...cada jogo tem sua história no final das contas...
Vencedor do prêmio Spiel des Djows de melhor citação filosófica aleatória como resposta de um post na Ludopedia
Na qualidade de auto-proclamado vencedor do prêmio Spiel de Djows de apropriação indébita do prêmio alheio, este humilde escriba traz a vocês um texto cuja origem vem justamente do comentário do nosso colega de fórum, o
red_djow, em uma postagem que fiz recentemente sobre o
Clãs da Caledônia. Falávamos sobre o sentimento que temos enquanto estamos pensando na compra de um determinado jogo e ele soltou a frase que usei como epígrafe.
Eu voltarei a isso mais adiante neste texto e também numa das próximas postagens, quando falarei de um jogo que de fato teve uma história bem legal, o
Snowdonia: Deluxe Master Set, que é o cume do
eurogame porn do planeta. Tergiversei, mas volto à frase e ao que ela desencadeou em meu cérebro.
Hoje falaremos de
Roll Player, com particular ênfase em seu modo solo. Trata-se de um jogo de draft de dados, draft de cartas, set collection e jogadores com poderes variáveis no qual você está fazendo uma das coisas mais deliciosas que o RPG permite, que é montar um personagem. Em essência, o que você faz nesse jogo é rolar dados, escolher um deles em cada rodada e comprar uma carta do mercado. Meu jogo, que está nas fotos, está com a expansão
Roll Player: Monsters & Minions, que adiciona dois elementos muito legais: os minions e os monstros. Os minions são monstros mais fracos que servem como opção a você comprar ou descartar cartas, isto é, você pode combatê-los em busca de experiência, ouro e troféus que te permitirão lutar de forma mais segura contra o monstro final. Esse último é como se fosse um chefão da última fase dos videogames. Você constrói o personagem em termos de seus atributos, habilidades e equipamentos para chegar lá no fim e lutar desesperadamente contra ele. A expansão não foi lançada no Brasil ainda, mas acredito piamente que será, bem como a seguinte,
Roll Player: Fiends & Familiars.
Setup de uma partida solo com os componentes da expansão. A esquerda, os dados de combate. Na ficha, um boost dice transparente, e a esquerda o monstro e seu deck de minions. O playmat eu peguei no BGG e imprimi. Ficou muito bacana e funcional.
Setup inicial da ficha do personagem. Atentem para o boost dice, da expansão, no atributo constituição.
O modo solo desse jogo é realmente muito bom, porque muda muito pouco as regras do multiplayer, não tem uma manutenção muito complicada e é gostoso e fácil de se jogar. Os pontos centrais de interação entre os jogadores são o draft de dados e o draft de cartas, que são bem contemplados pelas regras solo. Como a interação não é muito grande, perde-se muito pouco em relação ao jogo multiplayer. Aqui você não tem um oponente automatizado, mas tenta maximizar sua pontuação e atingir o máximo nível de sucesso possível, conforme parametrizado pelo próprio manual. Por exemplo, usando-se somente o jogo base, uma pontuação até 21 pontos te qualifica como um NPC, enquanto uma pontuação de 38 pontos ou mais te qualifica como um verdadeiro herói.
Aspecto final da partida, na qual eu consegui derrotar o dragão e amealhar 41 pontos.
Uma visão mais próxima da ficha do personagem ao fim da partida. Observem como é possível mitigar os dados.
O jogo solo não chega a ser difícil, fica numa escala que eu coloco parecida com a do
Imperial Settlers: A Ascensão de um Império, mas a graça é você conseguir maximizar sua pontuação com a dificuldade imposta pelos dados selecionados e as cartas disponíveis. Na expansão, a luta final contra o monstro traz um outro elemento, que é a possibilidade de você perder o jogo. No combate final, se seu rolamento não atingir a pontuação mínima necessária para pelo menos provocar algum dano no chefão, você simplesmente perde o jogo. Volto a falar, não chega a ser difícil hora nenhuma.
Se você lê em inglês, uma sugestão excelente é que você participe dos desafios solo para o Roll Player que se encontram disponíveis mensalmente no BGG. Você pode jogá-los com o jogo base e qualquer combinação de expansões. O que se faz ali é dar um setup inicial (ficha de personagem, classe, alinhamento e background) e os jogadores tentam atingir a máxima pontuação possível. É algo muito semelhante ao que ocorre com as ligas do
Legendary: A Marvel Deck Building Game. Esse tipo de coisa mitiga o estigma do jogador solitário e você compete com algo a mais do que a simples pontuação escrita no manual.
Para quem acha que dados são problemáticos e que esse é um jogo que depende exclusivamente de sorte, gostaria de dizer o seguinte: “
amiguinho, se você não sabe brincar, por favor não desça para o play”. Há infinitas oportunidades de se mitigar e modificar os resultados dos dados, o jogo tem um fluxo muito bom e, com a expansão e os pontos de experiência, você tem muitas opções de novos rolamentos. Trata-se, portanto, de ter uma boa capacidade de planejamento e de saber conviver com riscos e ter estratégias para mitigá-los.
O jogo tem uma produção muito boa, que conta inclusive com a participação de artistas brasileiros, mas faço a ressalva de que as cartas do mercado que vem com a expansão tiveram o fundo de cor levemente diferente do que as do jogo base. E olha que o meu é a edição original da Thunderworks Games. Isso não chega a atrapalhar nada, todavia. Nem mesmo para aqueles grupos altamente competitivos, acredito que isso chegará a ser problema.
O que acho ser o principal problema de Roll Player talvez seja também uma de suas grandes virtudes. Apesar de ser uma corrida de pontos, trata-se de um jogo muito temático. Isso pode ser ruim para quem não curte RPG, mas é um prato cheio para quem, como eu, é um sobrevivente da geração xerox do RPG, alguém que passou boa parte da vida pensando em criar combos mirabolantes para personagens nos mais diversos sistemas. Roll Player é tão temático, que você se sente de fato dando vida a um personagem, quase contando uma história.
Isso me traz de volta à citação do nosso
red_djow, lá na epígrafe.
Uma das principais preocupações que tenho notado nos lançamentos mais recentes é a tal necessidade de o jogo contar uma boa história. Há uma cobrança grande, como se isso fosse um pré-requisito para que o jogo pudesse ser rotulado como bem feito. O jogo precisa ser temático em seus componentes, integrar o tema e suas mecânicas, ter uma narrativa que te permita contar uma boa história ao fim da partida e por aí vai.
Opinião 100% pessoal a respeito disso:
bullshit. Se o jogo funcionar bem e for divertido, dane-se o tema, dane-se a narrativa, dane-se a história. Stefan Feld está aí para mostrar que isso é verdade. E, pelo visto, não sou o único a achar isso.
Azul,
Wingspan,
Código Secreto estão todos no topo da lista dos mais jogados dos últimos anos no BGG.
No entanto, há certos jogos que te permitem contar essa narrativa sem muito esforço. Roll Player é um feliz exemplo disso. Quero muito pegar o elfo negro psicopata da minha sessão de jogo e colocá-lo vivo, num mundo cheio de perigos e magia, para ver como ele se comportará, quem serão seus antagonistas e quais caminhos ele escolherá. Aparentemente, o próximo lançamento da Thunderworks Games nesse universo, o Roll Player Adventures, nos permitirá justamente isso.
Para finalizar, Roll Player foi uma excelente surpresa. Não esperava tanto desse jogo e, com as expansões, o que já era bom fica ainda melhor, sem muita complexidade agregada. Ele trouxe muito mais para a mesa do que o
Sagrada, um dos jogos de draft de dados mais badalados dos últimos anos. Como meu foco principal é o jogo solo, Roll Player foi um verdadeiro Sagrada killer. Recomendo a leitura do
review que fiz do modo solo do Sagrada para que entendam o porque. A única situação em que eu recomendaria o Sagrada em relação ao Roll Player seria como jogo introdutório para não-gamers, porque o caráter abstrato de Sagrada será bem mais sutil que um jogo que exuda tema, como Roll Player.
Obrigado,
red_djow e demais colegas do excelente canal
Spiel des Djows. Recomendo muito que todos no portal o acompanhem, sobretudo sua excelente série sobre o
Arkham Horror: The Card Game, que tem me entretido barbaramente.
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