Cosplay de Ameritrash?
Vindication surge sobre a premissa de ser um jogo de aventura. Os jogadores são seres humanos desprezíveis que são despertos em uma ilha desconhecida por um estranho que passará a ser seu primeiro companheiro de jornada. Uma jornada em busca da reivindicação de sua honra, que passará pela exploração dessa ilha misteriosa, lutando contra monstros, recrutando heróis, descobrindo poderosas relíquias antigas e tantos outros elementos fantásticos.
Junto a esse resumo, uma super produção, com medalhas de metal, um monte de miniatura, arte incrívelmente imersiva, tokens consistentes e centenas de cartas com lore associado.
A descrição acima, pode levar muitos a imaginar Vindication como mais um desses jogos de storytelling, exploração, com uma narrativa pré determinada e livros de conteúdo pré definidos. A grande verdade, é que Vindication é um jogo de gerenciar cubos de madeira. E bastante orgulhoso desse fato. A Luta com os Monstros, a busca de relíquias e animais fantásticos, a descoberta e utilização dos poderes de seus companheiros, tudo isso tem a ver com o que você anda fazendo com seus cubos de madeira, que pedem o tempo para serem manipulados.
Bom no que se propõe
Se por um lado isso dificulta a abstração na cabeça de jogadores com um mindset menos criativo, por outro posso garantir que o exercício de gestão de cubos é realmente muito bom. E inclusive efetivo em contar histórias sob outras perspectivas.
E como tais cubos contam histórias? Primeiro precisamos entender como eles estão distribuídos. Primeiro temos a margem do tabuleiro as características de seus personagens, 3 básicas: inspiração, força e conhecimento. Atributos que todos possuímos em algum nível, uns mais, outros menos (depende de quantos cubos você tem ali rs) Atributos que por exemplo, farão com que companheiros se juntem a você. Visite uma taberna e possivelmente conseguirá novos companheiros que te seguirão impressionados pela sua força, ou conhecimento, ou simplesmente por se sentirem inspirados por seus argumentos. Visite a academia de treino para aumentar sua força, em seguida use ela no posto de comando para domar animais mais velozes e ampliar seu deslocamento.
Esses atributos básicos no entanto, se combinados, irão te gerar características mais potentes, inspiração e conhecimento produzem sabedoria, já inspiração e força produzem coragem. Essa transmutação de dois por um, reduz a sua quantidade de atributos mas gera sentimentos ainda mais poderosos, com coragem por exemplo você se torna apto a enfrentar monstros e obter mais pontos de vit... quer dizer, honra. A sabedoria confere poderes, bônus permanentes que alteram a maneira como você desenvolve o jogo. E a visão te leva ao encontro de relíquias extremamente poderosas que fazem muitos marmanjos chorarem por não tê-las.
Já o seu pool de cubos fica no board de jogador, divididos em esferas distintas, onde todos começam com um pouco de convicção, alguma influência e muito potencial. O nome desses repositórios aqui são mais do que apenas nomeclaturas de jogo, mas basicamente a essência do seu personagem. Ou seja esse sistema de recursos está diretamente vinculado à energia, à potência de seu personagem.
Influência é o mais comum dos seus repositórios. É através da influência que você muda seu comportamento, adquirindo os atributos básicos de sua personalidade, é também através da influência que você ativa seus companheiros e suas características e poderes. Quanto mais você precisar da ajuda de um acompanhante, mais cubos investirá nele. O problema é que depois de um tempo, seus cubos se tornarão escassos e você precisará deles. Há outras pessoas que precisam de influência, outros atributos que precisam de aprendizado. Mas no momento que você recupera sua influência de um de seus companheiros, esse também o abandona pro resto do jogo, e com ele inclusive, vai a honra que você adquiriu com a sua companhia.
Viva a imaginação de quem não precisa de muito para utilizá-la
Nesse momento é onde eu percebo que as narrativas dos jogos não estão intrínsecas em miniaturas pintadas super detalhadas ou referências de textos imensos em livros a parte. Você perdeu a influência do seu companheiro na sua jornada, ele foi embora e a honra de sua companhia foi junto, a história se constrói ali em cima da mesa, durante sua jogada onde cubos de madeira simplesmente saíram de um lugar e foram pra outro.
Apesar de não ser um jogo de storytelling, vejo ele como um desses títulos que permitem uma abertura de várias possibilidades para as pessoas que gostam e querem enxergá-las. Vindication é sobre o arco narrativo mais clichê que existe, a jornada do herói, e nesse sentido é efetivamente um jogo de aventura, não só pela perspectiva da gestão de recursos (ou cubos) mas também através da construção de personagens.
Voltando para o seu repositório de cubos, para concluir a descrição, além da influência que já citei há também a possibilidade de torná-la em convicção. E convicção nessa jornada é o que permite o jogador quebrar alguns resultados, seja para impedir que seu companheiro morra em alguma batalha que tenha tido resultados negativos, seja para conquistar um território, seja para ampliar as opções de escolha e mitigar a sorte ao sacar as cartas de algum deck. Ou seja, convicção é o que faz seu personagem ir além, e num jogo onde a construção de tableau é essencial para vitória, é preciso administrar muito bem tal recurso.
Por fim, no extremo oposto da convicção temos o potencial, onde ficam cubos estagnados e inutilizáveis, literalmente todo o potencial que seu personagem possui, esperando para serem transformados em algo que possa fazê-los ir adiante.
Cada história é única
A construção desse arco do personagem por si só, já torna cada partida única, mas para reforçar ainda mais esse sentimento os seus objetivos e os eventos de final do jogo são muito divergentes.
No primeiro caso, seus objetivos são construídos ao longo de toda a sessão. Um objetivo secreto desde o início, um companheiro com bônus alguns turnos depois, uma relíquia que gera muitos pontos depois disso e monstros derrotados que dão novos critérios para aúmulo de honra. Tudo dependendo muito é claro da construção de cada jogo, do mapa, da sua capacidade de deslocamento, das escolhas feitas na utilização de sua influência e convicção.
Já com relação aos critérios de final de jogo, a sessão não termina até que determinadas condições sejam atendidas, e o pulo do gato, é que essas condições se revelam gradualmente durante a partida, fornecendo um punhado de possíveis gatilhos no final do jogo. Às vezes, será baseado em quantos companheiros você tem, ou relíquias, ou habilidades, ou algum outro substantivo. Às vezes, é baseado no controle do território. Mas em qual ordem esses critérios surgirão? Em que momento do jogo? Às vezes, você aciona o último gatilho e percebe que o jogo terminará quase que imediatamente, muitas antes do esperado. Então quando o jogo acaba? Não se sabe essa resposta no início de uma partida de Vindication nem tão pouco quanto tempo irá durar, isso tudo é uma consequência de escolhas durante a construção das história de cada um.
Outra característica que adoro em Vindication é sua natureza modular. São inúmeros módulos que podem ser adicionados a bel prazer de quem for jogá-los, com a combinação que desejarem e com mudanças interessantes no gameplay sem dar trabalho aos jogadores ou complicar o sistema absurdamente simples de regras.
Conclusão
Vindication não é um jogo perfeito, mas pra mim ele faz o inesperado. Em vez de cair no clichê de jogos de fantasia, com elementos como busca de armas encantadas, alimentação e alquimias entre materias mágicos na gestão de recursos, Vindication transforma cubos de madeira em reservas mentais e emocionais. Um início com enorme potencial bloqueado que se torna aos poucos em manifestações distintas de energia vital ajudando a construir a história de redenção do seu personagem.
Como disse no parágrafo anterior, Vindication não é um jogo perfeito, mas traz uma característica que acho fundamental para boardgames, estimula a imaginação e a criatividade ao contar histórias diferentes, tudo isso é claro para quem deseja fazê-lo. Jogos de tabuleiro, assim como livros, são meios de contar histórias, e quando a narrativa surge em cima da mesa, durante uma partida e não escrita em um livro adicional na caixa, esse jogo passa a ter um carinho especial de minha parte. Afinal de contas, não é quaquer um que é capaz de contar a jornada pessoal de um herói, através de cubinhos de madeira.
************************************************************************************************************************************

Para acompanhar futuras resenhas é só se inscrever no
canal aqui da ludopedia, e se quiserem saber o que tem visto mesa com mini reviews, segue lá no instagram
@
area21_bg
Outras análises do Canal:
Pax Pamir - O jogo mais importante de 2019
Its a Wonderful World - O 7 wonders killer
Marco Polo 2 - Desenjaularam o Monstro?
Tapestry - Quanto Vale um Jogo?
Barrage - Interação Cruel é Genial
Pipeline - Difícil de jogar, fácil de gostar
Escape Plan - Clank para adultos?
Calimala - O Italiano com cara de alemão
Anachrony - O Worker Placement Gourmet
Everdell - Só mais uma árvore bonitinha na mesa?
Dinosaur Island - Um Euro que valoriza mais o tema que as mecânicas
Wendake - Programa de índio ou ilustre desconhecido?
Endeavor - A referência de elegância nos Board Games
Carpe Diem - Aproveite o dia e faça pontos
Arquitetos do Reino Ocidental - Inovar é suficiente?
Ceylon - Um jogo sobre Chá, Timing e Escolhas