Um de meus principais objetivos relacionados aos jogos de tabuleiro em 2020 era de fato jogar
Race for the Galaxy solo. A despeito dos incontáveis elogios, a despeito de ser um grande vício de um amigo, a despeito de eu tê-lo conseguido com todas as expansões numa troca há um tempão, eu nunca havia dado muita bola para o Race. Enfim, um erro. Esse ano me dediquei a entender bem as regras, a iconografia e, sobretudo, jogar o modo solo, que vem com a expansão
Gathering Storm.
Eu sempre evito ficar explicando regras nos reviews, porque acho isso contraproducente. Portanto, recomendo o ótimo vídeo do
igorknop, que se encontra linkado
aqui!
Neste modo solo, lutamos contra um bot guiado por um playmat próprio. Conforme o mundo inicial selecionado para ele, o bot assume comportamentos diferentes, sendo colocadas alguns pequenos tiles sobre o playmat, modificando as ações standard nele impressas. A não ser por pequenas variações relativas à pontuação, as regras para o jogador e para o bot respeitam as do jogo base. A seleção de ação dele é bem simples, feita com o rolamento de dois dados, mas ele se comporta de forma muito semelhante à de um jogador. Quando ele seleciona a ação, geralmente a executa de uma forma mais poderosa, enquanto que, quando “pega carona”, a ação é menos eficaz. O jogo possui diferentes níveis de dificuldade e o escalonamento me pareceu ser adequado.
Playmat do bot, ainda não configurado para o mundo inicial selecionado.
Aqui minhas ações selecionadas e, o bot, selecionando as dele através dos dados.
Mal consigo me segurar para dizer que adorei o modo solo do Race for the Galaxy integralmente. Já joguei mais de 20 partidas agora em março e não me vejo cansando de fazer isso tão cedo. Até imprimi um desafio de mais de 200 partidas contra o bot diretamente do BGG e pretendo terminar isso logo. Provavelmente, até o fim de 2020, Race for the Galaxy será meu jogo solo mais jogado até hoje.
Os principais pontos positivos que vejo nele são:
a) A forma como o modo solo foi implementado não modifica em nada as regras do jogo base. O bot adquire pontos de forma diferente e seus desenvolvimentos de 6 pontos de custo sempre valem 6 pontos de vitória, mas isso é irrelevante ao feeling geral que o jogo dá.
b) A variabilidade do comportamento do bot conforme as modificações impostas no seu playmat pelos tiles específicos de cada um dos mundos iniciais é brilhante e te permite trilhar caminhos estratégicos completamente diferentes entre si. É preciso que você olhe para o mat do bot e pense quais são seus pontos fortes e quais os caminhos que ele escolherá para te vencer e, a partir disso, você precisa criar uma estratégia.
c) A manutenção do bot é simples e os turnos são rápidos, o que faz com que as partidas, uma vez que você conheça bem as regras e a iconografia, sejam também muito rápidas. Isso te permite partidas em sequência com a mesma configuração ou mesmo variando-a para testar diferentes cenários.
d) As regras do jogo são bastante simples e a iconografia ajuda muito. As regras para o bot são, talvez, mais longas do que as do próprio jogo base, condensadas em um manual de metade do tamanho dele, mas também não são complicadas.
e) Para mim, Race for the Galaxy traz a medida exata da combinação estratégia, tática e variabilidade. A partir de seu mundo inicial e sua mão inicial de cartas, você precisa traçar um curso de ação que dependerá muito do seu oponente e será necessário que você tome boas decisões táticas diante da incerteza do saque de cartas e das possibilidades que a “carona” nas ações do oponente te permitem. Você pode mitigar essa variabilidade um pouco procurando ativamente por cartas, claro, mas é fundamental saber se adaptar. “Para ser bem sucedido, planejamento somente é insuficiente. É preciso saber improvisar.” Coloco entre aspas, pois a frase não é minha, mas retirada do primeiro volume da trilogia da Fundação do Isaac Asimov, o que me leva ao último ponto.
f) Race for the Galaxy é um jogo extremamente temático, meus amigos. Leiam o Asimov e entenderão de onde vem isso. Na Trilogia da Fundação, uma grandiosa e épica obra de ficção científica espacial, entendemos que um império galático precisa de muito mais do que somente força militar ou econômica para ser bem sucedido. É preciso um pouco de tudo, é preciso astúcia, é preciso que você saiba se adaptar a novos cenários. Fica, portanto, a dica de leitura.
Para não falar que ele é perfeito, o jogo tem, a meu ver, os seguintes pontos negativos:
a) Havia dito acima que as regras não são complicadas, e de fato não acho que sejam, mas você precisa fazer um bom investimento para aprender a ler a iconografia do Race. Como diz a avó do
edupomper, depois que você aprende a ler, é uma barbada! Talvez essa seja a maior barreira de entrada para esse jogo. Com um pouco de paciência e algumas tentativas, a gente consegue vencer isso.
b) Não é que o bot tenha um comportamento previsível, mas ele é mais previsível do que o de um jogador humano. É possível que, no meio de uma partida, você resolva dar uma guinada em sua estratégia conforme as ações do seu oponente e as cartas disponíveis em sua mão. Isso não ocorre com o bot devido à forma como suas ações são determinadas. Desse jeito a gente consegue ter um vislumbre de quais ações evitar e quais devemos priorizar para minimizarmos a chance de ele adquirir pontos, de evoluir sua economia e por aí vai. Essa é uma desvantagem muito, muito pequena, que fique claro.
c) Pessoalmente, não gosto muito de bots guiados por dados, acho que isso faz com que eles tenham comportamentos bizarros e dificilmente eles seguem uma linha de raciocínio (se é que se pode dizer isso) regular. Isso também pode ser observado em alguns raros momentos no Race, mas está presente. O que mitiga bastante isso é a combinação de duas coisas – a interação entre o jogador e o bot e a forma como a pontuação do bot evolui. A interação no Race é moderada, sendo seu principal ponto a escolha de ações e a forma como um jogador pega carona na escolha do outro. A implementação do modo solo, sobretudo a ação coringa, ajuda muito a fazer com que o bot tenha um comportamento mais previsível. Adicionalmente, é muito raro que ele tenha uma ação inútil. Com relação à pontuação, ela é parecida com a do jogador, mas é diferente o suficiente para que o bot funcione, num esquema semelhante ao do
Projeto Gaia. No
review que fiz desse jogo, destaquei bastante esse ponto. Ainda assim, ela não se comporta como um jogador o faria. O bot do Race for the Galaxy me lembra muito o do
Anachrony, que é outro jogo que eu adoro.
d) Infelizmente, a expansão ainda não veio para o Brasil. Há rumores de que vai sair um big box do Race com o jogo base e as 3 primeiras expansões, de tal forma que eu tenho muita esperança de que a Galápagos traga isso para o Brasil. De mal a mal, se você tem o Race e gostaria de comprar essa expansão, a caixa é pequena e não fica muito caro importá-la, além do fato de o jogo ter baixa dependência de idioma. O manual da expansão está traduzido na seção de arquivos da expansão aqui na própria Ludopedia.
Enfim, amigos, joguem mais Race! Super jogo, modo solo muito bom e desafiador. Não posso dar outra nota que não seja um 10 com louvor!
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E lembre-se: TOGETHER, WE GAME ALONE!
O que se segue não tem nada com jogos de mesa, não precisam ler, mas o façam se quiserem.
Eu sou médico, trabalho com uma população que será duramente afetada pela disseminação do SARS-CoV-2 e estou genuinamente preocupado comigo, com minha família e meus pacientes. Portanto, gostaria de pedir a todos algumas coisas:
1) não se desesperem, a hora é justamente de ter cabeça fria;
2) o mundo não está acabando e essa é uma fase ruim que também passará;
3) se cuidem muito e façam o mesmo pelos seus entes queridos mais próximos e amigos;
4) olhem para o lado e sejam solidários com outras pessoas – pensem nos muitos trabalhadores autônomos e pequenos comerciantes e favoreçam-nos na hora em que for optar pela compra de um produto ou serviço, pois eles serão muito afetados;
5) ajudem os idosos, quer seja fazendo compras para eles ou ligando para saberem como eles estão, qualquer palavra de alento ajudará nos dias de reclusão;
6) se for possível, restrinjam seu deslocamento e o contato com outras pessoas o tanto quanto conseguirem;
7) se informem a partir de canais confiáveis e/ou com profissionais de saúde, não se guiem pelos boatos e mentiras dos grupos de WhatsApp e Facebook;
8) use o nosso hobby como uma ferramenta de alívio para si e para os seus;
9) caso você adoeça, procure um médico para receber a orientação e tratamento adequados, pois na maioria das vezes não será necessária uma intervenção mais significativa, porém é imperativo que, se for um caso mais sério, você receba o tratamento correto.
10) por último, se você leu isso tudo e está interessado em jogos de tabuleiro, perceba-se como uma pessoa muito privilegiada socialmente, que tem grande responsabilidade para com uma enorme parcela desassistida do nosso povo no sentido de orientá-los, ajudá-los, manter seus pagamentos (se possível) e, como eu, tratá-los.
Um dos meus escritores favoritos, o existencialista Albert Camus, tem uma frase ótima para esses momentos: “Nas profundezs do inverno, finalmente aprendi que em mim há um verão invencível.” Sejam fortes, amigos, teremos dias difíceis adiante! Contem comigo. Estarei nas trincheiras.