O que eu gosto no jogo é uma série livremente baseada nos vídeos My Favorite Game Mechanism do designer de jogos Jamey Stegmaier. Nessa série eu vou tentar falar em termos gerais as coisas que mais me chamam a atenção em um determinado jogo, sem me preocupar em explicar regras. Ou seja, você vai ver uma análise de forma mais objetiva e direta de um jogo.
Provavelmente você ouviu falar que a
Ludofy irá trazer para o Brasil o jogo
Viticulture. Se não tinha visto ainda, eis a informação completa: em 2017 a editora brasileira irá trazer a versão nacional de
Viticulture Essential Edition, junto com os já aguardados
Caverna e
Le Havre. É uma enorme surpresa para o mercado nacional, já que se esperava que o jogo fosse vir somente mais tarde e por outra editora, a
Fire On Board, que já é parceira da
Stonemaier Games com os jogos
Euphoria e
Scythe. Pois bem, agora é hora de falarmos um pouco mais sobre esse grande jogo.
Viticulture é uma obra prima dos jogos de alocação de trabalhadores. Para mim, um substituto à altura do clássico
Agricola, sem a parte sofrida da alimentação da sua família. E mais, um jogo bonito e muito bem preparado pelos autores
Jamey Stegmaier e
Alan Stone. Foi o segundo jogo lançado pela dupla, em 2013, e recebeu duas expansões:
Viticulture: Moor Visitors Expansion e
Tuscany: Expand the World of Viticulture. Em 2015 o jogo ganhou uma segunda edição que adicionava ao jogo base algumas das melhores mecânicas contidas nas duas expansões, com a curadoria do mestre
Uwe Rosenberg. Essa veio a se tornar a
Essential Edition, que é a versão que a
Ludofy trará ao Brasil. E é dessa versão que vou falar aqui, pois é a que eu tenho. Porém, se você tem interesse também em saber sobre a versão padrão do jogo, vou sempre referenciar as diferenças entre os dois, destacando aquilo que é do jogo padrão e aquilo que é da versão revisada.
Acho que devo começar dizendo que
Viticulture é um dos jogos no meu top 10 hoje. Gosto muito da dinâmica do jogo, de como você realiza suas ações e do como elas influenciam a jogada do seu adversário. É um jogo com bastante interação entre os jogadores e um euro muito imersivo, com muito do tema presente. Pra explicar isso, preciso dar uma geral sobre o jogo e suas regras, mas vai ser rápido e superficial, ok?
TEMA
Bom, acho que não é difícil adivinhar qual o tema do jogo. Em
Viticulture você é o dono de uma vinícola e precisa cuidar das suas plantações, colher na estação certa, fermentar suas uvas e fazer vinhos para exportar conforme os contratos que você tem em mãos. Seus tipos diferentes de uvas podem ser combinados para gerar tipos diferentes de vinhos, dando bastante variedade ao mercado e podendo conquistar mais pontos através disso. Você também terá que construir melhores estruturas para armazenar, carregar e irrigar sua fazenda, além de receber diversos visitantes que irão influenciar totalmente como você produz (e, consequentemente, ganha pontos).

O jogo acontece ao longo de diversos anos em que você precisará passar pelas diferentes estações com suas características únicas. Por exemplo, só será possível plantar no verão e colher no inverno. Na primavera e no outono você irá receber visitantes com habilidades específicas que serão úteis nas estações a seguir. Os pontos são obtidos basicamente através da exportação dos seus vinhos, mas também podem vir através desses visitantes, que poderão te recompensar em troca de vinho, uvas ou mesmo dinheiro. O jogo se encerra ao final do ano quando o primeiro jogador atingir 20 pontos e o maior pontuador vence a partida. Bem simples, certo? E é justamente isso que faz o jogo tão interessante.
AS REGRAS DO JOGO
A profundidade de
Viticulture se dá não pela sua complexidade, mas pelas consequências de suas ações. Cada vez que você faz uma ação, você pode estar bloqueando a ação de outro jogador. Cada
meeple gasto numa estação, é um trabalhador a menos na estação seguinte que você não terá. Cada visitante que chega pode mudar completamente seu planejamento a longo prazo. E, claro, há um fator sorte muito interessante envolvido na maneira como você começa seu jogo com cartas de plantações na mão. Aqui vou fazer a primeira ressalva quanto às diferenças entre as duas versões do jogo. Na versão padrão, todos os jogadores começam com mãos similares: cartas de tipos de uva para serem plantadas, dinheiro, quantidade de trabalhadores e etc. Na versão revisada, foram adicionados dois
decks de cartas que adicionam um fator de aleatoriedade muito interessante: "Mamas" e "Papas". Ao retirar essas cartas você poderá ter uma configuração inicial completamente diferente de seus adversários e ter que começar o jogo de uma maneira totalmente nova, o que por si só já gera uma rejogabilidade imensa. Das expansões incluídas no jogo pelo
Uwe, acredito que essa seja a minha preferida.
No começo da rodada/ano você irá decidir a ordem do jogo. Aqui entra o tradicional
wake-up order já visto em outro jogos, mas com uma implementação bem bacana e bonita, dando aos jogadores diferentes bônus dependendo da ordem em que jogarem. Quanto mais tarde, melhores serão seus bônus. Porém, quanto mais cedo, mais chances você terá de pegar aquela ação que precisa e bloquear (ou não) os adversários. Digo "ou não" porque o jogo tem uma mecânica interessante para as diferentes quantidades de jogadores na mesa, permitindo que determinadas áreas só possam ser ocupadas/utilizadas, em partidas com uma quantidade específica de jogadores. Além disso, existe um trabalhador que começa o jogo com você chamado de
Grande (assim mesmo, em português, ou italiano, sei lá) que pode fazer qualquer ação, mesmo que ela já tenha sido ocupada por outro jogador ao até por você mesmo.
Ao longo do jogo, você deverá plantar em um dos seus 3 campos, obedecendo o limite de espaço de cada campo, que poderão ter 5, 6 ou 7 parreirais. Cada parreira é, na verdade, um conjunto de tipos de uvas que podem ser do mesmo tipo ou de tipos diferentes. A sacada aqui é que as cartas das uvas a serem plantadas vão te mostrar quanto de espaço essa plantação vai ocupar, mas também determina o quanto você conseguirá colher. A implementação que o
Uwe fez aqui foi a de que você pode vender os seus campos para ter dinheiro para outras coisas. O preço de venda (e de recompra) é equivalente ao tamanho do campo e isso pode te dar um gás no jogo, com um bom valor em liras nas mãos para investir em outras partes da sua fazenda, como nas estruturas ou na contratação de mais trabalhadores.

Você também irá precisar, em outras estações, colher essa uvas, colocá-las nos tonéis de fermentação e, no momento propício, transformar o suco da uva em vinho. Essa ação é bastante interessante por se tratar apenas de mover de um lugar para o outro no seu tabuleiro de jogador um marcador de uva, essas belas peças de acrílico transparente. A ação é tão simples, mas ao mesmo tempo tão interessante que parece bobo que ninguém nunca tenha usado antes. Fora que, com o passar de um ano para o outro, todas as suas uvas e vinhos envelhecem, tornando-se melhores - todo mundo sabe disso, certo? No jogo, essa ação também é representada com um simples movimento do valor da uva/vinho para o lado. Genial.

Para maximizar essas ações, ao longo das rodadas você precisará construir algumas estruturas. Algumas não, várias. Ao todo, são 8 estruturas diferentes, cada uma atuando numa fase da sua produção: desde melhorar as condições do campo para o plantio, passando pela colheita, fermentação e até na chegada de visitantes. Você também precisará de celeiros maiores para armazenar toda a sua produção e seus melhores vinhos. Os
tokens das estruturas são de madeira e são lindos, se diferenciando muito bem do tabuleiro pra que você não se esqueça que gastou seu dinheiro fazendo cada um deles na hora de realizar as ações.
Por fim, seu objetivo no jogo, você irá negociar suas uvas numa espécie de porto, recebendo pontos de vitória se conseguir cumprir os pré-requisitos do contrato que tem em mãos. Esse contrato irá te guiar em quais tipos de uva plantar e em como combiná-las para fazer seus vinhos. Parte da estratégia do jogo está aqui. Também há uma recompensa futura para cada contrato que você conseguir cumprir, uma vez que seus vinhos exportados irão te trazer, nas rodadas futuras, algumas liras.
O AGRICOLA DOS VINHOS?
As mecânicas podem parecer muito similares ao que você já viu em outros jogos. O próprio
Agricola se aproxima muito disso. A principalmente diferença que vejo em
Viticulture é em como o jogo roda. Primeiro pelo seu mecanismo de escolha de ações, em que você executa a ação imediatamente ao colocar seu trabalhador. Em seguida, o próximo jogador faz seu movimento e a mesa roda, até que chegue novamente sua vez de escolher uma ação. Enquanto isso, você pode ter sido bloqueado e não conseguir fazer o que planejava no começo, então sua estratégia precisa mudar o tempo todo durante o jogo. É uma mecânica que te força a pensar a longo prazo, pensando no que fazer se for bloqueado e em como contornar isso.
Outra diferença que considero primordial aqui é que, enquanto em
Agricola você se esforça para alimentar sua família, melhorar sua casa e cuidar de seus animais, sofrendo muito para fazer isso,
Viticulture é um jogo muito mais sobre como você gerencia sua fazenda. Não há um momento específico em que todos colhem, nem mesmo em que todos devem alimentar seus trabalhadores. Aqui, você escolhe o momento certo de colher e o fruto do seu trabalho irá se tornar pontos. Você pode chegar a passar alguns anos sem pontuar, juntando para fazer a jogada perfeita e, então, marcar 10 pontos de uma só vez. Nada de terminar o jogo com 5 pontos.
Mas, ao mesmo tempo em que te incentiva a ser um viticultor,
Viticulture te lembra que ter uma vinícola atrai turistas. E uma das estratégias do jogo é justamente saber fazer uso desses visitantes. É tão possível fazer pontos usando essas cartas quanto cumprindo os contratos. Já venci o jogo sem vender um vinho sequer, só usando as cartas dos turistas e fazendo alguns bons combos. E o interessante é que nem por isso consegui repetir a estratégia na partida seguinte: a quantidade de cartas no jogo é tão grande que não tive a sorte de tirar as mesmas e acabei precisando correr atrás dos contratos para me recuperar. Talvez essas cartas sejam a coisa mais interessante do jogo e o que mais o diferencie de outros jogos de alocação de trabalhadores com tema rural.
VINHOS OU VITICULTURE?
Se você está buscando uma comparação entre os dois principais jogos do gênero, te adianto: não rola.
Vinhos, jogo do grande designer português
Vital Lacerda, é um jogo muito mais pesado e com um estilo muito diferente.
Vinhos está muito mais relacionado ao mercado de vinhos do que à sua produção na escala mais inicial. Mas não só tematicamente, o jogo português é muito mais complexo mecanicamente, tal qual
The Gallerist. Mas isso não tira o valor de
Viticulture; o fato de se tratar de um jogo mais leve em complexidade mecânica, faz do jogo muito mais solto, mais rápido, mas também mais interessante para mesas maiores: cabem 6 jogadores na mesa sem deixar o jogo monótono, cansativo ou demorado. Pelo contrário. Como de costume dos jogos da
SM Games, o
downtime é bem baixo.
TUSCANY
Também é preciso fazer aqui algumas ressalvas para quem conhece o jogo e também conhece suas expansões.
Viticulture Essential Edition traz um jogo modificado da versão original, já com as expansões escolhidas por
Rosenberg incorporadas no jogo. O manual do jogo não tem separação do que é uma coisa ou outra. Mas, acredito eu, é possível jogar sem elas, fazendo uso de alguma cópia do manual da versão padrão do jogo. Porém, não vai valer a pena para quem tiver o jogo adquirir as expansões normais do jogo (
Moor Visitors e
Tuscany).
Está para sair em breve a expansão
Tuscany Essential Edition. É nessa que nós brasileiros temos que ficar de olho. A nova versão da expansão irá trazer coisas novas ao jogo que servirão tanto para quem tem o
Viticulture original, quanto para quem tem o jogo base mais as expansões e também para quem comprar a versão revisada que será lançada no Brasil.
SOLO
Além de tudo o que já foi dito,
Viticulture Essential Edition traz a expansão que permite jogar o sozinho uma campanha de 8 partidas. Na verdade trata-se apenas de um
deck de cartas desenvolvido pelo designer
Morten Monrad Pedersen, chamado
Automa. Morten é um grande designer e também está envolvido no projeto de mesmo nome para o jogo
Scythe.
Devo dizer que os
decks são sensacionais.
Pedersen é um cara incrível e conseguiu criar todo um ambiente de disputa de ações com seu jogador que deixa o jogo realmente tenso e concorrido. Joguei cerca de 3 partidas solo e sempre foram bastante desafiadoras. Vale o mesmo para o
deck Automa do
Scythe, que enfrentei umas 2 vezes.
E o interessante aqui é que além de controlar o grau de dificuldade de forma muitos simples (o manual ensina como fazer), o
deck também servirá para as expansões do jogo, uma vez que há símbolos nas cartas que já levam em conta se o jogador tem ou não
Tuscany.
CONCLUSÃO
Há tantas coisas boas em
Viticulture que é difícil não gostar do jogo. Acredito que qualquer jogador que é mais familiarizado com
eurogames e com a mecânica de alocação de trabalhadores irá achar o jogo sensacional. Quem não é, poderá se interessar pelo jogo por sua temática. Ou mesmo por sua bela arte e belos componentes. O trabalho da
SM é tão cuidadoso que se torna uma obra de arte.
Mas o jogo também se destaca por sua rejogabilidade, por não ser demorado e por ter um fator estratégico muito bacana, sem criar um
analysis paralysis enorme (afinal, o jogo não é assim tão denso). E, por incrível que pareça, se trata de um jogo pequeno, muito bem montado e com componentes resistentes (nada de tabuleiro de papel paras os jogadores). As cartas são lindas, com arte incrível dos ilustradores
Jacqui Davis,
Beth Sobel e
David Montgomery.
Viticulture é um jogo que vale a pena ter na coleção e o fato de que será lançado no Brasil me deixa muito feliz. É um jogo que serve pra jogar com a família e também com aquele grupo de amigos que curtem jogos mais pesados. É um jogo com preço bastante justo em relação ao que apresenta e que merece, sem dúvida alguma, a posição que ocupa no top 100 no ranking do
BoardGameGeek.
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