Quando se fala em bons jogos para duas pessoas, muito se menciona em jogos como
7 Wonders Duel,
Jaipur, e
Splendor Duel. É no mínimo curioso que quando dois dos autores destes jogos, o francês
Bruno Cathala e o suíço
Sébastien Pauchon, se juntam para um projeto, este tenha passado despercebido, ignorado ou até mesmo subestimado pela comunidade, tanto brasileira quanto internacional. Nessa resenha tentarei voltar a atenção de você, leitor, para esse jogo:
Sobek: 2 Pessoas
Sobre o jogo
Sobek: 2 Pessoas nasce como uma reimplementação do jogo
Sobek, criado por
Bruno Cathala e lançado em 2010. Desde o lançamento original, os dois já compartilhavam muitas mecânicas em comum, como o draft das peças (na época, cartas), coleção de conjuntos, poderes especiais e uma pontuação negativa na forma da corrupção. No entanto, o jogo não tinha o suficiente para se sobressair em relação aos concorrentes de sua categoria, principalmente com outro jogo muito conhecido que havia saído somente um ano antes:
Jaipur, de
Sébastien Pauchon.
Bruno Cathala à época já havia criado jogos que hoje são grandes nomes como
Shadows over Camelot,
Mr. Jack,
Cyclades e
Jamaica, este último em conjunto com o autor de Jaipur. Os dois repetiriam a parceria em
Oliver Twist, que também é uma reimplementação de Sobek, e esse design iria ser melhorado até por fim o tópico desta resenha:
Sobek: 2 Pessoas.
Mecânicas
Em Sobek: 2 Pessoas, como o nome já diz, dois jogadores irão competir por peças, dispostas no centro de um tabuleiro em um Mercado (grid 6x6), buscando formar conjuntos de peças do mesmo tipo, o que lhes renderá pontos de vitória a serem contabilizados ao fim do jogo, junto a bônus provindos de outras fontes a serem discutidas aqui, e o vencedor será aquele que obtiver mais pontos.
No jogo existem dois tipos de peças: peças de Mercadoria, que variam em raridade: Trigo, Peixe, Gado, de baixa raridade, e Mafim, Ébano e Mármore, de alta raridade. Além destes, também existem as peças de Estátua, que atuam como coringas para qualquer um dos outros recursos, e as peças de Personagem, que possuem um uso duplo - podem ser combinadas com peças de Mercadoria do tipo correspondente, ou podem ser jogadas pela sua habilidade especial.
As peças de recurso podem possuir uma quantidade variável de escaravelhos dourados que vão de 0 a 3, e a pontuação do conjunto jogado será
a quantidade de peças daquele tipo x a
quantidade de escaravelhos em todas as peças do conjunto, em uma forma muito parecida com a qual Cathala fez no jogo
Kingdomino.
As peças de Mercadoria e Estátua serão colocadas de forma visível no Mercado, enquanto que as peças de Personagem, com fundo diferente, devem ser colocadas com o verso para cima, e só serão olhadas pelo jogador que as pegar ou até serem jogadas.
No jogo também estarão presentes: um Ankh, utilizado para seleção das peças (discutido a seguir), fichas de poderes especiais, obtidas ao baixar conjuntos de peças, fichas de moedas de ouro, que possuem valores diversos e poderão ser coletadas ao longo do jogo, e um tabuleiro de corrupção, mecânica que irá impactar o andamento e também o fim do jogo.
No seu turno, você pode fazer uma de três possíveis ações:
- Comprar uma peça do Mercado, movendo o Ankh
- Baixar um conjunto de peças da mão
- Jogar um Personagem
As ações de baixar um conjunto e jogar um personagem são muito simples de entender: O conjunto deve ter três ou mais peças do mesmo tipo, contando peças de Estátua coringas, e cada personagem possui uma habilidade diferente que vai impactar o jogo com um benefício para o jogador ativo, ou uma interação que vai prejudicar o jogador adversário. As fichas de bônus seguem a mesma lógica, estando fechadas ao começo do jogo, e reveladas a cada jogador que baixar um conjunto.
O grande trunfo de Sobek, que para mim é o que o torna um jogo mais interessante a cada partida é a seleção das peças utilizando o Ankh. Ele serve como um limitador do escopo de peças que podem ser selecionadas dependendo de sua orientação, que pode ser horizontal, vertical, ou diagonal, em uma mecânica pouquíssimo utilizada chamada
Maxit, em homenagem ao jogo de computador de mesmo nome lançado em 1978.
Nesse movimento, o Ankh deve parar em uma peça para a qual ele aponta, podendo ser adjacente ou não, e colocado no local da peça selecionada, que irá para a mão do jogador. Essa mesma peça já indicará a próxima posição do Ankh, sendo um fator potencialmente decisivo para a jogada.
Caso seja selecionada uma peça distante, as peças no caminho devem ser colocadas no
tabuleiro de corrupção, ficando ali até o fim do jogo
*. As peças nesse tabuleiro irão ser um fator impactante na pontuação de fim de jogo, beneficiando quem possuir menos corrupção.
*Algumas habilidades especiais podem remover peças do seu tabuleiro de corrupção, permanentemente do jogo ou para sua mão
Opiniões
Sobek: 2 Pessoas é interessante em sua primeira partida, pela descoberta de como cada habilidade funciona, mas é após as seguintes onde o jogo começa a brilhar de verdade. Com o entendimento das consequências de cada ação, cada passo deve ser devidamente calculado - onde apontar o Ankh, quantas peças vale à pena colocar na corrupção, se devo guardar peças para um conjunto maior ou jogá-las para aproveitar a ficha de habilidade - dentre muitas outras opções que vão se abrindo, e sempre há a sensação de que os dois jogadores estão interagindo um com o outro em suas decisões.
A rejogabilidade se dá por um fator de aleatoriedade, pois o tabuleiro a cada partida, e depois à cada reposição das peças, é populado aleatoriamente com as peças restantes provenientes de uma pilha. O jogador está a cada nova partida tendo que se adaptar ao que está à sua disposição. Contudo, esse também pode ser um fator que afaste aqueles que se incomodam com alguma sorte nesse posicionamento.
A expansão,
Tesouros do Faraó, lançada em 2022 na gringa, infelizmente nunca chegou ao Brasil, porém parece ajudar trazendo mais habilidades, mais personagens e novas peças de Mercadoria duplas que ao serem selecionadas também causam corrupção, trazendo um fator risco / recompensa que parece ser muito interessante.
A arte é na minha visão muito agradável, superior à do jogo original e complementa um tema que seria de outra forma no mínimo ignorável. A troca de mercadorias não é nem de longe a inspiração mais interessante para Egito Antigo, e a única relação que pude encontrar do deus Sobek que encaixe ao jogo é a relação com a fertilidade. Nesse quesito, Jaipur é muito mais interessante, pois a Índia tem presença em diversos momentos históricos como a Rota da Seda e as Grandes Navegações.
Passando rapidamente pelo valor do jogo, eu diria que é condizente com seu conteúdo, tanto em diversão quanto em componentes, possuindo mais de 60 peças, quase 30 fichas, o tabuleiro e o saquinho de pano. Com o mercado empurrando jogos somente de cartas a mais de 100 reais, não há do que reclamar com esse aqui.
Conclusão
Sobek: 2 Pessoas acumula mais de 20 partidas aqui em casa e continua sendo um favorito. Os autores conseguiram criar uma experiência leve e rápida para dois jogadores, com momentos de queimar a mufa, e com certeza merece a sua atenção. Ainda me resta um cadinho de esperança de que, eventualmente, a expansão chegue aqui no Brasil, e espero que essa resenha colabore para levantar o interesse pelo jogo e ajudar a isso acontecer.
Sobre o Autor: Luca Rodrigues é Desenvolvedor de Software, estudante de Ciência da Computação, entusiasta de jogos digitais e analógicos e pai dos três gatos mais lindos de Pelotas - RS. Caso queira deixar um comentário em particular ou conversar mais sobre boardgames, meu instagram é @lucar0d
PS: Esse é meu primeiro post na Ludopedia! Espero continuar publicando por aqui mais vezes, principalmente tentando trazer resenhas críticas das coisas que jogo. Meu objetivo é tentar trazer profundidade e despertar a vontade dos usuários de conhecer os jogos comentados, então ficarei muito feliz com críticas construtivas sobre o que tenho escrito.