Se para nós, adultos, mesmo com a grande quantidade de informações disponível sobre board games, já passamos a roer as unhas e arrancar os cabelos calculando os riscos, custos e benefícios para a compra de um jogo, não queiram imaginar o sacrifício que é escolher jogos para crianças.
Com o metabolismo em alta voltagem, a vontade de correr e de virar o mundo de cabeça para baixo, fazer com que estes microsseres consigam destinar intermináveis 10, 20 ou 30 minutinhos focados até o final de uma partida não é tarefa fácil! Jogos infantis não podem ser muito pesados, nem exigir que os cerebrozinhos das crianças fritem em mecânicas complicadas. Não é interessante também que sejam demasiadamente competitivos trazendo conflitos ou frustrações desnecessárias ao grupo e, por fim, não podem exigir muita leitura. A imersão em um universo divertido e descontraído deve ser a prioridade!
Outro grande problema para a escolha de jogos infantis é a seleção de um jogo que caiba bem para a variação da faixa etária de seus pequenos. Enquanto não há problema algum em jogar Projeto Gaia, por exemplo, numa mesa de adultos de 35, 36 e 37 anos, montar uma mesa de jogo para crianças de 4, 5 e 6 anos exige um pouco mais de cuidado! Enquanto uma criança de 4 anos está começando a desenvolver a comunicação de forma mais complexa e articulada, crianças de 6 anos já conseguem analisar e elaborar estratégias de como se comportar em diferentes ambientes com distintas regras sociais, planejando benefícios e calculando os riscos das próprias ações (“O pudim antes do almoço eu peço para a vovó, mas sem meu pai saber!”). Portanto, pode ser que um jogo que interesse muito a uma criança de seis, seja bastante complicado ou desanimador para uma criança de quatro anos.
Além de todas essas exigências, que devem levar os designers de jogos infantis à loucura (mil reverências a eles e elas), não podemos negar que muitos adultos procuram também aquele jogo que os inclua com as crianças e que ainda tenha uma abordagem educativa. Quem teria a venerável paciência de ficar uma hora jogando jogo da velha com a sua sobrinha de seis anos? Mas já com o Nhac Nhac à mesa, uma hora com a meninada passaria voando!
Mas não desesperem! Há um crescente movimento de adultos trocando informações, pensando e criando bons jogos infantis para os nossos pequenos. Gostaria então de aproveitar para falar sobre um maravilhoso jogo que adquiri recentemente para jogar com o meu filho João, de 5 aninhos. Depois de meses de pesquisas e buscas, recebi a certeira recomendação da Invasion BG: Leo vai ao barbeiro!

Neste jogo, do designer Leo Colovini e lançado no Brasil pela Devir, o personagem principal chama-se Leo (coincidência?), um leão boa praça e relapso que adora dialogar com todos os animais da floresta, até com aqueles que se borram de medo ao avistá-lo, como a pobre zebra assustada. E, se Leo encontra a leoa, pode esperar sentado, pois o papo apaixonado vai longe! Mas a juba de Leo está absurdamente grande e não para de crescer. Já está mais que na hora de ele ir até Bobo, o macaco barbeiro, para aparar as madeixas. O jogo é cooperativo e todos os jogadores compartilham a missão de acordar Leo em sua cama, às 8 horas, e levá-lo até o barbeiro, sem que ele perca a hora batendo intermináveis papos pela floresta. Se Leo se distrair demais com seus amigos, Bobo fecha a barbearia, a juba de Leo cresce mais um pouco e todo o trajeto na floresta deve ser feito novamente.
Basicamente, o jogo se desenrola através de um trajeto na floresta que vai da cama de Leo até a barbearia do Bobo, que deve ser finalizado antes que o relógio marque o horário de 8 horas da noite. O trajeto é composto de fichas quadradinhas (tiles) dispostos em ordem aleatória, contendo cada um a imagem de um animal da floresta (arara, rinoceronte, zebra, leoa, jacaré etc.) em um cenário de fundo com uma cor específica (lilás, amarelo, rosa, vermelho ou azul). Em cada tile há também a indicação de quantas horas Léo gastaria, caso decidisse parar para bater um papo com o seu amigo ou amiga.
Para movimentar a miniatura do leãozinho pela floresta rumo ao barbeiro, os jogadores recebem cartas que indicam a quantidade de tiles que o cabeludo rei da floresta deverá avançar. Estas cartas mostram a imagem do carismático Léo passeando despreocupado pela floresta, mas também possuem cores distintas de plano de fundo, assim como nos tiles dos animais.
Jogou uma carta de número 2 e de cor azul? Caso Leo tenha parado duas casas à frente em algum animal com o tile também de cor azul, ótimo! Ele apenas bocejou um gracioso bom dia e não deu muita trela para papo furado àquela hora da manhã. Mas se Leo parou, por exemplo, bem no abrigo da leoa e as cores da carta e do tile não coincidiram, haja paciência! Avance o ponteiro do relógio em 5 horas, pois a conversa certamente renderá bastante. A zebra, sabiamente assustada em frente a um leão, prefere sempre um papo reto e só atrasa o desleixado Leo por 1 hora. O preguiçoso rinoceronte só conversa por duas horas, o jacaré por três, a arara falante por quatro e assim vai… cada animalzinho atrasando o Leo à sua maneira.
Caso perca as horas em demasia e não chegue em tempo à Barbearia, Leo deverá retornar à sua cama, dormir mais uma noite e aguardar a manhã seguinte para repetir o caminho pela floresta, mas desta vez com a juba maior ainda (encaixe uma peça da juba no rostinho do Leo)!

Achou fácil!? É agora que vem a parte mais interessante! Todo o caminho do leãozinho até o barbeiro não fica à mostra. Os tiles ficam dispostos com a face dos desenhos dos animais voltada para baixo. Quando Leo conversa com algum animal, o desenho do seu amigo proseador fica então revelado até o fim do dia. Mas cada vez que Leo não chega à barbearia e retorna a dormir, para refazer o trajeto no dia seguinte, todos os tiles são novamente virados com as faces dos animais voltadas para baixo. Assim, refazer o trajeto requer um exercício de memória, um bom gerenciamento das cartas à mão e muito diálogo cooperativo para que todos façam com que o nosso descuidado Leo apare definitivamente a sua juba, sem perder muito tempo em intermináveis conversas! Caso todas as peças da juba (quatro peças, quatro chances) sejam encaixadas ao rostinho do Léo, infelizmente você não cumpriu a missão do jogo.

A minha experiência com Leo foi fantástica. A partida com o meu pequeno durou aproximadamente 15 minutos e tivemos que refazer o trajeto por duas vezes. A imagem da juba do leãozinho crescendo a cada vez que perdíamos o horário é muito divertida e rendeu boas risadas. O jogo casaria melhor se tivessem, além do meu filho de 5 anos, outras crianças um pouco mais velhas, de seis ou sete anos, por exemplo, pois provavelmente o papel do adulto na cooperação ficaria menos importante e oportunizaria um aprendizado mais difuso entre os curumins.
A arte do jogo é linda, leve e extremamente cativante e os componentes são todos de ótima qualidade. O manual é bem explicativo e traz regras opcionais para tornar o jogo mais fácil ou mais difícil, o que promove uma adaptação maior do jogo a depender da idade das crianças que estarão à mesa.
É impressionante como nos jogos cooperativos a complementação das habilidades dos jogadores e a capacidade de estar ativa e humildemente atento para receber ajuda são fundamentais. Meu filho, de cinco anos, me deu uma aula (uma surra, na verdade) de memória enquanto eu tentava ajudá-lo a gerenciar as cartas à sua mão ou a administrar a sua frustração, quando, inevitavelmente, às portas do barbeiro, tivemos que parar para bater um papinho descontraído até às 8 horas da noite com o jacaré falante. O jogo também me serviu como referência nos dias seguintes sempre que precisava avisá-lo sobre a administração do nosso horário. “Não vamos ficar enrolando aí para vestir a roupa, para não chegarmos atrasados na escola. Lembra do Leo indo ao barbeiro?”.

Ao final da partida, minutos antes de meu filho dormir, perguntei se ele havia gostado do jogo. Voltando-se para o pequeno Leo com a juba toda aparadinha, deu um grande e profundo suspiro como quem admirasse a sua grande obra na versão mais convincente, e respondeu: “Cansei a minha memória, mas estou bem feliz”!
E, se é esse o objetivo maior dos board games, gerar felicidade, posso dizer que nesta noite também fui dormir feliz. E sem perder a hora!
Bruno Marchena é biólogo com atuação na área de ecologia de comunidades, apaixonado por pedagogia libertária e saberes de comunidades tradicionais. Fã de jogos infantis, jogos experts, de controle de área e alocação de trabalhadores.
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