Bom dia, boa tarde e boa noite, deckbuildeiros. Tudo bem? Quem me conhece deve saber que eu tenho paixão por cartinhas em geral. Desde cedo eu entendia o apelo dos card games para o colecionismo, para o prazer de se montar um deck e ficar simulando partidas mentalmente antes delas acontecerem.
Talvez esses aspectos tenham me divertido mais nos jogos do gênero com os quais tive contato do que as partidas em si, pois dado meu espírito competitivo às vezes era muito frustrante perder e chegar a uma de duas conclusões: dada as praticamente infinitas possibilidades de partidas e decks, eu simplesmente não conseguia assimilar muitas combinações de cartas por causa de meu intelecto limitado OU o fator $money$ fazia tanta diferença que eu acreditava que nunca conseguiria ter um deck decente.
Porém, os jogos de tabuleiro modernos trataram de revelar diante de meus olhos uma nova gama de opções que revitalizaram meu apreço pelos jogos de cartas. A capacidade de ser expansível, ilimitado e em certo ponto imersivo, te colocando numa posição de deus do jogo, onde você consegue imaginar embates, alianças e desfechos nunca antes vistos nas suas franquias favoritas, certamente tem seu charme.
O que me inspirou a escrever este artigo foi a iminência de jogar uma partida de Game of Thrones : LCG em breve, responsável por fazer meu grupo de jogo passar a semana toda consultando listas de baralhos, FAQs, manuais, fóruns e afins. Coisa de nerd, saca? Mas passada a rasgação de seda, vou partir para a minha abordagem principal, na qual procurarei seguir a linha do meu artigo anterior, sobre estratégias, mas dessa vez focado na construção de baralhos. Digamos que esse artigo é um aprofundamento do outro, que pode se aplicar aos jogos de cartas também.
Richard Garfield, criador do MTG, conhecido como Sleeve Jobs nas redes sociais tupiniquins
Antes de mais nada, peço ajuda a Sleeve Jobs, Richard Garfield, criador do Magic, nessa empreitada para conseguir diferenciar os principais gêneros de jogos de cartas (se existe algum fora esses, comentem abaixo e eu aprenderei mais um pouco com vocês). Não dava pra falar de cartas sem falar dele, então me baseei em alguns tópicos legais que ele abordou em uma entrevista na longínqua edição 36 da Dragão Brasil (a qual você pode baixar para ler na íntegra através desse link, mais especificamente na página 21, seção lateral Dicas do Baralho).
- Trading Card Games (TCG) - Jogo expansível que vai aprimorando a experiência de jogo com o lançamento de novo conteúdo sazonal, mas se por um lado aí reside seu ponto forte, também está sua desvantagem. Tal método de distribuição, fortalecido pela venda de boosters, pacotes com cartas aleatórias, cria um mercado paralelo que se autorregula a cada torneio sancionado pelas empresas distribuidoras, colocando preços exorbitantes em cartas que estão com destaque no cenário atual do jogo. Magic: The Gathering (MTG), Yu-Gi-Oh! e Pokémon são exemplos de alguns nos quais já me aventurei;
- Living Card Games (LCG) - Procurando unir o melhor de dois mundos, os LCGs buscaram distribuir coleções fechadas de cartas suficientes para partidas por si só, ao invés de possuir tiragens em quantidades maiores ou menores que acabassem gerando a valorização de algumas cartas em detrimento de outras. Joguei apenas o A Game of Thrones: The Card Game (AGoT) até hoje, mas o gênero é famoso pelo Android: Netrunner (justamente do Richard Garfield), Star Wars: The Card Game e The Lord of the Rings: The Card Game;
- Deck Building Game (DBG) - Se a construção de baralhos é um prazer por si só, por que não transformá-la em um jogo propriamente dito? Provavelmente a mecânica mais recente criada para jogos de mesa, os DBGs têm como pai o Dominion, mas também são conhecidos por títulos como Ascension ou o Legendary: A Marvel Deck Building Game. Eu gosto bastante e possuo o Resident Evil Deck Building Game (RE) e o Tanto Cuore (TC).
Os tópicos abordados abaixo valem para todos esses gêneros, em menor ou maior grau, e procurarei dar exemplos para expôr o porquê.
Não. Obrigado.
1 - Se a carta só é boa quando você já está vencendo, não é tão boa assim
Pense numa carta. É sete de paus? Brincadeira. Pense em como fica sua cara quando compra ela. Pense em como fica sua cara quando compra ela em diferentes momentos do jogo. Podemos dividir um jogo em três estágios:
- Early Game - o começo do jogo, onde todo mundo está estabelecendo seus alicerces para o restante da partida;
- Mid Game - o desenvolvimento jogo, onde quem mantém o ritmo e aguenta o tranco garante maiores chances de vitória;
- Late Game - o final do jogo, onde você aposta tudo e torce para ter tomado as melhores decisões até aqui.
Você precisa se perguntar se a maioria das (não necessariamente todas) cartas do seu deck são versáteis o bastante para te ajudar em todas as etapas do jogo. Uma carta que te ajuda a construir o jogo no início da partida pode ser considerada morta no Mid ou Late Game, ou por ser muito fraca ou por você não precisar mais dos recursos que ela te provê. Nos DBGs, você até pode se dar ao luxo de ter cartas fracas em seu baralho desde que consiga se livrar delas antes dos estágios finais de jogo OU se certifique de que elas não vão pesar na rotatividade geral do deck.
Além disso, às vezes é importante ter força de vontade suficiente para abrir mão de:
- Cartas com as quais você tem apego sentimental ou acha lindas/bacanas;
- Cartas que parecem boas mas não são;
- Cartas que são boas em um deck/contexto mas não em outro.
A dica é focar na estratégia escolhida, senão você pode ficar na ansiedade de criar um deck "canivete-suíço" e acabar com um deck "pato", que nada, voa e anda mas não faz nada disso exemplarmente. A minha querida Phage the Untouchable é uma carta muito pesada para se jogar no MTG, e alguns de nossos Pokémons favoritos, mesmo nos jogos eletrônicos, não são bons o suficiente para o cenário competitivo por "n" fatores, infelizmente. Busque sinergia no máximo de cartas do seu deck.
Após compreender que cartas contribuem para seus planos, comece a pensar um pouquinho em quantidades e usar o...
William "Bay Huey" Jensen com seu discreto deck de Battle of Witts (MTG)
2 - Necessário, somente o necessário
Quanto menos cartas, maior a probabilidade de comprar o que você precisa. Se tiver muitas cartas, você precisará contar com redundância de efeitos ou ainda mecanismos de busca. Procure se manter sempre no limite mínimo do total de cartas do deck: ele existe para o seu bem.
Algumas vezes ter um baralho grande pode ser positivo, desde que, justamente, você saiba lidar com isso. É o caso, por exemplo, de um baralho de MTG que use a carta Battle of Witts, que faz você vencer o jogo se tiver ela no começo do turno E um baralho com pelo menos 200 cartas restantes. Sim, você não leu errado e imagine que chatice parar pra contar as cartas... No RE, a expansão Resident Evil Deck Building Game: Nightmare adiciona cartas que te recompensam por ter um deck grande (Broken Butterfly), mas ao mesmo tempo te fornecem cartas que te ajudam a "cavar" atrás das que realmente importam (Racoon City Police Department).
Equilíbrio entre quantidades de cartas de cada tipo está diretamente ligado a sua estratégia. Baralhos com muitas ações, magias ou eventos tendem a ter perfil defensivo e de controle, planejamento a longo prazo, enquanto baralhos com muitas criaturas ou cartas de impacto direto no adversário têm perfil ofensivo e foco em resultados de curto prazo.
Cartas que precisem umas das outras devem estar em quantidades proporcionais. Em Pokémon TCG, para evoluir um Pokémon, normalmente basta posicionar a carta do estágio superior de sua criatura sobre o anterior. Por esse motivo, as quantidades de cópias de cada carta de Pokémon em seu baralho tendem para o formato "n - (n-1) - (n-2)" onde "n" é a quantidade de cópias da forma básica do Pokémon (Exemplo: 4 Charmanders, 3 Charmeleons, 2 Charizards). Isso ocorre para que as suas garantias de comprar as formas primárias aumentem, e leva em conta que nem sempre você conseguirá chegar até o final do ciclo evolutivo, seja por não comprar as anteriores ou por alguma delas ter sido nocauteada.
No Yu-Gi-Oh!, ou você tem cartas que te ajudem a baixar as de níveis maiores, ou você se atenta ao fato de precisar ter mais cartas de nível 4 ou menos para poder serem sacrificadas para a invocação normal das de nível maior (na época em que eu jogava, as de nível 5 e 6 requeriam um sacrifício, e as de 7 ou mais requeriam 2).
Falando genericamente agora, equipamentos e acessórios de criaturas devem estar em menor quantidade que criaturas para equipá-los, senão suas chances de ter equipamentos mortos na mão se torna muito maior.
E se nossos baralhos possuem limites e restrições, faz sentido você se adaptar e...
Você vai ver quando eu jogar é essa mesa na sua cara!
3 - Jogar menos cartas que seus adversários
O termo "card advantage" se refere a ter mais cartas à sua disposição do que seu oponente. Isso não significa ter mais cartas no baralho, mas ter mais cartas prontas para o uso, seja porque você já está com elas nas mãos ou porque consegue buscá-las e jogá-las a partir de seu baralho.
Uma técnica que é interessante em vários jogos é jogar/gastar menos cartas que seu adversário. Não é à toa que no MTG o azul é a cor mais quente poderosa nos formatos eternos (onde se joga com praticamente todas as cartas de todas as edições existentes), pois ela é a mais rica em efeitos de compra e anulação de cartas.
Isso é verdade em muitos jogos, ainda que não se aplique tanto aos DBGs, onde esvaziar sua mão a todo turno é comum. Atualmente, estou jogando Clash Royale, jogo para celular, e percebo que para gerenciar o recurso do jogo, elixir, vale mais a pena ficar na defensiva e apenas responder as ofensas do oponente à espera de uma brecha para atacar, do que ir com tudo pro ataque e VOCÊ acabar dando brecha pra ser atacado, momento em que estará sem recursos para rebater.
Certamente, existe um momento em todo jogo onde ocorre um rush final, como em maratonas e corridas, onde você pensa e calcula "Agora vai!", aperta o botão do nitro e avança para a vitória. Nesse momento, não tem porque conter suas jogadas, afinal você trilhou todo seu caminho para chegar aí. Talvez a estratégia do seu deck até seja mesmo esgotar todas as suas cartas logo de cara, mas fica a pergunta feita no artigo passado: após essa jogada, você já venceu ou suas possibilidade acabaram?
Para garantir que isso não ocorra e você sempre tenha recursos e armas suficientes na maioria dos cenários, vale lembrar que...
Curva de um baralho de AgoT: LCG
4 - Violões têm curvas, e os custos das cartas também
No MTG o termo é Curva de Mana, pois a mana é o combustível para pagamento dos custos das cartas. Mas em praticamente todos os jogos nós temos um elemento análogo: renda no AGoT, energia no Pokémon, munição no RE, amor no TC (sim, você contrata empregadinhas com amor), etc. Essa curva nada mais é do que a relação custo x quantidade de cartas que você tem no seu baralho. A grosso modo, pode-se dizer que você tem que ter mais cartas leves do que pesadas.
Isso fica bem claro em TCGs e LCGs, onde você tem o deck fixo. No MTG, a média fica em um terreno para cada duas cartas com custos e no Pokémon suas energias devem corresponder aproximadamente a 2/3 da quantidade de criaturas. Esses valores podem oscilar se houver cartas de busca de recursos ou que os substituam, como criaturas geradoras de recursos (tenho um Typhlosion, por exemplo, que me permite reutilizar energias de fogo a partir do descarte, o que fez meu deck ter uma quantidade de energias bem abaixo da média). No AGoT, é interessante perceber que a existência das cartas de Plano, que concedem uma renda mínima garantida por rodada, diminui a necessidade de muitas cartas adicionais geradoras de renda.
Mas a dinâmica muda nos DBGs, onde você ainda não faz ideia de como vai ser seu baralho até o jogo começar (e talvez nem nessa hora...). No RE, não adianta você comprar uma baita de uma arma sem ter munição suficiente e otimizada para jogá-la (duas cartas de +30 de munição são muito diferentes de seis de +10). No TC não adianta você ter várias cartas que te concedem compras adicionais se você não possui serviços adicionais para jogá-las (como são chamadas as ações no jogo) ou ter muito amor pra dar (pois é) sem ter contratações extras, pois DBGs não voltam troco!
Isso tudo é de dar nó na cabeça, e talvez a gente não saiba logo de cara no que vale a pena investir ou arriscar em um baralho, mas o segredo para isso é um só...
Comer brócolis e jogar com cartas duvidosas às vezes faz bem
5 - Nunca diga que não gosta se ainda não experimentou
Transforme suas partidas em laboratórios. É improvável montar um baralho que seja invencível contra todos os outros, pois são grandes as chances de que ele seja bom contra um baralho x e ruim contra um baralho y, numa visualização macro digna de um jogo de "pedra-papel-e-tesoura".
Outro fator que só se descobre na prática é o metagame. Durante algum tempo, eu adorava replicar estratégias de baralhos profissionais que encontrava na internet, mas isso de nada me adiantava ao jogar contra meus amigos no dia a dia. O metagame é o cenário de jogo onde você está inserido, quais são seus oponentes, qual o estilo de jogo deles, que baralhos e estratégias são mais utilizadas... Em breve, irei jogar AGoT com a galera e não fazemos ideia de como estão os decks uns dos outros. Fico ansioso e supondo mil coisas na minha cabeça sobre que estratégia cada um vai usar e como poderei atacar e me defender. Porém, nenhuma de minhas fantasias será tão efetiva no meu aprendizado e planejamento do que as partidas em si. E depois vai ser normal, e parte da diversão, voltar para o deck building e ajustar meu baralho.
Fica o desafio: monte decks com os quais você nunca jogaria, mesmo aqueles que você tem a impressão de que te garantirão uma derrota certa. Você poderá acabar descobrindo combinações inusitadas de cartas, e só assim conseguirá evoluir como jogador.
Links Úteis (me avisem se conhecerem mais):
Deck Builder para o GoT, primeira edição (a única a que nós brasileiros temos direito...)
APP Randomizador para Resident Evil Deck Building Game (Android)
Randomizador Tanto Cuore
