Elizabeth Hargrave é certamente uma das maiores revelações que o universo boardgame teve nos últimos tempos. Wingspan, seu jogo de estreia, conquistou as mesas de jogadores por todo o mundo e o prêmio mais importante da indústria, o Kennerspiel des Jahres. Em um meio tão difícil de vermos mulheres em posição de destaque, o sucesso alcançado por ela tem um significado ainda maior, a transformando em uma inspiração.
Elizabeth Hargrave jogando Wingspan.
Como foi o processo de passar de jogadora para autora de jogos? O que lhe motivou a começar a criar jogos?
Eu jogava jogos de tabuleiro há cerca de 10 anos. Eu e meus amigos começamos a pensar porque os jogos eram sobre temas pelos quais não tínhamos interesse. Então, decidi tentar fazer um jogo sobre algo que realmente amava.
Quais as maiores dificuldades que você enfrentou como game designer iniciante? Alguma relacionada ao fato de ser mulher em um ambiente ainda tão amplamente masculino?
Acho que qualquer designer diria que um dos maiores obstáculos é encontrar pessoas para testar seu jogo. Não há outra maneira de tornar um jogo bom. Você deve fazer isso muitas e muitas vezes. O que significa que você precisa de pessoas. De preferência muitas pessoas diferentes, e não apenas seus amigos que estão impressionados com o fato de você ter feito um jogo. Pessoas que serão críticas e ajudarão você a melhorar.
Na área de Washington DC, quando eu estava começando, eu era a única mulher que conhecia projetando jogos. Muitas vezes, era realmente desconfortável entrar em salas repletas de designers masculinos, em eventos, e me sentir muito destacada. Ninguém nunca foi diretamente rude comigo, mas me senti estranha. Nunca experimentei nenhuma outra atividade ou ambiente de trabalho com tanto desequilíbrio de gênero.
Mas, no final das contas, funcionou bem. Eu insisti e agora tenho outras amigas designers, e nos reunimos e testamos os jogos umas das outras regularmente. Mais e mais mulheres estão se juntando a nós, conforme o tempo passa.
Qual o seu jogo e mecânica favoritos?
Provavelmente, joguei Race for the Galaxy mais do que qualquer outro jogo ao longo dos anos, e ainda volto a ele. Eu realmente gosto de jogos de construção de motores e qualquer jogo, na verdade, é mais sobre construir coisas do que atacar coisas.
O jogo favorito de Elizabeth Hargrave.
Qual a sua principal fonte de inspiração para criar jogos?
Até agora, todos os meus jogos vieram de alguma centelha de inspiração do mundo real – algo que eu acho que é muito legal e quero mostrar às outras pessoas. Eu enxergo as coisas ao redor e começo a pensar em como elas poderiam funcionar em um jogo.
Wingspan foi o seu primeiro jogo criado ou ele foi apenas o que primeiro publicado?
Foi o meu primeiro jogo criado.
Quanto tempo levou desde a ideia inicial do Wingspan até você considerá-lo pronto?
Comecei a trabalhar nele em 2013 ou 2014. Apresentei para editoras em agosto de 2016. Achei que estava mais ou menos concluído, mas sabia que qualquer editora faria alterações e melhorias. Depois que foi assinado com a Stonemaier, continuamos trabalhando nele por mais um ano antes de terminar, com algumas grandes mudanças!
Uma partida de Wingspan em andamento.
Wingspan possui um tema bastante incomum, qual a sua origem? Em algum momento, você pensou ou foi aconselhada a trocar por um tema mais popular?
Eu gosto de observar pássaros como um hobby. Eu estava originalmente pensando em quantos jogos têm os mesmos recursos naturais, como madeira e pedra. Comecei a pensar em como seria uma economia em um ecossistema natural em vez de em um mundo humano. Como seria a oferta e a demanda?
Eu tinha uma ou duas pessoas dizendo desde o início que pensavam que eu teria que mudar o tema para atrair uma editora. Porém, conforme o jogo se desenvolvia e a jogabilidade era cada vez mais integrada ao tema, a maioria das pessoas entendia que mudar o tema derrubaria toda a proposta do jogo.
Elizabeth Hargrave observando pássaros.
Como foi o seu contato com as editoras até chegar à Stonemaier Games?
Apresentei para três editoras em um fim de semana na GenCon, incluindo a Stonemaier. Minha primeira tentativa funcionou!
A arte do Wingspan é toda criada por mulheres, isso foi intencional ou apenas uma coincidência?
Foi principalmente uma coincidência. Jamey Stegmaier (chefe da Stonemaier Games) e eu somos grandes fãs do trabalho de Beth Sobel. Ela concordou em fazer quase tudo, menos a arte dos pássaros, que seria um empreendimento enorme. Alan Stone (parceiro de negócios de Jamey na Stonemaier) conhecia Natalia porque seus filhos frequentaram a mesma escola, então ele a trouxe quando soube que ela faz arte inspirada na natureza. Por sua vez, ela trouxe Ana, que tem um treinamento mais formal em ilustração científica.
Pode ter sido uma coincidência, mas acho que significa muito para as pessoas verem todos os nomes dessas mulheres na caixa juntos. Eu adoro ouvir pais e mães de meninas que notaram esse pequeno detalhe. Espero que ajude algumas delas a se imaginarem fazendo jogos de tabuleiro algum dia.
A presença de apenas nomes femininos na capa chama atenção.
Alguns dos 170 pássaros representados em Wingspan.
Como foi para você alcançar tanto sucesso logo no seu jogo de estreia?
Foi uma enorme surpresa! Muitos conselhos que você vê para designers iniciantes dizem coisas como “se você vender 5.000 cópias, será um sucesso”. Vendemos as primeiras 10.000 cópias quase imediatamente e já soube que estamos indo para as 100.000 ainda este ano. É muito além de qualquer coisa que eu poderia ter imaginado.
Você concorreu ao Kennerspiel des Jahres com Ignacy Trzewiczek e Stefan Feld, dois game designers muito experientes. Como foi a emoção de vencer um prêmio tão importante?
É incrível. Mais uma vez, eu nunca poderia ter sonhado com isso. Na cerimônia, eles realmente fazem uma produção também, há um rufar de tambores para a grande revelação. Muito emocionante!
Elizabeth Hargrave e seus concorrentes, os game designers Stefan Feld e Ignacy Trzewiczek.
Elizabeth Hargrave recebendo o prêmio Kennerspiel des Jahres.
Wingspan está a todo o vapor com uma versão digital chegando pela Monster Couch. Como foi a sua participação no processo? O que os jogadores podem esperar?
Na verdade, eu não estive envolvida na versão digital, mas o que eu vi parece ótimo!
Você já deu declarações sobre futuras expansões do Wingspan abrangendo aves de outros lugares do mundo. Há algo que você possa nos contar sobre o andamento disso?
A primeira expansão deve ser lançada antes do final de 2019. As pessoas podem se inscrever na newsletter da Stonemaier Games se quiserem saber assim que ela for anunciada.
Você tem um outro jogo premiado, Tussie Mussie foi um dos vencedores do concurso de game design da GenCant do ano passado e vai sair pela Button Shy. Pode nos contar um pouco mais sobre este jogo?
Tussie Mussie é um jogo de 18 cartas sobre dar flores às pessoas, inspirado na moda vitoriana, quando as pessoas publicavam ensaios sobre o significado de diferentes flores. Cada carta tem uma flor diferente, que pontua de uma certa maneira, dependendo do que mais há na sua coleção no final da rodada. No seu turno, você oferece ao seu vizinho 2 flores, mas coloca uma face para cima e outra face para baixo. Ele precisa escolher uma e devolver a outra para você. Portanto, grande parte do jogo está na psicologia em torno dessas decisões.
Tivemos um Kickstarter de muito sucesso nesta primavera e o jogo será lançado em 1º de outubro. Você pode fazer a pré-reserva do jogo diretamente no site da Button Shy Games.
Próximo jogo de Elizabeth Hargrave chega em outubro.
Você está trabalhando em mais algum outro jogo sobre a qual possa nos contar?
Eu tenho um jogo assinado com a AEG sobre a migração de borboletas-monarca, que será lançado em 2020. Tenho ainda alguns outros a caminho, mas não posso falar sobre eles no momento.
Na sua página tem uma área muito bacana que lista game designers mulheres e não-binários de todo mundo. Qual a importância da diversidade dentro da área de criação de jogos e como você a avalia atualmente?
Quando você está criando coisas, principalmente usando um grupo demográfico de menos de 50% da população, você está inevitavelmente perdendo algumas experiências e perspectivas que poderiam levar a novos e diferentes jogos. Mais diversidade nos designers de jogos levará a jogos mais impressionantes que atraem um número ainda maior de pessoas, e continuaremos crescendo o hobby. Eu ouço o tempo todo de pessoas sobre a Wingspan trazendo novas pessoas para os jogos. Eu adoraria nos ver fazendo cada vez mais isso.
Clique aqui para conhecer outras designers pelo mundo.
Qual o seu conselho para quem está querendo começar a criar seus próprios jogos?
Playtest, playtest, playtest. Não gaste muito tempo projetando em sua cabeça. Coloque-o em cima da mesa e veja o que acontece.
Não deixe de conferir também: Análise em texto e vídeo sobre Wingspan.
Curti muito a entrevista.
Gosto muito do Wingspan (foi disparado o jogo que mais joguei esse ano) e saber mais sobre a autora e o processo produtivo é sempre interessante.
"...Mais diversidade nos designers de jogos levará a jogos mais impressionantes que atraem um número ainda maior de pessoas, e continuaremos crescendo o hobby..."
Essa diversidade nas mesas e nas criações só chama mais gente.