Antes de mais nada, a votação para o Top 100 de Jogos Solo da 1 Player Guild Brasil já está valendo! Por favor confira a postagem e não deixe de submeter seus votos conforme as regras ali explicadas.
2017 foi um ano que nos trouxe dois ótimos abstratos ao mercado: o fenômeno
Azul e
Sagrada. Não sem uma pitada de vergonha, confesso que não joguei o primeiro até hoje, mas o segundo me impressionou bastante. Num primeiro momento pela beleza e produção e, depois, pelos bons reviews que recebeu. Logo que tive oportunidade, peguei uma cópia da Floodgate junto com a expansão para 5-6 jogadores, muito embora tivesse nítida consciência de estar cedendo a um ato de puro colecionismo com a compra da mesma.
Em Sagrada, um jogo de draft de dados, temos que selecionar e posicionar dados em um grid como se fossem peças de vitrais da Sagrada Família, a infindável magnum opus do arquiteto catalão Antoni Gaudí. O posicionamento desses dados não é aleatório, mas obedece a restrições numéricas e de cor, mas o jogador também deve se atentar a objetivos de fim de jogo que lhe conferirão pontuação e podem ser públicos ou pessoais. Ao final de 10 rodadas, nas quais cada jogador selecionará 2 dados, vence aquele com a maior pontuação.
O jogo multiplayer em Sagrada é excelente! É um quebra-cabeças de primeira grandeza, com um visual incrível, capaz de atrair até mesmo quem não curte jogos de mesa. Junto com o Wingspan, esse foi um dos (raríssimos) jogos que despertou o interesse da minha esposa aqui em casa. Como as regras são bastante simples e as partidas são rápidas, jogamos algumas partidas e ela visivelmente se divertiu. Não cheguei a jogá-lo com maiores contagens de jogadores, mas temo que a partida possa se arrastar mais com uma fase de draft mais longa. A expansão para 5-6 jogadores traz algumas novidades para essa fase que tendem a reduzir esse tempo, mas não vou nem opinar, pois não faço ideia como fica na prática.
No modo solo, as regras são semelhantes às do jogo multiplayer, com algumas adaptações. O que é diferente entre esses modos de jogo? Primeiramente, o jogador seleciona 2 dados na fase de draft e coloca outros 2 no tile que faz a contagem dos turnos. Em segundo lugar, o objetivo do jogador é atingir uma pontuação superior à soma das faces de todos os dados que ele colocou no tile de contagem dos turnos. Em terceiro lugar, os favores não são utilizados para ativar as cartas de poder. Ao invés deles, são utilizados os dados que seriam colocados no tile de contagem de turnos. Assim como o jogo multiplayer, o jogo solo encerra-se após 10 turnos. O jogador vence a partida se atingir a pontuação alvo, conforme mencionado acima.
Setup inicial do jogo solo. Acima e à esquerda o tile de contagem de turnos e as cartas de poder. Acima e à direita, as cartas de objetivo.
Foto do aspecto do tile de contagem de turnos ao final de uma partida em que não usei as cartas de poder.
Nessa partida, fui derrotado por 52 x 38.
E qual a minha avaliação do jogo solo em Sagrada?
É um puzzle rápido, com excelentes componentes, regras simples, mas que me frustrou muito. Foi tanto que desisti de jogá-lo, apesar de ser um jogo que eu inicialmente havia gostado. Aliás, esse review está sendo publicado justamente no mesmo dia em que minha cópia do Sagrada ruma para outra casa. Esperei muito para soltá-lo justamente para não parecer que estava fazendo propaganda dele para troca ou venda.
Joguei 23 partidas solo e consegui vencer apenas uma. Adoro jogos difíceis. Robinson Crusoe e Projeto Gaia estão entre meus favoritos, mas quero ter alguma chance de vencer, o que é muito difícil em Sagrada. Nesses outros jogos, quando você perde, não é por puro acaso, mas por jogadas ruins, falta de planejamento. Não achem que sou contrário à aleatoriedade em jogos de mesa, que quero somente um puzzle imutável. É bem o oposto a isso, mas em Sagrada tive a sensação de não ter a mínima chance jamais.
Ao longo do tempo percebi que vencer nesse jogo depende de uma série de fatores alheios ao jogador, principalmente a sorte no draft dos números e cores de dados e o sorteio de objetivos. Alguns desses objetivos são incompatíveis com o modo solo. Por exemplo, um dos objetivos pessoais é você ter pares dados com os números 1 e 2. Caso você procure cumprir isso, você forçosamente escolhe dados de valor mais baixo na fase de draft e pode fazer com que dados de maior valor sejam colocados no tile de contagem de turnos, o que aumenta muito sua pontuação alvo. Esse ponto mostra uma outra diferença em relação ao jogo multiplayer. Você é forçado a escolher dados de maior valor sempre que possível para impedir que a pontuação alvo suba muito. Isso nem sempre ocorre no multiplayer, muitas vezes será interessante escolher dados de valor mais baixo para pontuar algum objetivo ou, simplesmente, para ferrar o seu querido amiguinho com todo o carinho do mundo!
Ademais, façamos uma conta rápida. O valor médio do resultado de um dado de 6 faces é 3,5. Até o final do jogo são colocados 15-20 dados no tile de contagem de turnos, perfazendo pontuações alvo que oscilarão entre 52 e 70 pontos. Em Sagrada essas são pontuações bastante altas, muito difíceis de serem atingidas. Impossíveis? Não. Vejam que eu bati o jogo uma vez, mas acho frustrante demais jogar contra um adversário assim.
Durante algum tempo achei que o problema fosse comigo. Eu não podia estar entendendo o jogo. Fui ao BGG e percebi que a experiência de outros jogadores era muito semelhante. Haviam ainda várias sugestões de se melhorar o jogo solo, até por parte do próprio designer. Cheguei a testar algumas delas, mas nenhuma me convenceu. Por princípio, não gosto de jogos solo que demandam remendos ou adaptações nas regras.
A sensação que me dá é que o modo solo de Sagrada foi incorporado às regras como uma demanda de mercado, para atingir aquele nicho do jogador solitário. A meu ver isso deve-se à interpretação equivocada de que ele é um multiplayer solitário tradicional. Com mesa cheia é bom ficar de olho no jogo do vizinho para que você possa atrapalhá-lo no draft. Muitas vezes é mais vantajoso fazê-lo perder pontos do que marcá-los você mesmo.
Esse é um problema inerente aos jogos de draft, acho-a uma das mecânicas mais difíceis de se converter para o modo solo. Há felizes exceções a essa regra no entanto, como
Between Two Cities, um modo solo não oficial para o
7 Wonders Duel e o
Roll Player. Aliás, em termos de jogos de draft de dados, esse último entrega muito mais do que Sagrada foi capaz para mim. Ainda o resenharei aqui no canal, mas faltam-me partidas para opinar com mais propriedade.
Sagrada, portanto, é um bom jogo multiplayer, mas com um modo solo disfuncional. Não o recomendo nesse modo de jogo, há opções melhores na praça.
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E lembre-se: TOGETHER, WE GAME ALONE!