Em meados do ano passado, recebi com enorme desconfiança a notícia que os autores de Terra Mystica estavam fazendo uma versão remodelada para tema espacial do jogo que há tempo reina absoluto no ranking da Ludopedia. Minha impressão era que os designers e editoras estavam querendo espremer cada centavo que pudessem dos jogadores apaixonados por pelo jogo original. Algo meio tipo Catan que só falta lançar a versão Twister (Rolou 9 no dado? Pé direito no trigo!) para completar todas as variantes possíveis e imagináveis. E para cima de moi isso não ia colar.
Foi por isso que, quando um amigo meu ofereceu por um custo bem razoável trazer o jogo para mim de Essen eu desdenhei. Já tinha recentemente adquirido TM com expansão no Diversão Offline e não fazia sentido comprar o mesmo jogo versão espaço 2 meses depois. Deixaria para comprar a versão zumbi, western, viking, ou até Índia que provavelmente sairia seguir.
E então eu joguei Gaia Project. E aí f*!
O jogo foi tão bom, mas tão bom que eu não conseguia passar mais um minuto sem tê-lo. Tentei comprar do próprio amigo que tinha o jogo, mas sem sucesso corri atrás aqui na Ludopedia para comprar a 1ª cópia que aparecesse, custe e o que custasse. E custou caro. E ainda mais caro por que eu paguei envio por SEDEX por que eu PRECISAVA daquele jogo, e PRECISAVA dele LOGO!!!
E o propósito deste post é tentar explicar para vocês, por que este jogo me tirou do sério e por que após 13 partidas no intervalo de um mês, ele ainda é o jogo que eu mais quero jogar na próxima partida.
Gaia Project é, na sua essência, Terra Mystica. A mecânica de coloca casinha, constrói Casa de Comércio, decide se vai seguir fazendo Fortaleza ou Templo e então Santuário é exatamente igual. Se você gosta de um vai gostar do outro. Se você odeia um, provavelmente vai odiar o outro. Pode até ser que você ache o Gaia mais palatável, como o Tom Vassel achou, afinal é um jogo ligeiramente menos punitivo, com tema que faz sentido (dentro do possível em euros) e para alguns mais bonito, mas nada é extraordinariamente revolucionário no jogo que seja possível mudar sua opinião da série.
No entanto, existem 3 diferenças que elevam Gaia Project para além do que Terra Mystica jamais será: a trilha de pesquisa, a interação do tabuleiro e novas possibilidades de se ganhar recursos.
A trilha de pesquisa substitui a trilha de culto no Terra Mystica. Ela também absorve as trilhas de desenvolvimento de Terraformagem e Navegação, que em TM ficam no tabuleiro do jogador. Ficam então, ao todo, 6 trilhas de pesquisa. A Navegação e Terraformagem são duas delas e funcionam de maneira parecida nos 2 jogos. Mas as outras trilhas, que em Terra Mystica eram cultos genéricos que se transformavam em uma corrida por pontos passaram a ter um tema, propósito e benefício em Gaia. A trilha de Inteligência Artificial lhe fornece Q.I.C, um recurso novo do jogo que serve para lhe dar navegação temporária, terraformar um tipo novo de planeta que não pertence a nenhuma raça, para obter alguns bônus exclusivos ou apenas, fazer do leite uma alegria. A trilha de Gaia Formagem te fornece uma estrutura extra que lhe permite terraformar planetas roxos, só possíveis de se habitar desta forma. A trilha de economia incrementa sua receita a cada rodada. E por último, a trilha de Conhecimento, que lhe fornece mais do recurso necessário para subir nas demais trilhas.
Cada uma das trilhas te fornece um benefício, de curto ou longo prazo, a cada movimento de subida que você faz. Ela deixou então de ser uma corrida de pontos e passou a ser uma estratégia de investimento. Em qual trilha eu preciso investir para tirar o máximo da característica da minha raça?
E esse planejamento fornece uma outra camada estratégica ao jogo. Se por um lado é mais uma variável em um jogo que já não é tão simples, ela ao menos fornece mais benefícios do que a trilha de culto do Terra Mystica, de forma que você acaba tendo acesso a mais recursos e com isso consiga produzir mais.

A trilha faz ainda com que o jogo fique menos escriptado. Jogo sempre com um amigo que se apaixonou como eu por Gaia e não importa com que raça eu ou ele joguemos, no início do 4º round eu vou ter por volta de 70 pontos e ele menos de 10 pontos TODA SANTA VEZ! E no final do jogo, talvez ele ganhe, talvez eu ganhe. Isto por que eu tenho gosto de investir em benefícios mais imediatos, que me permitem construir mais no início e aproveitar ao máximo os benefícios de cada construção e independente da raça isso é possível de alguma forma. Já ele, prefere investir sempre no longo prazo, de forma que tenha excesso de recursos nas últimas 2 rodadas e com qualquer raça que ele joga, isso é possível. E essa possibilidade é maravilhosa.
O segundo ponto de diferença é a interação no tabuleiro. Só de olhar no tabuleiro de Gaia você vai ver que há muito mais espaço do que planetas. Em um primeiro momento é normal pensar que (1) vai ser uma corrida desenfreada para pegar aquele planeta ao lado e (2) não se faz nada sem aumentar rapidamente sua navegação. Ambas as afirmações estão ERRADAS!
Na verdade, é justamente por ter tanto espaço em volta que você dificilmente vai ficar preso em um canto como em Terra Mystica. Você sempre vai ter como escapar, ainda que tenha de gastar muitos Q.I.Cs (lembra? Navegação temporária!) para isso. Alinhado com o fato de que não existe o bônus de cidades interligadas como em TM, você entende como o tabuleiro fica menos punitivo do que na versão original.
É inclusive possível fazer cidades (no caso do Gaia, Federações) com estruturas que estão longe uma da outra se pagar o devido o preço. E qual é esse preço? Tokens de Poder. Ou seja, tendo tokens de poder suficiente para queimá-los para fora do jogo, você pode atravessar o universo e juntar aquele Templo a 7 hexágonos de distância em uma única federação.
Por último, o jogo permite que você ganhe recursos de várias maneiras além da receita e do bônus escolhido em cada rodada. É possível ganhar o recurso das cidades já construídas diversas vezes por exemplo. Além disso, como já colocado, cada avanço na trilha de pesquisa lhe dá algum recurso, seja ele imediatamente ou na receita de cada rodada.
E embora haja muitas outras diferenças entre os jogos, foram essas mudanças as que me fizeram preferir Gaia a Terra Mystica. O jogo se tornou muito menos punitivo ao mesmo tempo que ganhou estratégia e complexidade. A pessoa que souber usar bem a trilha de pesquisa, vai conseguir construir um motor muito mais eficiente que gera muito mais possibilidades. Ao mesmo tempo, aquele jogador iniciante que ainda joga taticamente, buscando o bônus de cada rodada, consegue fazer muito mais coisa. E por mais que ele ainda não esteja jogando de forma otimizada, ele não vai ficar com a sensação de frustração absurda em não fazer nada que o Terra Mystica pode deixar em você.
Lembro até hoje a minha primeira partida de Terra Mystica. Eu joguei de Gigante por que eles são vermelhos e esse blog não chama Red Meeple só de zueira. Na 1ª rodada não construi a Fortaleza e na 2ª rodada eu não fiz nada. Tipo, N-A-D-A!!!!! Eu não tinha trabalhador para terraformar lugar algum (para os Gigantes, tudo custa 2 pás) ou dinheiro para construir qualquer coisa. Em 15 minutos de jogo eu já estava adiantando para a galera o pedido da pizza que iríamos comer e pensando em qual seria o próximo jogo. Isso não vai acontecer em Gaia. Nele, sempre há possibilidades.
Terra Mystica é e sempre será, um dos meus jogos favoritos. Ainda recebo de bom grado a sugestão para joga-lo e a minha cópia comprada em agosto não tem previsão alguma de sair da coleção. Mas em Gaia Project os autores parecem terem aprendido com a experiência anterior e acertado qualquer aresta solta em Terra Mystica. Todas as mudanças, pequenas ou grandes, foram para melhor. Se for para inventar algum defeito, é dizer que o jogo agora não comporta mais 5 jogadores, mas mesmo isso, eles compensaram introduzindo um modo Automa para jogar solo.
Talvez sejam necessárias umas 2 partidas para que, quem já estava crackudo de Terra Mystica, se acostume com as novas variáveis de Gaia Project. Jogar menos preocupado de ficar bloqueado em algum canto que não consegue sair, investir na trilha de pesquisa certa (dica: já apelidaram a trilha da terraformagem de trilha do Luís) desde cedo e saber dominar os poderes das novas raças. Mas depois que isso acontecer é possível que finalmente tenhamos um novo jogo no topo do ranking!
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