenvolveu a tecnologia (com a ajuda de bruxaria, é claro) para reviver os mortos (por que não?). Tem zumbi com mão de serra elétrica, tem zumbi normal, tem cientista maluco que vive com caganeira, tem um Frankenstein com 500 anos, cérebro artificial e muito amor pra dar...
Tenente Monica Sanchez (suspiro)
Os três leitores que conseguiram chegar até aqui que me perdoem, mas não falarei das “mecânicas”. Se o que eu narrei até agora não foi o suficiente para te convencer que esse é um dos jogos mais esparrados e dementes de tutto il mondo Ameritrash, não é uma frase do tipo “o jogo tem bom nível de interação, alta rejogabilidade e diversos caminhos para a vitória” que vai te convencer do contrário. Mas, em consideração à paciência de vocês três, vou falar um pouco sobre o jogo em si.
Cartas sem sleeves. Sou desses.
A história gira em torno de cenários. São 9 no total, que seriam expandidos em uma continuação que, infelizmente, nunca aconteceu. A boa notícia é que existe um gerador de cenários, então você pode criar o seu quando quiser. Yay!
Jogo com dois manuais: RESPECT
O tabuleiro é modular, naquele estilo Space Hulk, Imperial Assault, Mansions of Madness, etc. Cada cenário traz o mapa da missão, os objetivos de cada facção, os personagens e, o que é mais legal, tudo funciona como um grande tutorial. No primeiro cenário, você só precisa saber as regras gerais (3 páginas), de movimento e de combate corpo-a-corpo. Cada cenário posterior vai introduzindo novas regras, além de fixar as que já foram explicadas antes.
Brinde: em cada setup, um puzzle de 100 peças da GROW
O combate, é claro, é resolvido por dados. Ah, os dados! Esses pequenos bastardos polêmicos e divisores de opinião. Quanta alegria geram, quanta raiva, quanta frustração, quanta vontade de estrangular alguém. Mas eles são uma metáfora da existência humana. É da vida. Ela joga dados com a gente o tempo todo. Quem imaginou que 2020 seria o que está sendo? Mas eu divago...
A arte do insert
O combate, eu dizia, é resolvido por dados, o que me enche de regozijo, porque eu adoro dados. O dado bem rolado é aquele headshot que você acerta na cagada, o dado mal rolado é aquela emperrada na arma, o último som que você vai ouvir antes que a serra elétrica de Jack Saw separe sua cabeça do seu pescoço. Aqui não tem essa baboseira de “sorte mitigável”. Trate de rolar uns hits críticos, senão seu querido Coronel Nick Bolter será o próximo a virar projeto de zumbi.
Minis não pintadas. Me falta talento.
Essa é a vida, não é mesmo? Duas horas com um bom amigo, algumas cervejas, amendoins japoneses, um cachimbo e Earth Reborn esparramado na mesa. Há vida fora da Eurolândia, e ela é caótica, insana e estupidamente divertida.