Todo ano 3500 jogos são lançados no mundo, os financiamentos no Kickstarter batem um recorde atrás do outro, cada dia mais gente descobre e se encanta pelos jogos modernos … e no entanto, a pergunta do título vem me assombrando há algum tempo. Tenho a impressão que a fórmula do jogo euro tradicional está se esgotando.
Dizem que a última nova mecânica inventada foi o deck-building, nos idos de 2008. Mas logo antes foram várias outras criadas em espaços pequenos de tempo: worker placement, pontos de ação, maioria de áreas, ação simultânea, entre outras.
Agora, estamos num vazio de 10 anos sem nenhuma nova mecânica criada, e é de mecânica que o euro se alimenta. Por isso vejo uma certa fadiga no jogador euro. Ele começa a achar que não há grande novidade nos lançamentos, nada que justifique a compra de um jogo recém-lançado. Joga para conhecer mas não vê motivo para repetir.
O mercado sente isso e começa a tentar conquistá-lo de outras formas.
A principal delas são jogos com foco narrativo. Os legacies são o maior exemplo: Pandemic Legacy, Gloomheaven, Charterstone. A justificativa da compra do jogo deixa de ser a experiência cerebral, de desvendar e otimizar os mecanismos do jogo, e passa a ser a curiosidade narrativa: qual será o próximo evento, a próxima revelação.

Risk Legacy, de 2011, o primeiro jogo nesse estilo
Outra forma são os jogos-puzzle. São jogos que só podem ser jogados uma vez. Alguns emulam Escape Rooms, como o Exit, outros são jogos investigativos, como Detective e Time Stories, outros ainda resgatam a fórmula do livro-jogo.
Esses dois tipos de jogos tiraram boa parte dos holofotes dos euros em Essen e na GenCon. E é justo, pois é neles que está a inovação, enquanto os euros repetem e recombinam as mesmas mecânicas há 10 anos.
Quem segue apostando na fórmula euro usa outros recursos para chamar nossa atenção, e nenhum deles me parece benéfico a longo prazo para o estilo.
Vários entram na corrida armamentista dos componentes. Até poucos anos atrás, todo euro era com cubinho de madeira e meeple no formato padrão. Hoje os recursos têm formatos diferentes, os meeples são personalizados e qualquer jogo menos bem produzido imediatamente nos parece genérico. Alguns, como Everdell e Sçythe, já deram um passo além e começam a usar recursos ainda mais realistas, com material, textura e pintura especiais. Sem falar dos euros com miniaturas. Se os jogos continuarem a seguir esse caminho para se diferenciar, vão ficar cada vez mais caros e menos acessíveis.
Recursos superproduzidos do Scythe
Um número ainda maior de euros tenta se diferenciar pela complexidade. Feudum, Agra e os jogos do Vital Lacerda são alguns dos que me vêm à mente. Nos anos 90, os euros eram identificados como jogos para toda a família. Simples de entender, elegantes nas regras mas ainda assim com profundidade. Na década seguinte, o sucesso de Caylus e Puerto Rico, jogos bem mais complexos que seus antecessores, talvez tenha sido o responsável por uma escalada que tornou a complexidade um chamariz por si só.
É fácil de entender: jogadores euro adoram desvendar e otimizar os sistemas dos jogos. Aumentar a complexidade dos sistemas significa aumentar o desafio, o que é bom. Mas se você só aumenta a escala sem mudar o tipo de desafio, não faz cosquinha nova na cabeça do jogador: ele está fazendo a mesma coisa que em jogos mais simples, só que numa proporção maior. Acaba sendo como montar um quebra-cabeças de 1000 peças depois de fazer um de 500 – mais difícil, mais demorado, talvez até mais gratificante, mas a experiência é similar.
O tabuleiro hipercomplexo do Agra
E essa super abundância de experiências similares, com componentes superproduzidos e complexidade exacerbada é que, na minha opinião, começa a confinar os eurogames a um nicho cada vez mais segmentado dentro do já pequeno nicho dos jogos de tabuleiro.
Dar a volta por cima depende de novidade mecânica. O ecossistema euro, ao contrário do ameritrash, depende demais de inovação, e cambaleia a cada euro genérico colocado no mercado.