Pontuando Fenômenos (Des)Interessantes?: Parte IV
IV Supervalorização do novo. Observando a quantidade de jogos que são lançados em espaços de tempo cada vez menor é obvio o surgimento de uma corrida por parte dos consumidores em absorver essa oferta. Meu questionamento vai de encontro à suposta necessidade de ter “a novidade”. Pois para justificar sua aquisição “a novidade” é tratada como “a melhor jamais vista” quando na verdade esse é um discurso comercial e superficial que tem como fim apenas a venda de mais uma caixa para sua estante.
Diferentemente de alguns anos atrás, temos várias opções de títulos disponíveis para aquisição/locação. A oferta de jogos em nosso idioma tem aumentado progressivamente e por enquanto não enxergamos no horizonte o fim desse fenômeno.
Agraciados pela possibildade de escolher entre vários títulos, o(a) jogador(a) brasileiro(a) tem vários motivos para festejar:
(a) Ao que parece as editoras estão vivendo um momento de empolgação e a cada anúncio surpreende-nos com jogos bastante expressivos, muitas vezes com lançamento "simultâneo" com o restante do mundo.
(b) Os lojistas começam a disputar os clientes oferecendo descontos especiais e serviços diferenciados a seus clientes.
(c) Os eventos estão sendo cada vez mais difundidos e consolidam-se como vitrine para as novidades e oportunidade para os que querem se aventurar como designer.
(d) A quantidade de conteúdo sobre jogos é bem expressiva e o próprio banco de dados da Ludopedia possui uma base de jogos cadastrados invejável (se falarmos a nível de Brasil).
Contrapartida, alguns fatores podem ser apontados como complicadores a essa "festa" do(a) jogador(a) brasileiro:
(e) O momento de recessão pelo qual passa nosso país, pode obrigar o(a) jogador(a) a ponderar sobre a aquisição de um jogo em detrimento de outro.
(f) O lançamento de títulos traduzidos de certa forma faz cair o preço desses mesmos títulos em outro idioma no "mercado de usados", tornando-os uma possibilidade a ser considerada.
(g) A aproximação dos produtores de conteúdo com as editoras tem tornado difícil diferenciar o conteúdo comercial e o não comercial.(h) A empolgação de algumas empresas parece transformar-se em uma pressa de lançar algo rápido no mercado de forma a aproveitar "a onda".
(i) Supervalorização do uso social do hobby em detrimento da experiência proporcionada pelo mesmo.
Desenhado esse cenário, temos as editoras preocupadas em delinear o perfil de quem compra jogos. Temos os jogadores preocupados em otimizar seus recursos para estar em sintonia com as novidades e maximiza a qualidade/quantidade dos jogos de sua coleção. Temos gente dos dois lados preocupadas em saber se o tal “boom” vai continuar ou se estamos na eminencia de uma estagnação/retração.
Os “especialistas dos boardgame” apontam como ponto chave para entender essa questão a taxa de crescimento do numero jogadores no hobby uma vez que especula-se que a demanda por jogos já não é suficiente para absorver totalmente a demanda atual. Seguindo essa linha de pensamento pode-se especular que para o crescimento do mercado é necessário aumentar o numero de pessoas que compram/jogam boardgame.
Essa é uma analise bastante unilateral, que leva em consideração apenas o lucro das empresas como condição para a expansão do mercado. Supondo que o mercado cresça obedecendo esse moldelo cabe perguntar: será que esse crescimento é de todo “saudável”?
A esmagadora maioria dos jogos que tem movimentado o mercado são jogos importados e localizados. E que jogos são esses? Tomando por base os 50 jogos mais adquiridos nos últimos três mese,s conforme as estatísticas da Ludopedia, cerca de 92,0% destes são jogos do tipo EEE. Neste mesmo período apenas 8,7% dos jogos adquiridos são de autores nacionais.
Com relação a Europa e Estados Unidos, estamos atrasados alguns bons anos em termos de acesso a jogos. Essa defasagem faz com que jogos consagrados internacionalmente lançados a 4 ou mais anos tenha boa aceitação no Brasil, sendo uma espécie de aposta certa para qualquer um que deseje investir dinheiro no mercado nacional e obter retorno rapidamente. Dos jogos adquiridos pelos usuários da Ludopedia nos últimos três meses 68% são jogos lançados a mais de 2,5 anos.
O que isso nos revela? Que o(a) jogador(a) brasileiro(a) que ficou muito tempo de fora do hobby, de alguma forma anseia passar pelas experiências das quais o hiato de nosso mercado privou-lhe. Outra análise que se pode fazer sobre isso é que a quantidade de material disponível sobre estes jogos é bastante considerável. Sejam resenhas ou analises, relatos de sessões de jogatinas, comerciais e/ou propagandas, etc. E de alguma forma isso influência a escolha na hora de adquirir um novo jogo.
Um problema que pode ser detectado nesse fenômeno é o fato de que a disponibilidade desses jogos para brasileiros(as) está susceptível a produção “lá de fora”. Isso é perfeitamente compreensível uma vez que não possuímos tecnologia me experiência pra produzir esses jogos com a mesma qualidade aqui n Brasil. O que devemos lembrar é que o “boom dos boardgames” não aconteceu só no Brasil e portanto existe demanda por estes mesmos jogos em outros países. Então a produção de uma nova tiragem de um determinado jogo depende de que haja o interesse das editoras que publicam esse jogo em seus respectivos países de forma que um numero x de cópias possam ser produzidas e escoadas no mercado mundial.
Isso faz com que a disponibilidade de certos jogos ocorra de forma Sazonal. E faz também com que o jogador “faminto” por aquele jogo corra para adquirir sua cópia assim que ele se torna disponível no mercado nacional. As vezes fazendo-o comprar o jogo sem que ele ainda exista fisicamente.
De alguma forma isso gera em boa parte do mercado um comportamento condicionado e não se pode dizer que isto seja saudável. O consumidor(a) de jogos que está sempre submetido a essa sazonalidade dos títulos mais desejados não pode se dar o luxo de escolher o melhor momento para comprar o jogo e fazer seu planejamento financeiro para adquirir os jogos que deseja. Por que o jogo que ele tanto deseja estará disponível por um curto período de tempo já que as tiragens desses jogos são geralmente baixas se ele não passar por cima de seu planejamento financeiro ou ignorar as datas de seu cartão de crédito ele pode ficar sem o jogo naquele momento.
Pergunta que se pode fazer é: Você precisa ter toda essa fome para comprar o jogo x ou y? Você precisa comprar sempre os últimos lançamentos? Considerando as respostas para estas perguntas bastante subjetivas vou me ater a seguinte perspectiva: O jogador brasileiro joga menos do que gostaria de jogar. Não creio que essa seja uma particularidade nossa, mas gostaria de me ater apenas à realidade brasileira.
Usuários registados na Ludopedia ha menos 1 ano possuem registadas em suas coleções uma media de 10 jogos. Para jogadores com pelo menos dois anos a media de jogos vai para cerca de 50! Estes números foram obtidos a partir de analise de perfis de 50 usuários escolhidos aleatoriamente.
O aumento de 40 jogos de uma coleção em um período “relativamente curto” nos denotar uma espécie de corrida que o(a) jogador faz quando adentra no hobby. No ultimo censo promovido pela Ludopedia, constatou-se que a grande maioria dos jogadores (65%) joga 1 vez ou mais por semana.
Supondo que um jogador tenha uma coleção de 50 títulos e jogue 1 título diferente por semana, ele levará 350 dias para jogar todos os seus jogos. se considerarmos que cerca de 30% das coleções (um valor médio considerando os jogos mais recentes nas coleções em 10/2016) é formada por jogos leves e rápidos, o mesmo jogador levaria pelo menos 245 dias para jogar todos os seus jogos se em uma sessão de jogatina ele jogar 1 jogo médio/pesado e ao menos 1 jogo leve e rápido. Pode parecer razoável já que em um ano completo ainda restariam 120 dias para alguns jogos pudessem ver mesa novamente.
O fato é que quando alguém que possui uma coleção de 50 jogos está sentado à mesa com 2 ou talvez 3 títulos dessa coleção, outros 48 ou 47 estão na estante, parados. No cenário desenhado anteriormente 1 mesmo jogo médio-pesado, só veria mesa a cada 245 dias. Caso um mesmo jogo visse mesa por duas semanas consecutivas algum outro jogo poderia demorar muito mais tempo para ser útil de fato como jogo.
Quem não conhece relatos de jogos guardados por vezes lacrados que nunca viram mesa? Não raro encontramos anúncios no mercado da Ludopedia de jogos datados e nunca usados ou aberto apenas para conferência. Fato é jogamos pouco, compramos razoavelmente bastante. Alguns compram muito. Não o suficiente talvez para absorver o fluxo de publicações do mercado mas compramos mais do que jogamos. Falamos de jogos mais do que jogamos. Por vezes sentimos mais prazer em tirar fotos ou gravar videos do que de jogar. Concluindo: Fazemos mais uso social dos jogos do que os utilizamos propriamente como jogo. Talvez por isso compramos tanto, para mostrarmos sempre que estamos antenados às novidades.
Mas cada jogo comprado serve pelo menos a um grupo de jogadores. Quantos desses jogadores também compram jogos? Quantos jogos seu grupo compra? Vamos pegar 10 000 dos mais de 18 000 usuários cadastrados na Ludopedia. Vamos supor que esses usuários jogassem apenas entre si em grupos com 4 pessoas. Estamos falando de 2 500 grupos de jogo. Se cada grupo comprar apenas 1 jogo por mês haverá um fluxo de venda de 2 500 jogos por mês no mercado.
Olhando o volume de negociações do mercado da Ludopedia (jun/16) no período de 1 ano, o máximo atingido foi em março com 1016 vendas. Numero este bem abaixo dos 2 500 jogos da suposição citada anteriormente.
Porém sabemos que os jogadores do Brasil não se restringem apenas aos usuários dessa comunidade ou de qualquer outra e tampouco jogam apenas entre si. Minha pergunta é e eu não tenho essa resposta, quantas cópias de jogos é injetada todo mês no mercado?
Talvez uma possível solução frete a estagnação do mercado não esteja somente no tão mensurado aumento do número de jogadores. Mas em entender que os jogadores brasileiros estão amadurecendo e se tornando mais seletivos com o que compram e onde compram e quando compram em meio ao tornado que anda a economia nacional.
Continua ....