iuribuscacio::Caro Harleyamaral
Rapaz, parabéns pelo texto, gostei muito.
Eu gostaria entretanto de fazer alguns comentários.
Em primeiro lugar quando se fala de ranking, ou melhor dizendo da validade de um ranking, algumas coais precisam ser deixadas de lado. Isso engloba muitos "lugares comuns" desse tipo de discussão. Todo mundo sabe que o jogo tem é de agradar a pessoa, e se ela gosta de Jogo da Velha ela tem é mais que jogar Jogo da Velha. Todo mundo sabe que o gosto pessoal de cada um vale muito mais, para aquela pessoa, do que qualquer análise bem fundamentada de um expert em jogos de tabuleiro, mas isso só vale para a aquela pessoa e ninguém mais. Todo mundo sabe que o importante é ver o jogo por si mesmo, ao invés de se guiar pela opinião do youtuber fulano, ou do designer beltrano. Isso tudo a gente sabe, e isso está correto.
Dito isso, para tratar de um ranking de jogos, a primeira coisa que se tem de deixar de lado é o gosto pessoal, que é diferente da opinião pessoal. O gosto prescinde de qualquer explicação, em outras palavras eu gosto do jogo XYZ, porque ele me agrada, eu gosto, pronto e acabou. Já a opinião é algo mais complexo por que deve haver alguma base para aquela opinião. Um exemplo rápido dessa diferença é a pessoa que não gosta do TI4, o que é totalmente subjetivo (ela pode achar que o jogo demora muito, enquanto os fãs podem achar que ele não demora tanto assim, e que são horas muito prazerosas jogando o TI4). Outra coisa é a pessoa dizer que na opinião dela, o TI4 tem poucas opções de raças disponíveis para o jogador quando isso obviamente não é verdade. Nesse quesito é preciso ser razoável, e evitar a apelação de dizer que mesmo que o jogo tenha 30 raças possíveis incluindo as expansões para a pessoa 30 raças ainda são poucas.
Considerando essa questão da diversidade de parâmetros, eu acho que dá para fazer uma média, assim meio "conta de padaria", e se nós fizermos isso, dificilmente você vai achar um jogo ruim no TOP10 do BGG. Obviamente isso não implica dizer que qualquer um vai gostar de todos os jogos que ali estão, só que aí entra aquela diferença entre você achar o jogo ruim e o jogo ser ruim no geral. É justamente por isso que os rankings têm de levar em consideração uma média, e também utilizar algum mecanismo que minimize eventuais distorções. Se eu fiz um jogo chamado "spKTSKCLK" e só eu dei nota 10, evidentemente ele não se tornará da noite para o dia o TOP1 do BGG, só porque a "nota geral dele é 10".
Assim sendo, quanto jogos realmente ruins, será que se encontra por exemplo, no TOP100 do BGG. Sinceramente eu não sei, pode ser um, podem ser 5 podem ser 20, ou pode até ser nenhum. Mas qualquer análise séria e honesta dos jogos do ranking vai dizer que a quantidade de jogos bons é absurdamente superior à quantidade de eventuais jogos ruins.
Por outro lado, considerando a enormidade de jogos lançados mundialmente em um único ano, é natural que a lista não se mantenha a mesma, o tempo todo. Mas você veja como são as coisas. Jogos como Catan, Carcassonne, El Grande, Tigris & Euphrates, Puerto Rico, já têm décadas, eu disse décadas e não anos, de lançados e nós ainda falamos deles, e ainda jogamos esses clássicos. Durante muito tempo, esses jogos figuraram nas primeiras posições. Não custa lembrar que o Puerto Rico tem a impressionante marca de 5 anos como TOP1 do BGG, algo que é pouco provável que se repita (alguns apostavam no Gloomhaven, mas não foi on que aconteceu). Mesmo assim esse jogos, reconhecidamente excelentes (goste-se deles ou não), tais como o Agricola, o 7 Wonders, o Catles of Burgundy, o Lords of Waterdeep, o Dominion, o Stone Age, o Terraforming Mars, o Terra Mystica, o Battlestar Galactica, o Masions of Madness, o Ticket to Ride, o Imperial Assault, o War of the Ring, o Twilight Struggle, o Mage Knight, o Robinson Crusoe, entre tantos outros, figuram ainda nos TOP 100, TOP 200 ou TOP 300. E isso é um feito realmente formidável. Algus desses jogos tem 20 ou 15 anos de idade, e continuam em posições altas. E quando eu digo posições altas, as vezes se perde um pouco da perspectiva e se esquece que o BGG tem mais de 100.000 jogos listados, e mesmo que apenas uma fração disso, ou seja, mesmo qeu apenas 10.000 tivessem um posição na listagem "overall", ficar entre os 300 melhores, diz muita coisa sobre o jogo.
O próprio exemplo que você usou do Elvis diz algo parecido. O sujeito já morreu fazem quase 50 anos, quando já estava velho, gordo, cafona, e praticamente em "fim de carreira", mas mesmo com tudo isso foi justamente ele que você resolveu usar de parâmetro. Claro que ideia foi aproveitar a piada com o título do disco, mas só pelo fato do Elvis sequer ser lembrado, e não apenas por você e eu, mas por bem mais do que 50 milhões de pessoas que talvez nem estivessem vivas quando ele morreu, para mim é uma prova de que os 50 milhões citados, estão muito mais próximos de estarem certos do que errados. E é até bom que o Rei ( o Rei de verdade não aquele pastiche versão nacional, que alisa o cabelo até hoje) não seja uma unanimidade, porque o célebre Nelson Rodrigues estava corretíssimo quando disse que a "toda a unanimidade é burra, e que quem pensa com a unimidade n!ao precisa pensar".
Por fim, eu não acho que o ranking seja uma "verdade revelada vida direto dos céus", e que se deva acreditar piamente no que ele diz. Mas não é porque o ranking não é 100% perfeito, não é porque ele não acerta 100% das vezes, e não é porque ele se adequa a 100% das pessoas que curtem boards games, que se deve considerar o ranking algo falho, ruim e sem valor. Muito pelo contrário, em termos gerais, o ranking funciona incrivelmente bem. Mas por via das dúvidas é sempre bom ou jogar o board game, ou dar uma olhada em um bom vídeo de jogatina, antes de cravar se o jogo é joio ou se é trigo.
Um forte abraço e boas jogatinas!
Iuri Buscácio
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Excelente comentário Iuri... Muito pertinente. Acho que o ponto central desta discussão está justamente na distinção entre gosto e opinião. Embora aparentem sinônimos, são expressões diferentes de uma mesma natureza: ambos pertencem ao gênero das avaliações subjetivas, mas se distinguem pelo grau de fundamentação.
O gosto é imediato, sensorial, quase instintivo. Ele dispensa justificativas: gosto porque gosto, como quem prefere rock a reggae ou brass Birmingham ao lancashire. O gosto é uma reação afetiva, construída a partir de experiências, lembranças e até humores passageiros.
Já a opinião, embora também subjetiva, nasce da tentativa de traduzir esse gosto em linguagem, de dar forma, argumento e contexto. A opinião é o gosto vestido de razão: precisa de base, de comparação, de uma certa consciência do que se está dizendo.
Essa diferença é crucial quando se fala de rankings. O objetivo aqui nunca é decretar o que é “ruim” ou “bom” de forma absoluta, mas reconhecer que determinados jogos ĺ(Brass, Gloomhaven, SETI ou qualquer outro) se adequam melhor a certos perfis de jogadores do que a outros. Não se trata de negar méritos, mas de reconhecer encaixes: o que encanta um jogador pode cansar outro, e isso não invalida nem o jogo nem o gosto individual.
Um ranking é, no fundo, uma média de gostos transformados em opiniões . Um retrato coletivo imperfeito, mas interessante. O importante é não confundir a legitimidade do dado estatístico com a validade universal da experiência. O “melhor jogo do mundo” pode ser, para alguém, apenas “um jogo que não combina comigo”. E está tudo bem, porque, no fim das contas, o hobby só faz sentido se houver espaço para todos os tipos de gostos, com ou sem planilha de notas