A Mythic Games, anteriormente uma das editoras de jogos de tabuleiro focadas em financiamento coletivo mais bem-sucedidas de todos os tempos, foi oficialmente liquidada após um colapso financeiro que a deixou incapaz de cumprir milhões de dólares em projetos do Kickstarter.
A empresa, que operava em Luxemburgo, foi condenada a uma liquidação compulsória no fim de outubro por não publicar seus relatórios anuais, confirmou um porta-voz da Mythic ao BoardGameWire.
Eles acrescentaram que uma investigação criminal contra o negócio também foi encerrada após não encontrarem comportamento fraudulento, apropriação indevida de fundos ou movimentações financeiras suspeitas pela gestão da empresa.
O dramático fim da editora de uma década ocorre após ela ter arrecadado mais de 19 milhões de dólares em campanhas de financiamento coletivo de jogos de tabuleiro em apenas cinco anos – incluindo mais de 5,6 milhões de dólares de mais de 28.000 apoiadores para sua campanha mais bem-sucedida,
Darkest Dungeon: The Board Game, em 2020.
Mais de 12 milhões de dólares desse total vieram de uma enxurrada de seis campanhas do Kickstarter que a Mythic realizou entre 2020 e 2022, durante um boom de financiamento coletivo de jogos de mesa impulsionado pelos lockdowns da Covid-19 – que levaram as pessoas a direcionar cada vez mais sua renda disponível para atividades que podiam fazer em casa.
No entanto, junto da relativa facilidade em arrecadar dinheiro no financiamento coletivo, muitas dessas campanhas também foram lançadas enquanto as economias globais estavam sendo afetadas por uma inflação crescente e pelos aumentos acentuados nos custos de fabricação e envio causados pela pandemia.
Sem ter previsto esse aumento de despesas ou ajustado suas finanças adequadamente, a Mythic acabou sobrecarregada pelo peso de seus projetos caros e repletos de miniaturas, e no verão de 2022 já havia subsidiado mais de 1,2 milhão de dólares em custos inesperados.
Mas, apesar desses sinais financeiros preocupantes, ela continuou lançando novos projetos, incluindo a arrecadação de mais de 1 milhão de dólares de mais de 5.500 apoiadores para sua campanha
Anastyr em maio de 2022. No momento desse lançamento, a Mythic já tinha cinco Kickstarters não cumpridos totalizando mais de 11 milhões de dólares.
Dias Mais Sombrios
Apenas dois meses após a campanha de
Anastyr ser financiada, a Mythic começou a revelar as sérias dificuldades financeiras em que se encontrava – e além de terceirizar toda a sua força de trabalho restante, tomou a medida sem precedentes de informar alguns apoiadores de que eles teriam que investir mais dinheiro caso quisessem receber seus jogos.
Algumas das críticas mais pesadas direcionadas à Mythic nos últimos anos foram sobre sua condução do Kickstarter de
Darkest Dungeon – um dos maiores financiamentos coletivos de jogos de tabuleiro da época, com uma campanha de 5,6 milhões de dólares.
A editora culpou o caos causado pela guerra na Ucrânia nos materiais brutos e nas taxas de envio por 1,75 milhão de dólares em custos inesperados apenas para a primeira leva do jogo – e disse aos apoiadores que eles teriam que pagar valores adicionais para que seus jogos fossem enviados.
Apoiecedores foram solicitados a pagar entre 18 e 69 dólares cada para a Onda 1, que incluía a versão em inglês do conjunto básico, uma expansão e vários itens extras – além dos 100 a 330 dólares mais frete que já haviam gasto na campanha original de financiamento coletivo.
Essa contribuição cobriria cerca de 50% dos custos adicionais, com a Mythic dizendo que forneceria outros 775.000 dólares e a desenvolvedora do videogame Darkest Dungeon, Red Hook, concordando em contribuir com 100.000 dólares.
Mais de 80% dos apoiadores pagaram para receber a Onda 1, e foram informados de que, se também estivessem esperando projetos da Onda 2 – várias outras expansões, itens extras e toda a linha localizada em outros seis idiomas – não precisariam fazer mais nenhum pagamento.
Mas a Mythic voltou atrás nessa promessa em outubro de 2023, pedindo aos apoiadores da Onda 1 mais 13 dólares para receber cada uma das expansões da Onda 2 que esperavam, com ainda mais custos adicionados ao frete – culpando despesas inflacionadas de matérias-primas e o custo do frete até a última etapa, que, segundo a empresa, “nunca esteve tão alto”.
Alguns apoiadores viram sua conta total extra pelas duas ondas ultrapassar 380 dólares – aproximadamente o dobro do valor do apoio original. Mas, apesar de dizer aos apoiadores que pagaram a segunda taxa extra que o processo havia sido um sucesso e que receberiam suas expansões da Onda 2, os jogos nunca foram produzidos.
Fracasso em entregar
A Mythic repetiu a manobra de cobranças extras em seu financiamento coletivo de
6: Siege em maio de 2023, informando apoiadores – alguns dos quais já haviam desembolsado perto de 500 dólares em apoios e frete – que precisariam pagar até 249 dólares adicionais para receber o jogo.
Esse jogo eventualmente chegou aos apoiadores que pagaram a taxa extra – mas a falência da Mythic deixa a editora sem entregar quase 5 milhões de dólares em outros projetos financiados.
Isso inclui
Hel: the Last Saga, que arrecadou mais de 2,2 milhões de dólares dos apoiadores, e
Anastyr, que a empresa desistiu de cumprir em janeiro do ano passado ao vender os direitos de propriedade intelectual para a CMON – uma editora de financiamento coletivo enfrentando sua própria turbulência financeira, que desde então revendeu as propriedades intelectuais como parte de sua própria tentativa de recuperação diante de grandes perdas.
A Mythic também desistiu de tentar concluir seu Kickstarter de 1,3 milhão de dólares para o jogo de luta de kaijus
Monsterpocalypse Board Game em janeiro deste ano, apesar da esperança de alguns apoiadores de que as vendas das IPs de
Hel: the Last Saga e
Anastyr dariam capital suficiente à editora para finalizar seus projetos restantes.
Apoiadores de Rise of the Necromancers, que arrecadou cerca de 317.000 dólares no Gamefound em janeiro de 2022, também ficaram sem nada em troca do investimento.
Esses projetos fracassados aconteceram apesar de uma série de outras editoras de jogos de tabuleiro focadas em financiamento coletivo terem conseguido entregar seus próprios projetos em larga escala e de alto orçamento nas mãos dos apoiadores – mesmo com as turbulências da pandemia e outras volatilidades macroeconômicas globais, embora muitas vezes com atrasos.
Isso inclui o então recordista
Frosthaven, de 12,9 milhões de dólares, da Cephalofair; a campanha
Nemesis: Lockdown, de 6,9 milhões de dólares, da Awaken Realms; o revival
Return to Dark Tower, de 4 milhões de dólares, da Restoration Games; e a campanha de 6,8 milhões de euros de
The Witcher: Old World, da Go On Board.
Um porta-voz da Mythic Games disse ao BoardGameWire: “Há quase dois anos, a indústria de jogos de tabuleiro enfrenta um clima econômico difícil. As vendas de estoque nas quais estávamos confiando não apenas ficaram muito abaixo das expectativas, como eventualmente se tornaram completamente inexistentes.
“Ao mesmo tempo, enfrentamos vários problemas financeiros inesperados que afetaram severamente nosso fluxo de caixa: o aumento nos pedidos de reembolso, incluindo retiradas diretas inesperadas iniciadas pelo Stripe, bancos ou PayPal (retiradas que vinham além dos reembolsos mensais que já estávamos emitindo); e um ajuste de IVA após uma auditoria fiscal.
“As autoridades fiscais de Luxemburgo acreditavam que o IVA não havia sido recolhido em certos países, embora os pagamentos tivessem sido efetivamente feitos. No entanto, o escritório de contabilidade externo que utilizávamos aparentemente não apresentou a documentação necessária.
“Fomos obrigados a pagar imediatamente um valor muito alto, que contestamos, e apesar de nossa proposta de um plano de pagamento – enquanto provávamos nossa boa fé – as autoridades recusaram qualquer acordo e apreenderam e esvaziaram as contas da empresa.
“Também gostaríamos de esclarecer que já havíamos pago um adiantamento significativo e não reembolsável à nossa gráfica para a produção da Onda 2 de Darkest Dungeon.
“Infelizmente, devido aos problemas mencionados acima, não conseguimos pagar o saldo restante, o que tornou a produção e a entrega impossíveis – e não conseguimos recuperar nenhum dos valores já pagos. A contribuição adicional que pedimos aos apoiadores não levava em conta esses fatores imprevistos; pedimos o mínimo necessário.
“Lamentamos sinceramente pelos fãs e por todos que perderam dinheiro por causa dessa situação, que tentamos administrar da melhor forma possível.
“Graças às decisões difíceis que tomamos quando os problemas começaram, conseguimos entregar
Darkest Dungeon Onda 1 e
6: Siege. Estamos felizes por aqueles que conseguiram receber seus jogos.
“Infelizmente, ficou claro que não somos – e não seremos mais – capazes de entregar os projetos restantes (
Monsterpocalypse Board Game e
Rise of the Necromancers), nem a Onda 2 de
Darkest Dungeon. Estendemos nossas mais profundas desculpas a todos os apoiadores e parceiros.
“Essa situação catastrófica afetou não apenas a Mythic Games e seus apoiadores, mas também vários de nossos parceiros, a quem expressamos nossas sinceras desculpas – em particular Red Hook, Privateer Press e Sore Loser Games.
“Mesmo tendo conseguido pagar seus royalties, colocamos esses parceiros em uma posição extremamente difícil no que diz respeito às suas propriedades intelectuais.
“Assumimos total responsabilidade por essas falhas; esses editores não são responsáveis – muito pelo contrário. Esperamos que os fãs de seus jogos consigam compreender claramente a situação e não atribuam culpa a eles. Eles são vítimas colaterais, assim como os apoiadores que não receberam seus jogos.”
Ato final
A Mythic disse ao BoardGameWire que, como ato final, forneceria aos apoiadores de
Darkest Dungeon os arquivos prontos para impressão 3D, conhecidos como STLs, da Onda 1 e 2, para que tivessem a opção de imprimir os componentes dos jogos não entregues que financiaram.
Essas operações seriam realizadas voluntariamente por um ex-funcionário da Mythic Games não identificado, acrescentou a empresa.
Esse ex-funcionário, que deseja permanecer anônimo, desde então entrou em contato com o BoardGameWire para esclarecer que a Mythic não era realmente dona dos arquivos STL de
Darkest Dungeon em questão e “nunca teve a intenção de distribuí-los”.
Ele disse: “Todos os direitos de uso relacionados a
Darkest Dungeon pertencem exclusivamente à Red Hook, que permanece a única parte legítima capaz de autorizar tal distribuição.”
O ex-funcionário acrescentou: “Estou legalmente em posse dos arquivos STL, após uma transferência oficial da Mythic Games, com documentação apropriada para comprovar isso.
“Após recebê-los, entrei pessoalmente em contato com a Red Hook, que me concedeu formalmente o direito de disponibilizar esses arquivos gratuitamente aos apoiadores.”
A editora acrescentou que havia transferido todos os direitos de
Rise of the Necromancers para os designers do jogo e para a coeditora Sore Loser Games, e disse que todos os arquivos STL das miniaturas e metas extras seriam enviados aos apoiadores.
A Mythic afirmou: “Entendemos perfeitamente que este anúncio irá decepcionar muitos, e que esses gestos não podem compensar as expectativas e investimentos feitos pelos apoiadores.
“Para nós, a Mythic Games foi muito mais do que uma empresa. Foi uma aventura humana movida pelo amor aos jogos compartilhado por toda a equipe e pelo desejo de criar experiências memoráveis. Saber que não conseguimos entregar a todos os nossos apoiadores é um fracasso que pesará sobre nós por muito tempo.
“Estamos profundamente arrependidos de não ter conseguido honrar todos os nossos compromissos e agradecemos sinceramente a todos aqueles que nos apoiaram ao longo dessa jornada.”
Fonte:
https://boardgamewire.com/index.php/2025/12/10/darkest-dungeon-board-game-maker-mythic-games-officially-liquidated-fails-to-deliver-on-millions-of-dollars-worth-of-crowdfunding-projects/