Nada como aproveitar o fim do ano para falar sobre começos.
Daqui a pouco chega a virada pra 2019 e vai estar todo mundo nessa onda mesmo! Começar um novo projeto. Começar a juntar dinheiro pra viajar. Começar a fazer atividade física. Começar uma dieta. São pilhas e mais pilhas de começos - que, na minha experiência de vida, são rarissimamente acompanhados de conclusões... mas faz parte. Oras, e que tal começar a jogar novos boardgames como resolução de Ano Novo?
Mas calma lá, que ainda estamos em 13 de dezembro e nem passou o Natal ainda! Vamos segurar esse papo de Réveillon por mais umas duas semanas que eu só precisava era de um pretexto razoavelmente convincente pra introduzir o assunto desta crônica: começos. No final (hihi) dela você vai entender por quê.
Começou!
Dentro desse nosso hobby de jogar coisas de papelão em mesas, a gente começa a fazer várias e várias coisas o tempo todo - assim como tudo na vida, óbvio, mas aqui não é um blog sobre
a vida, então vamos focar nas coisas de papelão em mesas!
Para certas pessoas, o começo dos começos é o "ouvir falar de novo em jogo de tabuleiro". Não tenho dados estatísticos pra comprovar isso, mas a sensação é forte que a maioria dos jogadores brasileiros de hoje em dia se surpreendeu quando começaram a aparecer nas prateleiras caixas diferentes daquelas de WAR, Banco Imobiliário, Imagem & Ação e Perfil. Eu lembro direitinho de quando entrei numa Ri Happy despretensiosamente há cerca de seis anos, procurando por Interpol - que na minha concepção já era um jogo moderno, em comparação com os mais tradicionais -, e dei de cara com dois títulos curiosos e inéditos pra mim: Colonizadores de Catan e Domínio de Carcassonne (quem lembra?). À época, eu fiquei abismado com o simples fato de os tabuleiros serem modulares ao invés de fixos, o que é hoje um lugar-comum do hobby. Saí da loja com o Carcassonne em mãos e os olhos brilhando. Aquele foi o começo de um interesse renovado e empolgante em jogos de tabuleiro pra mim. E eu ainda não tinha sequer arranhado a superfície.

Ainda bem que tiraram o 'Domínio' nas edições seguintes
Para outras pessoas, talvez da geração anterior à minha, talvez simplesmente mais atentas do que eu, essa chegada de modernos aclamados no mercado brasileiro não foi motivo de tanto estardalhaço. Fui descobrir anos depois disso que na verdade já haviam alguns deles no Brasil aqui e ali. Diplomacy (lançado no Brasil como
1914 - O Jogo da Diplomacia, em 1978), Eleições (de 1981), Cosmic Encounter (lançado aqui como a "releitura"
Contatos Cósmicos, em 1983), Supremacia - O Jogo das Superpotências (de 1987), Hero Quest (de 1994), e mesmo Rummikub, Scotland Yard e Interpol em algum grau, já competiam na mesa de brasileiros '
boardgamers raiz' bem antes do
boom de jogos modernos dos anos 2000/2010. Pra essa galera, imagino que o
boom não deve ter sido bem um começo, mas sim uma grata transição.
Essas artes de capa eram boas demais
Mas uma coisa sim começou nesse momento: os jogos de tabuleiro modernos começaram a marcar presença na internet tupiniquim. Nos anos 2000, os encontros de entusiastas passaram das mesas para os fóruns. Surgiram blogs e sites especializados sobre o assunto e o volume de informação sobre jogos aumentou vertiginosamente. Em 2007 foi fundada a
Ilha do Tabuleiro, um site temático repleto de listas, fóruns e grupos para
boardgamers interagirem e expandirem o alcance do hobby. Foi na Ilha do Tabuleiro que, dentre vários outros, o grupo
Heavy Gamers Brasília (HGB) se formou. Esse grupo eventualmente deu origem a uma lista de e-mails (para compra e venda de jogos, marcação de mesas, etc.) na qual eu fui incluído quase uma década depois e têm minha enorme gratidão - já que foi por meio dos relatos de vários dos membros que pude rastrear esse passado
underground do hobby do qual não cheguei a participar. Em 2011 surgiu o blog especializado
Redomanet que, um ano depois, migrou para um portal próprio, uma plataforma agregadora de conteúdo sobre jogos importados e lançados no Brasil. Não tardou para a Redomanet crescer em número de adeptos cadastrados e quantidade de acessos, e eventualmente foi repaginada como a atual
Ludopedia, o maior portal de jogos de tabuleiro da América Latina. Imagine (ou se lembre!) quantos começos a comunidade boardgamer viveu nesse período tão curto. De um hobby obscuro e de nicho que era, os boardgames passaram a ser... bem... um hobby
menos obscuro e de nicho, hehehe.
A única imagem que encontrei da Redomanet é pixelizada assim

Mas calma. Ainda têm mais coisas por começar e dar uma virada nessa mesa
Foi tudo muito rápido. Com a comunidade crescendo por todo o país - algo que só foi possível graças ao poder globalizador da internet -, logo começaram a pipocar nessa mesma internet lojas online de venda de jogos de tabuleiro e acessórios. Surgiu também um outro site de jogos, diferentão, com uma ideia super inovadora, isso em 2013. Mas vou deixar pra falar desse site específico no fim do texto...
Mais ou menos ao mesmo tempo em que as lojas online começaram, brotaram em certas capitais do Brasil os primeiros "bares de jogos" e luderias. Esses locais fizeram uma revolução na forma de se reunir para jogar
boardgames. Agora, além da "casa de alguém", havia lugares especializados onde as pessoas poderiam ir
para jogar. E para jogar
muito. E
muita coisa. Bom, pelo menos nas grandes cidades... de fato ainda há bastante restrição nas atividades lúdicas de quem mora no interior do nosso país
Eu comecei a jogar de verdade por volta dessa época. Primeiro, meu Carcassonnezinho da massa e pouca coisa mais. Aí em 2013 um amigo meu, veterano do meu curso de graduação e veterano dos
boardgames, me apresentou uns
bagulho muito crazy, que ele carregava pra todo canto no campus da UnB em uma sacolinha de pano. Umas droguinhas leves a princípio: Dixit, Fabula... É assim que começa o vício. "Vai lá, experimenta, só mais um, não vai te fazer mal". Por influência desse amigo (cuidado, crianças!), comecei a frequentar uns lugares questionáveis e obscuros - as tais luderias, hehe - e provar outros tipos de droga. Conheci o tal do
eurogame com Ticket to Ride. Conheci o abstrato moderno com Ubongo. Conheci o
drafting com 7 Wonders. De repente as drogas estavam ficando mais pesadas e cheguei a testar um protótipo do irmão dele! Um protótipo, olha a que ponto cheguei! Quando dei por mim, após tantos começos seguidos, eu já estava perdido e sem saída desse mundo. Beijo Davi, beijo Vitor, cês são lindos^^
Ticket to Ride foi o primeiro jogo que pus na mesa em uma luderia

Em 2014 a vida de
boardgamer me permitiu começar mais uma atividade do hobby: a frequentar eventos! Que coisa incrível aquele salão enorme todo preenchido por largas mesas circulares! E em cima de cada mesa um conjunto de papelões, papeis, madeiras e plásticos coloridos diferente. Nesse tipo de situação, você começa a perceber de verdade o quão enorme é o mundo dos jogos. Você começa a interagir com desconhecidos (!) ao redor de um tabuleiro e percebe que isso é muito legal também. Você começa a fazer contatos. E no meu caso específico, foi nesse evento que começou a minha paixão imorredoura pela mecânica de alocação de trabalhadores, com o excelente Lords of Waterdeep (que até hoje está no meu Top 3).
Outra coisa que começa mais ou menos junto com conhecer vários jogos e frequentar eventos é a sua coleção. Dificilmente você resistirá ao ímpeto de ter na sua prateleira pelo menos os seus favoritos (como é um hobby ainda caro, muitas vezes são só os favoritos mesmo que dá pra ter, embora eu conheça pessoas que venderiam o carro se fosse pra ter mais jogos na coleção. Prioridades

). Como resistir às cores vibrantes daquelas caixas reluzindo ao sol poente no seu quarto? Ao toque suave do papelão se desdobrando para preencher sua mesa da sala com um tabuleiro? Ao revigorante som dos
meeples, dados e
tokens se chocando durante o
setup? Ao cheiro delicioso das páginas farfalhantes do manual de regras (eu disse que era vício)? Eu comecei minha coleção já com uma tacada grande e inconsequente, como descrevi
na minha primeira crônica aqui pro blog. Comprei oito de uma vez. Mais sensato seria começar aos poucos, claro, mas o importante é estar feliz com sua coleção - desde que ela não comprometa as finanças domésticas!
...ou o espaço de convivência do lar. Ou a sanidade da família!
Coleção iniciada e jogos novinhos em folha na estante, o próximo começo é o dos rolês pra jogar. Como não marcar com os amigos de jogar até altas horas todos aqueles títulos empolgantes? Logo nas primeiras tentativas eu descobri que é muito difícil jogar mais de um jogo grande por noite. E passei a valorizar bem mais os
fillers, como o Love Letter que encimava minha coleção em seu saquinho vermelho de veludo. Começar uma tradição de "noite de jogos" não é exatamente uma tarefa fácil. Depende das pessoas que você chama e do grau de engajamento e empolgação que demonstram com relação aos jogos, além dos fatores mais objetivos como distância e agenda. Felizmente, no meu caso, dei a sorte de morar muito perto dos amigos com os quais inaugurei essa tradição, e de eles, que antes não conheciam nada desse mundo, comprarem a ideia dos
boardgames rápida e entusiasticamente. Tão entusiasticamente que não tardou a serem eles começando as próprias coleções. Beijo Isa, beijo Sabrina, beijo Diogo, vocês também são lindos!
Melhor programa noturno
Outra coisa que começou com as noites de jogos foi o meu treinamento inconsciente em leitura de manuais e explicação de regras. Comecei a ser o explicador de regras oficial de todos os meus grupos daí pra frente (menos quando o André Ribeiro está presente; Drew, tu explica regra bem demais, cara), e chegaram até a gravar um vídeo de eu explicando Lords of Waterdeep pra poderem usar em partidas com novatos em que eu não estivesse. Veja bem, eu sei que isso não tem nada demais, mas é só curioso pensar que eu sequer imaginava na época que já existiam canais no YouTube dedicados a essa atividade de explicação. Quem sabe se eu soubesse eu não teria começado o meu próprio?! - se ele seria bom ou não, aí já são outros 500.
Eu comecei a assistir
reviews de jogos que queria conhecer e a assistir
gameplays de jogos que queria ensinar. Eu comecei um projeto de criação de jogos de tabuleiro de Biologia na universidade. E me arrisquei no game design, sem grande talento ou sucesso, hehe. Eu comecei a conhecer
game designers de verdade aqui na minha cidade, e a testar seus protótipos (e ainda estou devendo
playtests!). Eu comecei a frequentar o
BoardGameGeek (maior portal sobre o hobby do mundo) e a Ludopedia com afinco, e a usar ambos os sites tanto como ferramenta de estudo quanto como um tipo de rede social. E eu comecei a enjoar de alguns jogos da minha coleção, do tanto de vezes que já os jogara. Isso é bem louco, porque realmente era algo com que não contava, mas que faz muito sentido. Dixit, eu ainda te amo, mas que tal esperar a Luna crescer mais um pouco pra você ver mesa de novo?
Se bem que pelo andar da carruagem, não vai demorar muito não^^
Lá pra 2015/2016, pelo que eu me lembre, começou a segunda revolução em menos de 10 anos. Estou me referindo à chegada dos
boardgames no mercado e mídia mais generalizados. O hobby ainda é de nicho, sim, mas ganhou tanta visibilidade nesses últimos anos que o grande público passou a enxergá-lo. Começamos a ver os jogos à venda em livrarias e lojas
geek, sendo comentados em canais grandes de cultura e comédia do YouTube e sendo publicados em PT-BR por um número crescente de editoras brasileiras, que sentem confiança no mercado para investir nesse ramo de atividade (ou só são malucas mesmo

). É o começo de uma nova perspectiva sobre entretenimento na nossa sociedade! Ou será que fui longe demais?
Olha lá a Editora BGC marcando presença!
Um hobby que surgiu tímido, sem muita confiança em si mesmo e provavelmente no porão da casa de alguém, hoje se expandiu para todos os lados: tem gente que começa a pintar miniaturas e cria um hobby dentro do hobby (hobbyception!!!), tem gente que começa a criar expansões para seus jogos favoritos e a disponibilizá-las de graça na internet. Tem gente que usa jogos pedagogicamente, em sala de aula, e tem gente que usa jogos para unir novamente as famílias em torno de uma atividade lúdica comum. Tem gente que começa a trabalhar em luderias e tem gente que inaugura blogs sobre esse universo (hahaha!). E tem muitos, muuuuitos outros começos esperando pra ser começados.
Pois bem. Já falei de tantos começos que você provavelmente só está querendo que essa crônica chegue logo ao fim! Não tema, aqui estamos. Vamos chegar finalmente no grande objetivo deste texto: lembra que eu mencionei lá no começo um site diferentão, com uma ideia inovadora, lá de 2013? Esse site era o
BoardGame em Casa, um portal onde você podia alugar jogos online e recebê-los diretamente na sua casa pra passar um tempo. Apesar da logo esquisitíssima com um quaker, esse projeto tem muito mérito, pois foi pioneiro no Brasil em aluguel de jogos à distância. Os sócios começaram algo inédito: compravam e estocavam os jogos em casa, recebiam os pedidos, colocavam todas as peças dos jogos pedidos em saquinhos identificados, inclusive com a quantidade de cada componente para o cliente organizar quando fosse devolver, embalavam bonitinho e despachavam para qualquer lugar do Brasil. Esse esforço que só gente apaixonada faz durou cerca de um ano, quando os três, Pedro, Joana e Charlon (já ouviu falar?) tiveram a oportunidade de expandir o sonho e começar sua própria loja de jogos, na 514 Sul, em Brasília.
Olha lá a logo do quaker!
É sobre esse começo que eu queria falar o tempo todo (pena pra você que eu sou prolixo!). A luderia BoardGame em Casa abriu suas portas há exatamente quatro anos, em 13 de dezembro de 2014. Ela trouxe junto com sua inauguração a realização de um sonho dessas pessoas e a transformação do cenário de Brasília. Não foi a primeira luderia da cidade e muito menos a última, mas todas as histórias que começaram ali, bem, só podiam começar ali. E haja histórias!
Hoje em dia a BoardGame em Casa não existe mais, mas longe de ela ter encerrado suas atividades. É que em 2016 ela ganhou uma chance de se expandir ainda mais e se tornar a
Ludoteca BGC que vos fala (achou que o 'BGC' vinha de onde?!). Eu sei que esse ano
já comemoramos um aniversário, mas simplesmente não dava pra deixar esse outro passar. Se a Ludoteca existe hoje, é porque antes dela veio aquele segundo andar aconchegante, de piso de madeira e iluminação acolhedora. Além é claro das pessoas de garra que a carregaram nas costas até chegarmos aqui.
Feliz aniversário, BoardGame em Casa. Obrigado por ter começado, de forma que hoje nós possamos te continuar!