Grosso modo, qualquer coisa pode ser comparada com outra por dois pontos de vista diametralmente opostos: ou porque são parecidas ou porque são diferentes. Neste sentido, tudo é comparável. Mesmo um planeta com uma maçã. Não é diferente com os jogos de tabuleiro. Splendor (2014), de Marc André, e Continental Express (2013), de Charles Chevallier, são em muitos aspectos bem semelhantes.
O primeiro sugere que, coletando gemas brutas (fichas plásticas), as transformemos em pedras preciosas polidas (cartas) em nossa loja e, assim, atrairemos os nobres colecionadores (tiles), que, ao nos visitar, aumentam nosso prestígio de comerciantes e, no escopo do jogo, a nossa pontuação. Atingidos os quinze pontos, o jogo se encerra.
Continental Express é muito parecido, embora tenha surgido um ano antes e, se o coloco aqui como segundo, é porque só o conheci depois de Splendor. Três montes de um baralho abrem cada um três cartas de vagões, os segmentos de comboios de trens. Entre elas há ainda cartas de dinheiro, cartas de personagens e cartas de eventos. Um segundo baralho abre três cartas de objetivos, que são os comboios que iremos formar com aquelas primeiras cartas, para, assim, cumprirmos um contrato firmado, previamente escolhido no início do jogo de um terceiro baralho. Há ainda os tokens de empresas, que servem para auxiliar no cumprimento dos contratos.

A disposição das cartas de Splendor na mesa é idêntica a de Continental Express. E o mecanismo de ambos me parece o mesmo também: você coleta vagões para cumprir um objetivo de formação de comboio e fazer valer um contrato comercial (Continental Express); você coleta fichas de gemas, obtém com elas cartas de pedras preciosas e recebe assim a visita de um nobre colecionador (Splendor). Contratos e nobres oferecem pontuação extra. Três baralhos em Continental Express, e três baralhos em Splendor, com cartas abertas na mesa em mutação constante...
Se Splendor permite, como ação da rodada, uma reserva de carta para posterior aquisição, Continental Express vai mais longe e introduz, com as cartas de eventos, incidentes que mudam totalmente a disposição tanto das cartas de vagões quanto das de objetivo: ou porque houve um incêndio na estação ou porque um trem se acidentou. Ou seja, estávamos a caminho de requisitar um comboio, seguindo uma estratégia e, de repente, tudo desapareceu, são outras as cartas de vagões agora, bem como as de objetivos. Sem mencionar que as quatro cartas de personagens reconfiguram as rodadas, se um jogador as coleta: são o Investidor, o Diretor, o Ladrão e o Trocador, cada um com um atributo específico. Tudo isso me parece um ganho em relação a Splendor e, levando-se em conta que Continental Express veio antes, Splendor, por adaptação ao seu tema, simplificou o que em Continental Express era bem mais rico e complexo.
Já não dá para esconder aqui a minha preferência por Continental Express, embora Splendor seja um jogo que eu aprecie muito e que frequentemente levo para a mesa. Mas Continental Express, além de seus aspectos internos, é menor, leve e portátil. Vem numa caixinha de metal belíssima (com insert preto e aveludado) que se carrega sem esforço para qualquer lugar. É, efetivamente, mais que um jogo, um mimo. Como presente, ainda que para si mesmo, é o ideal! Splendor, por sua vez, é grande e pesado. Um armário, se comparado a Continental Express, com sua leveza. (Creio que um dos grandes desafios para os criadores de jogos de tabuleiro contemporâneos é conceber ótimos jogos em caixas pequenas e com poucos componentes, visto que o inverso tem, nos últimos anos, abarrotado o mercado.)
No âmbito do assunto (trens num e comércio de pedras preciosas noutro), Continental Express mais uma vez se sobressai, pois, com suas cartas de Incêndio da Estação e Acidente de Trem, além das cartas de comboio, com o trem visível à mesa, e alguns personagens do métier, não nos permite esquecer o tema, o que não ocorre, em nenhuma hipótese, em Splendor, que, jogado, praticamente se reduz a um abstrato, no qual o tema, se havia algum, foi diluído ou se perdeu, muito embora possua cartas belíssimas, que poderiam ser emolduradas.

Aliás, este é um dos maiores problemas dos card games, que, em alguns casos, podem até ser jogados com baralhos comuns, francês ou espanhol. São abstratos ilustrados. Um dos maiores exemplos é Exploradores (Lost Cities, 1999), do Reiner Knizia. Um jogo de cartas puramente matemático. O tema arqueológico inexiste. Não é o caso de Continental Express, cujo tema está lá, presente em sua plenitude. É ainda um card game? Sim! É meio abstrato? Também. Inspirou Splendor? Talvez...
Num dos mais belos romances do escritor belga Georges Simenon, O homem que via o trem passar (Nova Fronteira, 2006), um homem, porque observava diariamente o trem, um dia larga tudo (família, trabalho e a si mesmo) e embarca... Continental Express nos permite fazer isso. Por vinte ou trinta minutos, nada mais existe: só o fluxo contínuo das rodas sobre os trilhos.
Mayrant Gallo é professor, escritor e boardgamer. Já publicou mais de 15 livros. Entusiasta por jogos de tabuleiro, tem predileção por jogos para 2 pessoas e solo. Tematicamente, aprecia jogos de construção de cidades e sobre a Guerra Fria. Entre as mecânicas de que mais gosta estão: colocação de peças, construção a partir de um modelo, seleção de cartas e gestão de mão.
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