Escrevo esta missiva para adverti-lo do porvir. A única garantia que lhe dou é que seu título de nobreza será preservado.
Estamos em 1000 DC. O ideal de ser responsável por uma pujante e próspera província da grande China parece-lhe um longínquo sonho. Seus castelos, seus cortesões, a Grande Muralha, o favor do Imperador, tudo está em risco neste ano.
No ano do Dragão, apenas nos dois primeiros meses Vossa Senhoria gozará da paz. Nos 10 meses seguintes, exceto quando precisar de fogos de artifício para o Festival do Dragão, sangue cortesão lhe será cobrado, se não preparar sua província para o evento sinistro. Nessa China medieval, os quatro cavaleiros do apocalipse do Dragão são Peste, Fome, Guerra e Impostos - e cada um lhe visitará duas vezes.
A fim de preparar-se para tais catástrofes mensais, Vossa Senhoria fará duas decisões: 1) escolher uma dentre oito possíveis ações agrupadas conforme o número de nobres à mesa; e 2) recrutar um cortesão para habitar um de seus castelos.
Agora, uma pausa para louvor e ovações. Toda rejogabilidade de In the Year of the Dragon: 10th Anniversary está nos dois parágrafos acima. No início do ano é sorteada a ordem dos eventos dos 12 meses (sendo os dois primeiros de paz) - que definirá as prioridades dos responsáveis pelas províncias. E, no início de cada mês, são sorteados os grupos de ações - que fatalmente criará uma situação onde mais de um nobre desejará um mesmo grupo, ainda que queiram realizar ações diferentes. Todavia, se der sorte, o benefício almejado pode se obtido em mais de um lugar, na ação própria, ou em menor grau, como bônus da construção da Muralha. Outro detalhe que aumenta a rejogabilidade é o fato de que ninguém inicia com o mesmo setup: cada nobre escolhe uma combinação diferente de dois cortesões iniciais para seus castelos.
Porém, interrompo os aplausos para criticar o dimensionamento do jogo em razão do número de nobres. O número de grupos de ações é igual ao número de nobres e as mesmas oito ações são neles distribuídas. O custo para usar um grupo ocupado também é o mesmo, independente do número de nobres à mesa. Se formos muitos, mais grupos com menos ações em cada (para duas pessoas, faz-se 2 grupos com 4 ações em cada; já para três, 3 grupos com 2 ou 3 ações em cada e assim por diante). Portanto, menos grupos implicam em ações proporcionalmente mais caras em face da disputa pelos mesmos grupos. Particularmente preferi passar o ano do Dragão com mesa cheia.
Voltando a carta...
Sopesar o custo da oportunidade acaba se tornando o cerne das suas decisões, por meio do recrutamento do cortesão. Se escolher aqueles que proporcionam o maior benefício, receberá uma menor iniciativa. E é pela ordem de iniciativa que os nobres escolhem o grupo de ações para receber seus benefícios (remédio, comida, dinheiro, pontos etc.).
Sim! Esse é um jogo econômico. Não espere a piedade da gestão apertada de recursos dos jogos mais modernos. Está mais para gestão de danos. Sua província pode desaparecer do mapa. Ou ficar irremediavelmente atrás nas trilhas de pontos e iniciativa, sem chance de competir com os demais. As decisões erradas são dificilmente consertadas durante o jogo. Um abismo se abre a sua frente e lhe faltam freios. Não há sistema de catch up. A realidade é uma: no ano do Dragão não há misericórdia.
A disputa pela iniciativa pode sacrificar recursos e, por consequência, pontos de vitória, mas ficar sempre atrás também sai muito caro. Este é um jogo tático. A toda hora eu tinha que agir como reflexo de um sorteio ou da escolha dos demais. Isso atrelado ao controle de danos, no fim do mês, consumia mais dos que os recursos dos meus cofres - em uma hora e pouco muita energia e muito fosfato me foram consumidos.
Stefan Feld dá algumas opções para ganhar pontos, mas nenhuma é barata: leques dão 1 ponto, mas só dão 1 de iniciativa; pode-se gastar uma ação para comprar 1 ponto de dragão por 2 yuan, ou 2 pontos por 7; castelos dão 1 ponto, mas, para cada castelo habitado, custará 1 arroz nos dois períodos de fome; budas e cortesões só pontuam no fim do jogo e requerem a construção de castelos maiores; se houver excedente dos recursos, também são pontuados.
A impressão que se tinha é que, o tempo todo, só havia uma decisão ótima para tomar: seja para escolher um grupo vazio ou pagar 3 yuan para usar o mesmo grupo, seja para escolher o cortesão para ocupar um dos meus castelos e ganhar a respectiva iniciativa. Devo dizer que nem sempre a escolha é óbvia. A sensação de que se tem ao fim do ano do Dragão é a de ter sido levado de um lado a outro por eventos funestos.
Aguardo sua visita em Shangqiu.
Meus sinceros votos de saúde e prosperidade,
Do Governador da Província de Henan, ao sul do Rio Amarelo.
