Introdução
Desde o início de seu financiamento, Barrage já dava o que falar. O jogo acabou despertando Hype e Hate - muitas vezes nas mesmas pessoas - antes de ter sua produção finalizada. O hype se deu começando pelo simples fato de ser mais uma obra do designer Simone Luciani, autor de clássicos como Tzolkin, Lorenzo e Marco Polo, além de outros famosos como Newton e Grand Austria Hotel e se tornou ainda maior com as promessas de produção da Cranio Creations com Mapa 3D imantado, tabuleiros e tokens de expessuras maiores que o normal, aplicação de UV no tabuleiro, etc...
No entanto, no meio do caminho, tais promessas foram alteradas sem consulta prévia aos apoiadores, além da redução da qualidade de quase todos componentes,, algumas soluções não funcionaram bem como o sistema da roda de produção (apesar de ser mecanicamente genial). A revolta foi tão grande que até
ataque articulado para diminuir a nota do jogo no bgg (mesmo antes dele ser lançado) aconteceu, fazendo que o site até avaliasse a possibilidade de suspender o sistema de votação pro jogo. (Link aqui)
Barrage finalmente chegou e realmente veio com sérios problemas de produção. Além de feio e com alguns componentes pouco funcionais, ainda conseguiram piorar a situação, enviando muitas cópias com algumas peças faltando, fato que tem dado trabalho para Cranio ao ponto da editora fazer uma segunda edição do jogo no KS corrigindo os erros e reabastecendo os apoiadores iniciais com componentes faltantes e corretos.
Mas e o jogo, apesar dessa novela toda, vale a pena?
Problemas de produção à parte, Barrage poderia ser jogado num print and play, que ainda assim, na minha opinião, se tornaria um fortíssimo candidato a melhor jogo do ano.
A campanha de Barrage no KS foi junta com a de Pipeline, dois jogos que apesar de trazerem gameplay e mecânicas completamente diferentes, acabam se enquadrando na mesma categoria: jogos ecônomicos profundamente estratégicos. Acabei apostando nos dois e hoje vejo como uma decisão acertada. Após 9 partidas de pipeline e 5 de Barrage, hoje não sei dizer qual seria o melhor, mas tenho a certeza que não joguei nada melhor ou que chegasse perto de nenhum dos dois, lançados nesse ano. (Isso inclui o hypado Tapestry que não empolgou muito, mas isso é outra história)
Tema e Mecânicas
Barrage traz um periodo entre guerras distópico onde os combustíveis fósseis estão escassos e a principal fonte de produção de energia é hidroelétrica. Os jogadores disputam pela construção de sistemas mais eficientes de produção de energia, construindo represas, conduítes e casas de força ao longo de rios e bacias que correm de cima pra baixo em um tabuleiro dividido em 3 níveis (montanhas, colinas e planícies).
Tirando o flavour distópico que traz disputa entre nações, Barrage tem seu tema fortemente implementado nesse processo de construção de sistemas de produção de energia.
E o jogo faz tudo isso com uma integração bem elegante do tema com as mecânicas. O jogo é facilmente explicado em no máximo 10/15 minutos e traz vários elementos e mecânicas de jogo que já foram vistas em outros jogos, sem nada de extremamente inovador e sem a menor pretensão de reinventar nenhuma delas: uma alocação super simples de trabalhadores, contratos a serem cumpridos, gerenciamento de recursos para construção de prédios e rotas e até mesmo genial o sistema da roda de produção parece que bebeu um pouco da rosa dos ventos de Macao e das engrenagens de Tzolkin.
Tamanha simplicidade não torna Barrage um jogo para qualquer um, muito pelo contrário, Imagino que Barrage não funcione bem para jogadores casuais ou amantes de Euros solitários. O lugar comum e intuitivo que seu modo de jogar, apenas ajuda a encarar o que realmente nos espera, um desafio estratégico profundo e bestial com uma interação bastante agressiva entre os jogadores. Os bloqueios constantes nas estratégias adversárias, assim como as levantadas de bolas para outra pessoa numa jogada mal pensada, são elementos constantes em uma partida.
Porém para quem se interessa por essa categoria de jogo, em Barrage, um turno já é o suficiente para você entender todo seu funcionamento e cair de cabeça no desenvolvimento de suas estratégias e de como se utilizar e bloquear as estratégias de seus adversários.
Funcionamento do Jogo
O Jogo é basicamente uma construção de rede com alocação de trabalhadores, cada jogador tem 12 trabalhadores e uma quantidade limitada de recursos (dinheiro e maquinário) para construir seus sistemas hidroelétricos que são compostos por represas, conduítes e fábricas de energia. Esses sistemas funcionam da sguinte forma,
As represas retem a água que escorre das montanhas para a planície no tabuleiro, cada nivel da represa, representa uma gota retida (por exemplo: represas de 3 niveis seguram 3 gotas, se uma quarta gota passa por essa represa ela segue seu fluxo no tabuleiro) as represas dos jogadores podem ser conectadas às suas fábricas de energia através de conduítes (que possuem valores que são multiplicados pela quantidade de gotas processadas) seus ou de outros jogadores, e é através desse sistema que se produz energia para cumprir contratos e fazer algumas pontuações.
Como de costume não entrarei no detalhe das regras, a idéia é sempre tratar sobre o feeling do jogo, mas vale destacar ainda a mecânica de construções. A alocação de seus trabalhadores se dá num board compartilhado para ações executivas (pegar contratos, produzir maquinários, fazer a ação de produção de energia, etc...) ou nos seus boards individuais para a construção de seus sistemas (represas, niveis de represa, conduítes ou fábricas de energia.) porém além de alocar os trabalhadores (uma quantidade maior a cada construção) você precisa ainda colocar na roda de produção a quantidade de maquinário necessária para aquela construção e o tile que permite que você a construa, coloca na roda e gira um espaço. O tile para aquela construção e os recursos que você gastou voltarão a estar disponíveis apenas quando a roda girar o suficiente (6 vezes) para liberá-los novamente. E para fazer a roda girar, somente construindo outras coisas, ou cumprindo contratos ou utilizando ações executivas que são caras e bem limitadas.

Tudo isso para dizer que o planejamento da construção de seus sistemas não é somente um desafio de descobrir a melhor rota mas também de planejar e gerenciar seus recursos otimizando ao máximo seus turnos e adaptando às construções e bloqueios de seus adversários.
Posições favoráveis no tabuleiro, são obviamente mais caras e complexas para serem construídas, por isso os turnos passam a ser constantes e tensas trocas de ação e reação entre os jogadores, que vão buscando se adaptar às jogadas adversárias enquanto tentam manter vivas suas estratégias. Porém não são raras as excessões de vermos sistemas altamente produtivos, construídos a muito custo, serem bloqueados pelo surgimento de uma nova represa um nível acima ou pelo gerenciamento bem feito do fluxo de água de um adversário.
Conclusão
2, 3 ou 4 jogadores, não importa a contagem, Barrage trará uma partida diferente cada vez que for pra mesa, as diferentes boards de cada nação, que geram incomes variados e os diferentes poderes de cada executivo trazem ainda mais rejogabilidade promovendo diferentes caminhos no desenvolvimento de seu jogo.
Num ano onde pouca coisa ainda me impressionou, Barrage surgiu brigando cabeça por cabeça com pipeline para ser o melhor jogo do ano para mim. Ambos econômicos mas com feelings completamente diferentes entre si, um mais de marcação e gameplay solitário, outro com mais interação e turnos reativos, ambos trazem regras simples e intuitivas e uma dose enorme de genialidade aplicada transformando as partidas em embates estratégicos épicos ou fracassos memoráveis, mas sempre deixando aquela vontade de "preciso jogar isso de novo pra ver como seria se eu fizesse aquilo ou fosse por esse caminho". Nem mesmo os graves problemas de produção e mal gosto na arte de Barrage conseguem estragar a experiência do jogo, caso você seja um jogador que curta econômicos apertados e dose alta de interação obviamente.
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