Tainted Grail: The Fall of Avalon é um jogo financiado através do Kickstarter pela Awaken Realms, conhecida por publicar This war of Mine, Lords of Hellas, Nemesis e outros jogos de sucesso. O jogo é uma releitura das lendas do Rei Arthur e Cavaleiros da Távola redonda, totalmente cooperativo, focado em imersão e sobrevivência e utiliza o conceito de mundo aberto e “RPG in a Box” - conceitos esses que já me decepcionaram em outros jogos.
A premissa do jogo, como disse, é a releitura das lendas arturianas e seus cavaleiros. Na história, Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda chegaram à Ilha de Avalon 600 anos atrás do nosso ano atual no jogo e expulsaram os seus habitantes, conhecidos como Fore-Dwellers, clamando seu território e erguendo Menhires para afastar uma força conhecida como Wyrdness. Assim se estabeleceram as cidades humanas na ilha. Agora, com a força desses Menhires se apagando, uma expedição sai da nossa cidade natal para Kamelot em busca de ajuda e não retorna, o que faz com que nós, o time B dessa história, tenhamos que sair em busca de auxílio e de entender o que ocorreu com a expedição.
Em Tainted Grail não somos heróis. Somos pessoas comuns, com qualidades e defeitos, e, honestamente, muito fracas no começo da campanha de 15 capítulos. E o que Tainted Grail trás de bom e o que trás de incômodo?
Tainted Grail chega com a premissa de ser um mundo aberto, promessa que alguns jogos já fizeram, porém não conseguiram cumprir exatamente. Mas Tainted Grail se aproxima ao máximo, na minha opinião, do que um boardgame pode chegar nesse quesito. Em cada capítulo temos um quest principal a ser feita e podemos levar o tempo que quisermos para ir atrás dela e, ao completá-la, fechar o capítulo. O limite de tempo no jogo é imposto por apenas uma coisa: o quanto você consegue sobreviver na hostil ilha de Avalon. Aqui não existe uma mecânica de, caso você demore demais, o capítulo acaba e você perca porque levou muito tempo pra cumprir o necessário. O único limite de tempo é sua própria vida. Dessa maneira, você é livre pra caminhar pela ilha inteira (bem grande por sinal), explorar cidades, monumentos, encontrar NPCs, batalhar, ir atrás das mais diversas missões secundárias, etc. Desde que você não morra no caminho.

Explorar Avalon é essencial em Tainted Grail. (FOTO)
Percorrer pela ilha, contudo, não é nada fácil. Para abrir novos caminhos é necessário sempre acender um Menhir, estando todos os personagens lá e gastando um número X de recursos, que podem ser magia, ouro, ações, etc. Só então, com o Menhir aceso, é que novos tiles se abrem pra você continuar andando e explorando. A grande dificuldade é que os Menhires têm um tempo em que ficam acesos, marcado por um dial com um número X que diminui ao final de cada dia e, quando ele apaga, as localidades ao seu redor apagam também. Isso torna necessário que os jogadores estejam sempre atrás de acender os Menhires pra progredirem atrás dos seus objetivos – seja o principal, sejam os secundários.
É necessário sempre manter o Menhir aceso para abrir novas localidades
E aí entra a gestão de recursos do jogo. Existem 5 tipos de recursos no jogo: Comida, Ouro, Reputação, Experiência e Magia. Todos eles serão usados em diferentes situações. Comida é usada ao final do dia para que seu personagem não perca vida e descanse bem, assim como é necessária em diversas outras situações em cidades e pra acender os Menhires. E o mesmo vale pra cada outro recurso. Acender um Menhir é muito custoso, pois fará você se desfazer dos seus escassos recursos e ir atrás deles novamente enquanto procura explorar a ilha e fazer as quests.
A exploração e a história são as grandes maravilhas desse jogo. Cada local que você explora te leva a uma passagem num livro gigante, no qual você pode fazer escolhas, bem como um Choose Your Own Adventure Book, e essas escolhas terão repercussões a curto e longo prazos. As escolhas importantes que você faz moldam a história. Por exemplo, em dado momento descobrimos que há uma guerra civil ocorrendo na ilha. Os jogadores podem decidir ajudar um lado, ajudar o outro ou simplesmente não se meterem e, de acordo com isso, a história muda, personagens morrem, e até os tiles da ilha mudam. Então tudo o que você faz pode ter um grande impacto na história geral. As ações e descobertas feitas também geram status para os jogadores, marcados numa folha. Então se você resolver saquear uma cidade, ficará marcado um status de “saqueador” pra sempre na sua folha, o que pode vir a trazer problemas – ou até situações benéficas, por quê não? – no futuro. Assim como outras coisas que você venha a fazer ou descobrir no jogo, tudo fica registrado pro resto da campanha e pode ser usado a seu favor ou contra você no futuro. Você ainda irá descobrir segredos há muito esquecidos – recebendo cartas de segredo -, receber ou comprar itens e forjar alianças e quebrá-las ao longo do jogo.

Explorar tiles nos leva ao Livro de Explorações.
Cada Local em Avalon é único e oferece inúmeras possibilidades. A ilha é composta por 64 locais!
Recursos, itens, segredos e outras coisas vão sendo ganhos e perdidos nas aventuras em Avalon. Os personagens também evoluem de acordo com o que fazem e com as escolhas dos jogadores.
A história é contada magistralmente através das descobertas que vamos fazendo durante a campanha, diálogos que vamos tendo com NPCs, lugares que vamos explorando durante o jogo. Em Tainted Grail, a história não é simplesmente dada a você. Quer descobrir mais sobre a misteriosa Avalon, seu passado, Arthur, Kamelot, pessoas famosas daquele mundo, os habitantes anteriores aos humanos? Explore. Mas explore com cuidado, pois a morte do personagem é punida da seguinte forma: A morte mesmo! Morreu? Seu personagem está fora da campanha e você precisa pegar um outro pra continuar a missão do seu, de onde ele parou. Não há mais personagens disponíveis? Fim da campanha – a não ser que os jogadores utilizem o recurso da Allmother’s mercy, que permite os jogadores a continuarem, desde que marquem nos status ganhos que utilizaram tal recurso.
E o combate? A pancadaria? O sangue rolando no chão? Ah, isso tem muito também, e de uma forma muito bem aplicada. Ao invés do comum “rola uns dados, adiciona mais pra cada item tipo arma”, e etc, o combate é feito através de cartas que devem ser colocadas em sequência contra o adversário. Então, ao encontrar um monstro o jogador compra 3 cartas do seu baralho de combate e pode jogar uma carta no seu turno, tendo a possibilidade de jogar outras cartas desde que as mesmas consigam ser encaixadas de acordo com o símbolo de bônus (símbolo amarelo na carta). Ou seja, no seu turno pode ser que você jogue uma carta, duas, três, quantas você quiser desde que você sempre consiga encadear na sequência cartas que possam ser jogadas após a primeira carta. Depois, é a vez do inimigo te atacar e isso vai depender de quanto de dano você causou nele. Pode ser que ele cause mais dano quanto mais receber, ou cause terror, ou até fuja se você feri-lo o suficiente, mas não matá-lo. Matar um inimigo sempre gera uma recompensa e um loot, porém não se engane: O combate é difícil sim, mesmo com seu baralho sendo melhorado com a compra de novas cartas em troca de experiência. Os inimigos são sempre complicados devido à sua diversidade e habilidades únicas (alguns permitem que você jogue um máximo de duas cartas, outros além de baterem em você se regeneram quando é a vez deles, etc). Mesmo com baralhos avançados e habilidades melhoradas, por aqui os combates sempre são difíceis e damos prioridade a estar juntos quando vamos sair na pancadaria com algo ou alguém.

Batalhas no jogo são resolvida através de cartas e sequenciamentos. O jogador só pode jogar cartas extras caso elas encaixem na sequência com o símbolo de Bônus (carta amarela com raio). Depois, o monstro ataca baseado na quantidade de danos recebido (cubos vermelhos gerados pelas cartas do jogador).
E aí entra outro aspecto que Tainted Grail manda muito bem: a cooperação. No jogo estamos sempre ajudando uns aos outros. Se estivermos numa party, um jogador pode fazer a ação X que precisa de tanto de ouro e o outro jogador pode pagar por ele ou ajudá-lo a pagar. O mesmo vale nos combates, caso eu queira jogar uma carta que precisa de magia e eu não tenho, meu companheiro pode pagar essa magia pra mim, caso ele esteja no combate comigo. Dentro de um combate, sempre conversamos estrategicamente qual carta deixar aberta na sequência que facilite o próximo jogador a dar mais dano no adversário. E por aí vai, em diversas situações. O jogo chega a obrigar os jogadores a cooperarem em certos momentos. Se uma pessoa estiver morrendo, ela não irá se recuperar sozinha. Outros jogadores têm que largar tudo e correr em seu socorro.
Tudo Isso não impede que Tainted Grail tenha aspectos incômodos. Existem sim, algumas coisas que podem desagradar uma boa parte do público.
Por exemplo, acender um Menhir é uma tarefa que passa a ser chata com o tempo, dada a quantidade de recursos necessários pra isso, os mesmos recursos que são necessários pra explorar locais, lutar, fazer escolhas, etc. Isso pode atrasar muito o jogo e o desenrolar da história para aqueles que, como eu, preferem imergir no mundo do que calcular quantos recursos e quantas rodadas ainda temos antes do Menhir apagar. Não gostamos disso e passamos a usar o Story Mode descrito no manual, que facilita algumas coisas como essa, para explorarmos mais, vivenciarmos mais a história do que a gestão de recursos. E ainda assim por vezes fica bem complicado.
Além disso, Tainted Grail é claramente um jogo que funciona muito bem solo ou com 2 pessoas. Com 3 é um pouco mais arriscado, e com 4 deve ser uma complicação só. O downtime deve ser grande, especialmente quando outras pessoas estiverem numa batalha ou ainda tiverem muito o que fazer e você não, logo a dispersão também.
A história é genial, mas também um trabalho de detetive. Impossível jogar uma vez e voltar a jogar a campanha 2 ou 3 semanas depois sem ter feito quaisquer anotações. É necessário sempre anotar o que tiver acontecido de importante, onde queremos ir, por que queremos ir a tal lugar, etc. Isso pode tornar o jogo exaustivo e trazer um trabalho pra dentro da diversão. No meu caso acho mais divertido ainda, então não chega a ser um problema. Fazer todas essas anotações, riscar o que já fizemos, fazer uma recapitulação geral de uma história muito densa antes de cada partida cai no meu gosto, mas consigo ver sendo um grande problema pra outros.
No final das contas, Tainted Grail é um jogo muito diferente do que há no mercado. Você não joga Tainted Grail, você imerge em Tainted Grail. Você é parte daquele mundo. Você está lá, fazendo parte daquela história, daquele mundo - mas apenas se estiver com um grupo tão imerso e atento quanto, anotando, ajudando e vivenciando as descobertas e dificuldades de Avalon.
Não é um jogo que vai agradar a todos, especialmente quem adora um euro pesado, cálculos etc.
Mas pra quem curte uma aventura densa, com escolhas e consequências, um mundo a ser explorado, personagens a serem evoluídos, uma história a ser descoberta e quer se imergir durante muitas e muitas horas num mundo assim – aqui já chegamos a 50 horas de campanha, obviamente não indo apenas atrás das quests principais -, Tainted Grail chega para ser o jogo definitivo de “RPG in a Box” do mercado.
Como grande fã de jogos de videogame de mundo aberto como The Witcher 3, Red Dead Redemption e etc, acredito que Tainted Grail se aproxime ao máximo do que é possível dessas mídias.
Tainted Grail: The Fall of Avalon mostrou que os jogos podem, sim, serem ousados e saírem da caixinha para trazer muito mais que um jogo de tabuleiro pra mesa, mas um mundo orgânico, vivo e hostil, onde a experiência vai além de “jogar um jogo”.
Curtiu? Veja outros textos do canal:
Fallout, uma oportunidade desperdiçada
Abomination, um euro mórbido cheio de vida
Kick-Ass, chutando bundas em Nova York
Bora Bora, Feld na sua melhor forma