Olá, meu nome é Marco Portugal, co-designer junto com o Fel Barros de Warzoo Dicefare, lançamento da Asmodee e da Samba Estudios e vou contar um pouco sobre a história por trás da criação do jogo.
Essa é uma trajetória que começou há bastante tempo. Warzoo Dicefare é, na verdade, a quarta versão do meu primeiro jogo publicado: Muffin Games (2014), que posteriormente foi relançado como Looterz (2016) e depois como Looterz Rigor Mortis (2018).
A Origem do Jogo
O ano era 2012, e eu tinha uma missão: criar um jogo para inscrever em um evento de jogos da minha faculdade. Apesar do foco principal ser em jogos digitais, havia uma categoria dedicada aos jogos analógicos. Montei um protótipo com papel e lápis, fiz alguns testes com amigos, e assim nasceu a primeira versão embrionária do jogo.
Esse momento foi muito importante para mim, e deixo como dica para quem está começando: sair da fase das ideias e construir um protótipo físico, por mais simples que seja, é um grande passo. A primeira versão era extremamente focada nas mecânicas, com um tema genérico e um nome improvisado. Na época, eu chamava o jogo de “Batalha dos Deuses”.

Primeiro Protótipo: Batalha dos Deuses.
Eu sou um grande fã de Magic: The Gathering, jogo que coleciono e jogo até hoje. Na época, eu estava especialmente empolgado com formatos alternativos e um que me chamou muita atenção foi o DC10/Type 4, em que todos os jogadores compartilham um único baralho e podem jogar cartas poderosas sem pagar custos, com a limitação de apenas uma carta por turno.
As risadas, a tensão e a empolgação a cada jogada que eu via no rosto dos meus amigos jogando esse formato me inspiraram. Eu queria replicar aquela sensação de diversão intensa em um jogo próprio: algo simples, pequeno, mas com efeitos impactantes.
Na primeira versão, fiz algumas alterações em relação ao formato de Magic:
- Não havia eliminação de jogadores; quem alcançasse 10 pontos de vitória primeiro, vencia.
- Substituí o combate complexo por um sistema simples de dados para resolver ações.
O jogo, claro, nasceu com mais regras do que o necessário. Havia dois tipos de carta: Monstros e Mágicas, sendo que algumas funcionavam como reações. Monstros tinham "enjoo de invocação", e não podiam agir no turno em que entravam. Muitas dessas regras foram abandonadas para tornar o jogo mais acessível.
Mas a estrutura central já estava presente: comprar 1 carta, jogar 1 carta, e gerar efeitos poderosos. Os primeiros testes mostraram que a base funcionava, e que o principal desafio era encontrar a combinação certa de cartas para o baralho.
Alguns exemplos de cartas. Nessa versão, você virava os Monstors 90 graus para determinar a quantidade de vida e dados.
A chegada do Fel
Em 2014, o Fel estava demonstrando seu jogo Warzoo. Joguei, gostei, e mencionei que também tinha um protótipo guardado. Ele ficou um pouco cético quando soube que era inspirado em Magic, mas topou jogar.
Apesar do jogo claramente não estar pronto, ele viu potencial e se interessou pela publicação. Propôs uma coautoria, e assim começamos uma grande parceria. Uma das lições mais importantes no co-design é saber deixar o ego de lado. Eu sabia que o jogo precisava evoluir e confiei na experiência do Fel para ajudá-lo a atingir seu potencial.
Após vários testes, alinhamos os seguintes pontos:
- Controlar a duração da partida: um jogo simples que dura demais pode cansar. Focamos em partidas de 20 a 30 minutos.
- Eliminar semelhanças com Magic: queríamos algo mais direto e acessível ao público casual.
- Remover cartas mágicas: todos os efeitos passaram a estar nos próprios monstros, o que deixou a jogabilidade mais fluida.
- Abraçar o caos e a interação: buscamos momentos de diversão e impacto, típicos de jogos com mecânicas de "Toma Essa", o que acabou se tornando uma das assinaturas do jogo.
Muffin Games
Após inúmeros testes, estávamos satisfeitos com o fluxo: partidas rápidas, interativas e engajantes. Trabalhamos no balanceamento e criamos uma lista final de 30 cartas, que duplicadas compunham um baralho de 60 cartas.
Montamos uma planilha com os efeitos, classificações e notas, para garantir equilíbrio entre cartas impactantes e jogabilidade em todos os estágios da partida.
Quando o jogo estava pronto, tivemos a ideia (maluca) de incluir um concurso de "quem come mais muffins", e o Fel sugeriu um toque à la Jogos Vorazes, com uma Dona de Casa como personagem principal. Assim nasceu o Muffin Games, lançado em tiragem limitada pela Ace Studios.
Protótipo do Muffin Games com algumas alterações à lápis direto nas cartas.
Looterz e Rigor Mortis
Pouco tempo depois, a CMON se interessou em publicar uma nova versão do jogo, desta vez com um tema mais acessível e alinhado às mecânicas. Assim surgiu o Looterz, mantendo todas as regras de Muffin Games com um novo visual e distribuição internacional.
O sucesso do jogo em diversos lpaíses, levou a uma terceira versão, Looterz Rigor Mortis. Ela trouxe os personagens de uma HQ italiana e foi publicada em muitos outros locais, incluindo o Brasil (pela Conclave). Essa versão manteve as mesmas regras básicas, com a adição de uma nova condição de fim de jogo: se as quatro cartas do personagem Rigor Mortis aparecessem antes que alguém alcançasse as moedas da vitória, o jogo terminava imediatamente. Essa regra foi mantida em Warzoo Dicefare com as cartas de Fazendeiro.
As quatro versões do jogo.
Warzoo Dicefare: Novo Tema e Modernização
Quando o Fel propôs revisitar o jogo após mais de 10 anos, fiquei empolgado. Era a chance de atualizar tudo com base em nossa experiência acumulada. Nosso grande amigo Robert Coelho também participou do desenvolvimento, ajudando a simplificar regras e efeitos, deixando o jogo mais moderno e acessível. Ele conseguiu manter a essência do jogo e potencializar seus pontos fortes. O jogo teve diversos aprimoramentos, mas os principais foram:
1. Novo Tema
O jogo passou a se ambientar no universo de Warzoo, com uma guerra caótica na fazenda. A arte de Denilson Silva deu vida ao novo cenário, reforçando a identidade visual e temática.
2. Bônus de Facções
Para integrar o tema ao gameplay, adicionamos uma regra de facções. Os personagens agora pertencem à Aliança Animal ou ao Eixo Suíno. Sempre que um personagem elimina outro da facção oposta, o jogador recebe um bônus.
3. Estrutura de turno simplificada
Nas versões anteriores, a estrutura de turno era mais complexa para equilibrar partidas em 2 jogadores. Em Warzoo Dicefare, optamos por retornar ao formato simples de "comprar 1 e jogar 1", e ajustamos o design das cartas para compensar.
4. Atualização do baralho
Revisamos os efeitos das cartas e adicionamos outros, aumentando a variedade e a profundidade estratégica. O jogo passou de 60 para 100 cartas.
Conclusão
Fiquei muito satisfeito com o resultado final. Warzoo Dicefare é, sem dúvida, a melhor versão do jogo até hoje. Tenho certeza de que vai agradar tanto quem já era fã quanto quem está conhecendo agora. Obrigado por acompanhar até aqui e boas jogatinas com Warzoo Dicefare!