Sem me ater ao detalhe se o jogo é bom ou ruim, pessoalmente, ainda me causa um pouco de surpresa as relações entre valor e preço no que se refere a jogos de tabuleiro, em especial por um motivo bem particular, explicarei.
E porque? Simples, porque aqui o valor está , na maioria das vezes diretamente ligado em como o jogo ganha em qualidade [mecânica, diversão, profundidade, etc]. Para mim isso é uma confusão, misturam de forma bem delicada a noção clássica de "valor de uso" e "valor de troca". E sabemos muito bem que não dá para precificar de forma simplista o valor de uso ao de troca em jogos de tabuleiro. E nesse sentido me parece comum frases que me soam complicadas para eu digerir, como bohnanza é um ótimo jogo porque é barato ou - a armadilha que me leva ao crer - pelos comentários, que se Tapestry fosse mais barato ele seriacomeentários um jogo melhor. Faz parecer que Terra Mystica deveria valer mais porque é mais profundo e Tapestry engana os outros por assim não ser. Olha que coisa mais absurda.
E me espanta ainda mais porque não vejo essa relação ingênua em outras atividades [até mais cara que a nossa]. Por exemplo, se tratando de coleção de HQs, revistas como a número 2 do Mickey lançado pela Ebal está sendo vendida por 2200 reais no Mercado Livre, a número 1 vale tranquilamente mais de 5.000,00 reais. Qual o Valor delas? Como precificação disso se relaciona ao valor de uso sendo que elas só servem para guardar? Até porque se ler poderá danificá-las.
Discute-se também se o jogo inventa a roda [e novamente relacionam isso ao valor e preço]. Ou seja, qual a sua novidade criativa, artística, mecânica? E aí um dos pontos importantes, esquecemos que hoje essas questões estão diretamente ligadas à calculabilidade das coisas. As mecânicas, o design, a arte, a própria estética, em sua noção não escapam de uma tradição ocidental inventada bem lá atrás pelos gregos; para eles é: "Harmonia, Simetria, Equilíbrio e Perfeição". O que produzimos enquanto às mecânicas, design, arte do jogo são nada mais do que a calculabilidade imperando, aliás, como quase tudo que se produz hoje em questão de mercado. Então onde está a novidade nisso, o criativo?
E nesse sentido, onde eu quero chegar com isso tudo? É simples, não consigo aceitar, apesar de respeitar, os argumentos que associam qualidade ao preço quando isso, no dia a dia, no cotidiano já está contaminado, e em especial quando trazemos isso aos jogos de tabuleiro. Ninguém paga exatamente em jogos o real "valor de troca", aqui só impera o valor de uso e algumas ostentações. E é exatamente por isso que não da para dizer se um jogo é bom e se valeria mais se fosse mais barato. Até porque se o cara quiser comprar Tapestry para guarda na estante e nunca jogar esse será o valor de uso para ele, e se ele fizer isso com Twilight Imperium, mage Knight Ultimate, Food Chain Magnate, Anachrony, isso não fará o preço ser mais barato ou ser um jogo melhor ou pior. Tenho amigos que compram jogos mais caros apenas por sua raridade e, por essa comunidade, seriam considerado datados, ultrapassados, algumas observações, até como loucura, etc.
Não dá para associar o valor de uso nos jogos de tabuleiro diretamente ao preço - não esqueçam que essa é uma atividade de colecionismo -, precificar esse valor e esquecer os signos que estão por trás disso é tolice. Esses argumentos até parecem canto de sereia, mas indo um pouco mais além não me convence. Ainda mais quando relacionam isso às mecânicas, diversão, profundidade, estética, arte, é simplesmente absurdo. Então Tapestry é desonesto, ruim, não bom [coloquem o adjetivo que quiserem] pelo que entrega? Em minha observação, com certeza não, assim como não é Indonésia, Food Chain Magnate, Spiel mit Lukas [primeiro jogo do Feld] ou o número 1 do Mickey versão Ebal.