Uma vez eu ouvi que o conceito de estratégia era o planejamento antecipado do que você poderia desenvolver na busca de seu objetivo, diferindo diretamente do conceito de tática, que consiste na adaptação da sua estratégia às ações dos terceiros envolvidos. Em suma, estratégia é o que você faz por si mesmo, tática o que você faz de acordo com os movimentos dos seus adversários.
Porém, como todas as palavras de nossa querida língua portuguesa que são aparentadas, se você procurar em um dicionário os significados de ambas, constatará que são praticamente sinônimos. Então, coloquemos dessa forma: eu me considero, modéstia à parte, um estrategista muito bom. Adoro estudar meus jogos favoritos e mergulhar de cabeça em seus manuais, fóruns e guias disponíveis por aí, a fim de tornar minha experiência cada vez mais competitiva. Entretanto, com a liberdade do uso da palavra, sou péssimo taticamente. Não sou de contar cartas, ler oponentes e tenho dificuldades para me adaptar a viradas da maré ou prever os próximos passos de quem está do outro lado da mesa.
O conceito de estratégia...
Só que o grande trunfo de ser um bom estrategista e estar familiarizado com alguns pontos chave e mecânicas de jogos é que, em 90% das vezes, isso vai realmente te conceder a vitória. Claro, isso leva em conta que os demais jogadores na mesa não estão tão preocupados com planejamento como você, pois se um dos caras na mesa for tão dedicado ou mais que você, aí teremos um bom desafio. Lembro-me quando jogava Xadrez frequentemente e um amigo começou a ler livros sobre o assunto, momento em que aprendi o valor de uma abertura de jogo defensiva e conservadora. Desde então, percebi que vencia muito mais partidas quando meu oponente nem sabia o que significa "abertura" no Xadrez. Porém, meu próprio amigo nesse caso, era muito bom em visão de jogo, e pra ele eu, costumeiramente, acabava perdendo.
Bom, esse texto não visa ser um debate, como eu já suscitei anteriormente, sem querer querendo, sobre ferrar os amiguinhos e se a diversão dos jogos está em vencer ou apenas jogar. Na realidade, quero compartilhar com os leitores alguns pontos em comum no quesito estratégia a muitos Euro Games que joguei, os quais, assim que percebidos, modificaram minha experiência de maneira enriquecedora. São conceitos simples e intuitivos que podem trazer nova dinâmica para suas partidas de muitos jogos, e se você já os percebeu também ou tem algo mais a compartilhar, sinta-se à vontade para expôr para a galera nos comentários.
Depois de marcar ambiciosamente alguns pontos, suas possibilidades acabam?
1 - Possibilidades ao invés de Pontos
É tentador, mas no geral, vale mais a pena pensar em se preparar para o futuro do que agarrar qualquer oportunidade de pontuar que surja na sua frente. Digo isso porque assim que você pontua, tem grandes chances da rodada transcorrer e, ao voltar pra você, seu jogo está travado.
Como exemplo prático, posso citar o Russian Railroads. Avançar os trilhos nas diversas ferrovias parece ser a maneira mais óbvia e direta de pontuar. Você até consegue alguns recursos (como trabalhadores extras) fazendo isso, e certamente essas são ótimas metas. Porém, eu ainda não consegui ver a validade de se investir todo o seu tempo de jogo para conseguir os trilhos brancos da ferrovia Trans-Siberiana, pois sua partida vai se resumir a ficar construindo, sem ramificações de possibilidades. Por outro lado, talvez o melhor investimento seja com os Engenheiros que, além de garantirem pontinhos extras no futuro caso você consiga a indústria que os faz pontuar, você sempre vai ter um leque de opções de jogo particulares, ainda que os demais jogadores estejam travando as demais no tabuleiro central.
De maneira semelhante, até mesmo tematicamente eu diria, podemos contratar os empregados em Rococó a fim de aumentar as nossas possibilidades no jogo, além de, mais uma vez, termos a chance de pontuar adiante pelo simples fato de tê-los. Caraca, a não ser que eu tenha entendido errado as regras, você já pode usar na mesma rodada um empregado recém contratado, o que significa que, se você fizer isso sabiamente, ainda vai estar ganhando ações adicionais e nem precisará ficar com sentimento de culpa por ter perdido tempo com a contratação!
Logo, se você quer saber a hora certa de se preparar ou de pontuar, você tem que estar atento com o assunto do próximo tópico...
Até quando você deve continuar pescando cartas?
2 - Primeiro Recursos, depois Ferramentas e por fim Transformação de Recursos
Descubra quanto tempo ou rodadas o jogo vai durar. Você deverá, na sua cabeça, conseguir dividir isso em três fases, e fica atento se precisará dar uma esticada em uma ou encurtada em outra para correr atrás de algum prejuízo (é, ainda entra a infeliz parte tática hehe).
Na primeira etapa, você deve coletar recursos. Você é daqueles jogadores de Ticket to Ride que enche a mão de vagões para depois sair construindo feito doido, tudo de uma vez? Só tem que ficar de olho pois a condição de término de jogo não depende de você nem de um número fixo de rodadas, o que pode fazer você morrer com cartas na mão... Você percebe que fez o seu melhor jogo quando sua mão ficou vazia após sua última jogada e se, de preferência, foi você quem disparou o gatilho do final do jogo.
Na segunda etapa, você deve correr atrás de ferramentas para transformar esses recursos em pontos. Em Puerto Rico, é bem claro que você colhe o que você planta. Mas daí você precisa saber vender, e não apenas vender, mas vender bem, pelo melhor preço, com o menor desperdício e a maior quantidade possível. Então trate de garantir nessa etapa o máximo de construções que te ajudem nessa estratégia, como o Porto, o Cais e os Armazéns.
Na terceira etapa, você deve usar as ferramentas que conseguiu para, efetivamente, pontuar. O Terra Mystica pareceu muito desafiador para mim pois você tem o jogo te tentando o tempo todo com métodos de pontuação por rodada, então a dinâmica dele acaba sendo um bocado diferente, sendo que você precisa ir pontuando aos poucos. Então, minha sugestão, é procurar investir em evolução de recursos que estejam bem próximos do método de pontuação da rodada ou, se possível, te deixem preparado para a próxima. É melhor você estar gerando muitos trabalhadores, grana e poder no início das rodadas do que ter evoluído ao máximo uma Fortaleza ou Santuário de uma civilização que não vai te dar retorno imediato.
E claro, vale muito mais a pena investir em recursos no início do jogo do que tardiamente, pois os pontos tendem a fazer uma curva que vai te deixando pra trás. Por isso, é bom estar habituado com a ideia a seguir...
A jogada que você está fazendo está acima ou abaixo da média de pontos possíveis?
3 - Saiba o valor da jogada
Existe um valor médio de pontos que você pode atingir com uma jogada, e sabendo ele você pode mais facilmente determinar sua melhor ação entre todas as possíveis (que geralmente são muuuitas).
Para saber isso, alguns jogos vão depender de que ferramentas você conquistou anteriormente, então só contando na hora para saber. Por exemplo, no Rococó, se você tiver conquistado aqueles empregados que te ajudam a pontuar pelas combinações de trajes com cores específicas, conte quantos pontos você ganhará confeccionando aquele novo vestido e compare com quanto pontos você ganharia fazendo outra coisa. É bem provável que você chegue a conclusão de que vale a pena fazer o vestido e, se não valer, sinto muito, talvez você não devesse ter contratado aquele cara...
Pode parecer óbvio, mas nem sempre é. No calor da batalha fica difícil ficar fazendo essas contas, e é isso que poderá diferenciar os homens e mulheres dos meninos e garotas. Por isso eu fico feliz com jogos redondinhos como o 7 Wonders (sem as expansões), onde você já tem parâmetros perfeitos de qual o valor médio da jogada em cada Era: as cartas de estrutura civis, azuis. 3 pontos na Primeira Era, 5 na Segunda e 7 na Terceira. Uma jogada que os ultrapasse, é muito boa, mas se ficam abaixo, nem tanto. Por isso é melhor gastar suas jogadas da Primeira Era coletando recursos do que na Segunda, ou ainda coletando as cartas verdes de avanços científicos (só essas cartas, dariam um artigo a parte...).
Sabendo então quantos pontos você poderia estar ganhando na sua vez, é uma referência para aprender o próximo ensinamento...
Sabia que Munchkin é o nome de uma raça de gato?
4 - Não perca tempo ferrando o amiguinho
A não ser que você esteja jogando Munchkin, Uno ou similares, geralmente não vale a pena ficar perdendo tempo ferrando o amiguinho. É claro que num jogo de dois jogadores, um ponto negativo para o outro lado da mesa é um ponto positivo para você, mas conforme aumentam o número de participantes, realizar jogadas sem valor para atrasar oponentes tem que ser feito de modo muito bem pensado.
Em grupos de jogo mais competitivos, a mesa inteira vai saber ficar de olho quando alguém avança demais e todos vão fazer a sua parte para impedir alguém de ficar muito a frente dos demais. Porém, se seu grupo de jogo é mais despreocupado, não perca tempo sendo o cara que vai gastar todas as suas jogadas em detrimento de um único alvo. Faça seu jogo e torça para o melhor resultado.
Em Istanbul, foram poucas as vezes que movemos nosso mercador meramente para colocá-lo à espera de outro jogador no local que era de seu interesse, a fim de cobrar o "pedágio". Quando a gente fez isso, era porque já estávamos ferrados mesmo e era o único jeito de impedir a derrota (que foi apenas adiada) ou porque isso foi um bônus em outra jogada que realmente nos agregava valor.
Em Ticket to Ride, roubar trajetos dos oponentes pode ser um tiro pela culatra e te fazer desviar dos seus próprios objetivos. E claro, é coisa de cafajeste, admito, mas se estou no finalzinho do jogo e meu adversário só precisa colocar um vagão no tabuleiro pare completar seus bilhetes e, de quebra, conquistar a Maior Rota, eu não vou hesitar. Fiz isso uma vez e meu adversário deu um peteleco no vagão, mandando-o para a estratosfera.
Observação: o jogo era dele, e ele se arrependeu depois. Acho. Mas eu ganhei, é o que importa. (EDIT: Isso foi uma piada, ok?)
Observação 2: o vagão foi encontrado depois.
Observação 3: se você cair numa situação de King Making (aquela hora em que você já está perdido mas sua ação determina que outro jogador vai ganhar), escolha sua esposa. Te amo, Rebeca.