A votação para o Top 100 de Jogos Solo da 1 Player Guild Brasil já está valendo! Por favor confira a postagem e não deixe de submeter seus votos conforme as regras ali explicadas.
Lançado em Essen ano passado,
Cidades Submersas foi propalado pela crítica especializada como uma alternativa para quem quisesse o que
Terraforming Mars oferecia, mas estivesse procurando algo um pouco diferente. Esse é um fardo gigantesco para um jogo novo, mesmo sendo de Vladimir Suchy, um designer já conhecido e experimentado. Terraforming Mars pegou o mundo dos boardgames pelo pescoço, lhe deu três safanões e logo atingiu o topo do ranking do BGG. Seria possível que esse jogo novo, o primeiro de uma editora independente, fizesse sombra ao monstro Terraforming Mars? Minha curiosidade foi muito aguçada por tudo que se falou, fiquei de olho. Estava perto de comprar uma cópia gringa, mas logo a Meeple BR anunciou que o traria e peguei a edição nacional assim que pude.
Com o colapso ambiental do planeta Terra, no intervalo de tempo compreendido entre os tempos atuais e o início da colonização espacial, voltamos nossos olhos para o mundo submerso e resolvemos explorá-lo. Cada jogador possui um playmat com uma cidade inicial e metrópoles costeiras, devendo ele ocupar os espaços no fundo do oceano com novas cidades, túneis e estruturas produtivas, criando uma rede complexa que permitirá a geração de recursos e sua sobrevivência. O jogador faz isso através da combinação de ações no tabuleiro e cartas de sua mão. As cartas e ações são de três cores possíveis (amarelo, verde e vermelho). Em cada dos turnos, o jogador seleciona um espaço de ação no tabuleiro e joga uma carta; caso essa carta tenha a mesma cor do espaço de ação que você selecionou, além dos efeitos do espaço de ação do tabuleiro, ele também receberá os efeitos da carta. Caso a cor deles não seja a mesma, a carta não terá nenhum efeito. Quando terminar aquela ação, o jogador saca uma nova carta do baralho das eras e, a despeito do número de cartas que ele tenha sacado naquela rodada, quer seja por efeitos de outras cartas/ações ou como final da rodada, ele só poderá permanecer com três delas ao passar sua vez. Em cada rodada do jogo, o jogador terá três ações no tabuleiro. Quando todos tiverem alocado suas três ações, a rodada termina, os marcadores de ação são recolhidos e começa-se nova rodada. Ao fim de três ou quatro rodadas, o que constitui uma era, há uma fase de produção na qual o jogador adquire recursos a partir das estruturas por ele construídas, paga comida por suas cidades e ganha pontos de vitória. Concluída a última fase de produção, após a décima rodada do jogo ou fim da terceira era, ele se encerra e são contabilizados os pontos de vitória, obtidos a partir da combinação de pontos fornecidos por estruturas, cidades, cartas e recursos. Vence aquele que conseguir mais pontos.
Minha explicação de regras não é lá a última bolacha do pacote, mas, se quiserem ver como o jogo funciona na mesa, recomendo que assistam ao vídeo do
Tankbr, cujo
link está aqui. Raramente o Covil grava um vídeo solo e essa é uma dessas felizes exceções.
E quanto ao jogo solo? Como funciona?
De forma muitíssimo semelhante ao jogo multiplayer, mas com três pequenas mudanças. A principal é uma condição de vitória clara e que não se encontra presente no jogo multiplayer: você deve construir sete cidades e atingir 100 pontos de vitória. Outra coisa que muda é que pelo menos um dos espaços de ação de cada cor será bloqueado pelos marcadores de um jogador neutro a cada rodada. Eles começam no espaço mais a direita e, ao fim de cada rodada, deslocam-se um espaço para a esquerda. Caso você não consiga subir na trilha de federação, um quarto marcador de ação do jogador neutro também bloqueará um espaço conforme determinado aleatoriamente por uma carta sacada por você. O restante do jogo é idêntico ao modo multiplayer.
Quer saber o que eu achei? Vamos lá.
Primeiramente, a despeito de qualquer coisa ou comparação, utilizando mecânicas simples e familiares, como a alocação de trabalhadores, gestão de mão e tableau/engine building, Cidades Submersas é um jogo excelente! Ele não tem nada muito inovador, mas em minha humilde opinião, foi um dos grandes lançamentos de 2018. E, digo mais, se você o coloca como algo que lembra Terraforming Mars, saiba que o está comparando a um dos melhores engine builders já criado e de maior sucesso comercial e de crítica. Isto é, a comparação por si só, é um elogio absurdo.
Em essência, o que fazemos é construir uma máquina de pontos que pode lhe dar alguns pontos durante a partida, mas que visa, sobretudo, explodir na contagem final. Você tem a nítida sensação de escalonamento progressivo, de crescimento. Sua máquina vai ficando cada vez mais potente e azeitada. E isso é mérito de Vladimir Suchy, pois dois elementos do design ajudam muito a conferir essa sensação: o tamanho dos decks de cartas e o fato de você ter um deck diferente para cada uma das três eras. Como os decks são relativamente pequenos (66 cartas para a primeira era e 57 cartas para cada uma das duas outras), a possibilidade de você ter acesso a uma que irá de fato fazer muita diferença em seu jogo é grande. O fato de você ter decks diferentes para cada uma das eras faz com que as cartas tenham efeitos incrementais e você não tem muito aquilo de sacar uma carta que não vai ter nenhuma serventia para seu jogo naquele momento.
Um ponto muito interessante, também do design, é o fato de você só poder passar sua vez estando com no máximo três cartas na mão. Em seu review, o Davi Coelho, do canal Siga o Coelho, disse que o designer podia ter aumentado o tamanho da mão de cartas como uma forma de torna o jogo mais agradável, de dar mais aquela sensação de ações superpoderosas. Embora o ache um ótimo reviewer, nisso eu discordo dele. Esse elemento traz uma nova dimensão a seu espaço de decisão e as decisões de quais cartas você irá manter em sua mão e quais você irá descartar muitas vezes é dificílima. A dimensão estratégica que isso acrescenta ao jogo é fenomenal.
E, para mim, o grande brilho do jogo está em você fazer tudo isso com apenas 30 ações ao longo de toda a partida. Há algumas cartas e escolhas que podem ser feitas com o intuito de maximizar essas ações ou multiplicá-las, mas são 30 ações e ponto. Isso reduz seu espaço de decisão consideravelmente e te obriga a ser preciso, incisivo. Reconhece-se, portanto, uma das qualidades primordiais dos melhores eurogames, que é aquela sensação de estar sempre precisando de uma ação a mais para fazer o que se quer. Isso traz o desejo de jogar novamente para poder escolher melhor e errar menos.
Não é, todavia, um jogo punitivo. Você não é punido imediatamente por escolhas erradas e há margem para corrigir esses erros durante a partida. Como a contagem de pontos se dá principalmente no fim da partida, você não percebe muito o impacto dessas decisões equivocadas. A principal forma de punição é a perda de pontos de vitória ou recursos caso você não consiga alimentar suas cidades na fase de produção, num esquema semelhante, por exemplo, ao Agricola. Não é, todavia, aquela coisa angustiante e asfixiante que o
Agricola trás, isso é bem mais sutil, até porquê você tem alternativas para poder alimentar suas cidades, de modo parecido com o que se faz em jogos como o
Caverna: The Cave Farmers. Ademais, o fato de você finalizar a contagem de pontos somente no final não dá tanta angústia e mitiga um pouco aquela coisa do runaway leader. Tudo isso deixa o jogo menos agressivo, menos punitivo.
Como trata-se de um jogo com baixíssima interação entre os jogadores, seu modo solo é competente. A interação se dá principalmente pelo posicionamento do marcador do jogador na trilha de federação e pelas disputas pelos espaços de ação no tabuleiro e pelas cartas na oferta. Desses, o único elemento que não é contemplado, é a disputa pelas cartas. Um ponto passível de crítica é que os espaços que serão bloqueados pelo jogador neutro são, na maioria das vezes, previsíveis. Digo na maioria das vezes, porque nos turnos em que você falhar em subir na trilha de federação, um quarto marcador será posicionado aleatoriamente além dos outros três cuja posição você conhecerá de antemão. Isso, todavia, não retira nenhum elemento vital do que entendo ser a essência desse jogo. O cerne, que é a construção da máquina geradora de recursos e pontos através da seleção de ações e cartas, está todo ali. A condição de vitória é também bastante difícil de ser atingida. Com 8 partidas, o mais próximo que cheguei foi conseguir 7 cidades e 94 pontos. Apesar de difícil, ela é nitidamente possível. Não é aquele modo solo contra o qual não temos nenhuma chance.

Fim de uma partida solo que acabou em derrota! Crédito ao usuário maeddes, no BGG. Link.
Mas e aí, tem alguma coisa ruim?
Ruim de verdade só uma: os componentes. Ainda que isso se justifique (editora independente, primeiro jogo, orçamento limitado), ele merecia uma produção mais caprichada. A arte é bem genérica, sem graça. Os playmats são de um papel fino que lembra os do Castles of Burgundy, as cartas não tem a melhor qualidade e as peças de plástico são todas, no máximo, OK. Quando saiu a primeira tiragem da Delicious Games, a produtora original, isso foi dito e repetido. As tiragens seguintes, entre as quais estão a da Rio Grande e a nossa, da Meeple BR, viriam com um playmat melhor e cartas de qualidade também superior, mas eu, sinceramente, não vi isso. No geral, fico com a impressão de que a edição brasileira é tão boa quanto as demais, o que não significa que isso seja bom. Esse ano, em Essen, será lançada a expansão New Discoveries, que aparentemente corrigirá o problema dos playmats, trará mais cartas e algumas novas mecânicas. Resta orar fervorosamente para todos os deuses do panteão dos jogos de mesa para que a Meeple BR traga essa expansão logo. O tempo vai mostrar.

Alguns dos componentes do jogo. Crédito ao usuário GabyCR, no BGG. Link.
Um outro ponto que pode ser criticável é que, por se tratar de um jogo baseado em cartas, a aleatoriedade do saque pode ter um impacto negativo. Esse fato é mitigável, pois você tem ações e cartas que lhe permitem sacar novas cartas durante seu turno, mas talvez, se ao invés de sacar uma carta somente ao final do turno, sacássemos duas ou três e só pudéssemos manter uma delas, isso deixasse de ser problema. Pessoalmente, não acho que isso seja um problema maior, mas o pode ser para quem espera um jogo mais controlado.
Agora a pergunta difícil: Cidades Submersas ou Terraforming Mars?
Eu já discorri muito sobre Terraforming Mars e suas expansões em outro texto aqui no canal. Recomendo muito sua leitura para que você conheça minha opinião sobre ele. Gostaria, no entanto, de destacar alguns pontos nos quais acho que Cidades Submersas supera o Terraforming.
Em primeiro lugar, o tempo de jogo. A caixa fala em 30-45 minutos por jogador e acho que é isso mesmo. Minhas primeiras partidas foram um pouco mais lentas, mas depois ficou rápido. Em menos de uma hora é possível jogar uma partida solo, incluindo nesse tempo o setup e o desmonte do jogo. Com o Terraforming isso é um pouco mais demorado, mesmo usando-se inserts e tendo tudo organizado. Se você incluir as expansões, aumenta um pouco ainda. Para partidas com mútliplos jogadores, imagino que o tempo também aumente, mas isso também é problema com o Terraforming. Já cheguei a jogar partidas com quatro jogadores que quase bateram nas três horas.
Em segundo lugar, os design. Dois pontos relativos a isso merecem destaque: o caráter incremental dos baralhos diferentes de uma era para outra e a grande importância das suas principais decisões no jogo. Os baralhos são bem menores e mudam bastante de uma era a outra, sendo que o da terceira era, por exemplo, concentram-se muito mais em gerar pontos do que os da primeira, que presta-se a alavancar sua máquina de pontos. Isso faz dele um jogo que se desenvolve melhor ao longo da partida, sem aquela coisa de você ter uma carta que precisa de oxigênio que você não terá até dali a 6 rodadas. Adicionalmente, suas decisões são realmente importantes e precisam ser bem ponderadas. Suas ações são bem menos numerosas e você tem acesso a um número pequeno número de cartas em cada era. Nesse sentido, Terraforming Mars é um jogo bem mais aberto (
sandboxy, para usar o termo da moda), com muito mais possibilidades, mas a sensação apertada, quase asfixiante que o Cidades Submersas traz com essa exiguidade me é muito prazerosa.
Quanto ao modo solo, ambos são excelentes. Nenhum deles exige regras complexas, distintas do jogo multiplayer ou demandam muito trabalho pelo jogador. São pequenas adaptações do modo multiplayer em jogos com baixo grau de interação. Não dá para fazer uma distinção clara entre eles nesse aspecto, mas Cidades Submersas ganha por conta da praticidade de se jogar mais rápido.
À minha pergunta, Cidades Submersas ou Terraforming Mars, responderei de forma retórica. O que você prefere: um Ferrari ou um Bugatti? Uma taça de champagne ou de um bom prosecco? 1 bilhão de reais ou 1 billhão de reais e dez centavos? Em outras palavras, são dois jogos incríveis, excelentes, não tem muito erro com um ou com outro. Eles tem várias coisas em comum. Vai da sua preferência pessoal.
Para mim, tendo o modo solo em mente, fico com Cidades Submersas. Venham, haters. Amo vocês.