Olho para cima, a lua está indo embora, preciso me apressar.
Uso minha última magia de cura para recuperar as feridas causadas pelo mago da torre, infelizmente o grupo que me acompanhava não teve tanta sorte. O feiticeiro era velho, sábio e estava bem preparado, meus companheiros que me seguiram durante a passagem por esse mundo não resistiram ao seu poder... seus gritos, suas dores, seus medos agora estão gravados para sempre em seus corpos petrificados. O sacrifício deles abriu espaço para o meu golpe, porém, mesmo enquanto assisto o mago ser consumido pelas chamas da minha vingança, nenhuma alegria vem com esta vitória. Não há mais com quem comemorar, nada a festejar, só o silêncio e as sombras das figuras imóveis ao lado de dezenas de outras que vieram antes formando uma espécie de exposição de arte doentia. A torre finalmente é minha mas não é ela que me interessa, nos antigos livros do mago está o que eu procuro, o feitiço que me abrirá as portas da cidade esmeralda.
No final tudo vai valer a pena. Por favor, aguarde por mim.

Sigo em frente, preciso me apressar, a lua está indo embora.
No alto da colina já consigo ver a ponta da torre mais alta da cidade, ela parece brotar do chão como uma estaca que busca rasgar o véu da noite. Atravesso a vila no pé do vale, aqui não receberei ajuda nem aliados, não me oferecerão suas casas nem comemorarão meus feitos. Mas nem sempre foi assim, houve uma época em que os olhos não me condenavam, onde aldeões, monges e guerreiros se ofereciam para acompanhar minha luta, sonhando em livrar o mundo de monstros e voltar para os seus lares como heróis. Em minhas histórias, eu ocultava os riscos e perigos iminentes, os iludia e alimentava seus sonhos, afinal, precisava da ajuda deles, porém, sempre soube a mais cruel das verdades, que aquele que luta com monstros por tempo suficiente acaba por se tornar um, sei melhor que ninguém.
No final tudo vai valer a pena. Por favor, não me condene.
Sigo em frente, preciso me apressar, a lua está indo embora.
A subida da colina é íngreme e exige um esforço maior, mas já atravessei desertos e pântanos na minha jornada até aqui, essa elevação não vai impedir meu objetivo. Nada vai me retardar!
Então, sinto um grande golpe no meu ímpeto, feridas dos antigos embates voltam a me afligir, a angústia e o tormento me atingem como uma espada afiada nesse momento da minha trajetória, me curvo de agonia já sob as sombras das muralhas da cidade.
Olho para cima.
No alto consigo ver os famosos telhados verdes que batizaram a cidade, uma beleza aos olhos que antagoniza com o odor fétido de veneno que seus muros emanam, uma cidade voltada à produção da morte mais covarde e silenciosa.
Entre as ameias, meus inimigos celebram o meu padecer, não haverá tempo para me recuperar, eles atacarão todos ao mesmo tempo, cientes do seu poder em conjunto, cientes da minha fraqueza. Sinto o tremor no chão causado pelo golem de pedra, o vento das asas do gárgula cinzento, ouço os gritos dos guerreiros e o brandar de suas espadas. Imóvel, aguardo o desfecho do meu destino. Tudo que fiz me levou a este momento e eu o mereço… não… eu anseio por ele. Sinto o ataque fatal se aproximando.
No final tudo vai valer a pena. Por favor, me receba em seus braços.

Sigo em frente, preciso me apressar, a lua está indo embora.
O ataque fatal chega. Isso não abala minha convicção, abro o meu alforge e retiro dele o pergaminho pilhado do velho mago, com a outra mão saco meus cristais no interior da minha algibeira, um vermelho como o sangue que escorre de minhas feridas e o outro negro como o mais escuro covil. É minha última cartada e não posso falhar, reúno todos os recursos para minha defesa e então ativo a magia. Os cristais brilham, o brilho aumenta até contrapor a escuridão da noite em uma bolha de luz cegante sólida que me absorve e então se rompe em um escudo explosivo que varre completamente todo o espaço ao meu redor.

A luz se abranda juntamente com o som da explosão, quando minha visão retorna, jaz à minha frente apenas ossos carbonizados. Vitória. A cidade esmeralda foi conquistada.
...
Não foi o suficiente, nunca é.
Olho para cima, a lua se foi, o alvorecer chega célere alvejando a escuridão.
Não alcancei a segunda cidade, nunca alcanço.
Sinto meu corpo sendo levado pelo vento, se destroçando em pedaços, o Conselho do Vácuo cobra sua dívida.
Não valeu a pena os sacrifícios, nunca vale.
Por favor, minha filha, me perdoe.
** Obrigado por lerem, essa é uma crônica inspirada em minha última partida de Mage Knight, por favor se sintam à vontade para comentar, sugerir correções. Abraços! **